quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A limpeza da floresta

Um dos grandes temas do momento é a limpeza da floresta em torno das habitações e dos aglomerados urbanos. O Governo decretou que até 15 de março os proprietários e os arrendatários são obrigados a fazer a limpeza dos matos e da vegetação em torno das habitações. Quem não o fizer até ao dia 15 de março sujeita-se a pesadas multas que podem ir dos 5 mil aos 140 mil Euros. Entre 15 de março e 31 de maio, as câmaras passam a estar incumbidas de fazer a limpeza nos terrenos onde os privados a não fizeram, remetendo-lhes depois a fatura. No dia 1 de junho começa a época oficial de incêndios (assim ao jeito da época balnear). Apesar da obrigatoriedade da limpeza florestal existir desde 2006 (Decreto-Lei nº 124/2006, de 28 de junho), a preocupação para pôr a lei em prática de uma forma mais efetiva aumentou com os trágicos incêndios de 2017, que vitimaram mais de 100 pessoas (a este respeito, ver o post deste blogue publicado em dezembro de 2017). Por isso mesmo, aquele Decreto-Lei foi alterado pela Lei n.º 76/2017, de 17 de agosto, que foi mais recentemente complementada pelo Decreto-Lei n.º 10/2018, de 14 de fevereiro, que estipula as condições mediante as quais devem ser feitas as limpezas florestais. Na sequência deste último Decreto-Lei, as iniciativas para sensibilizar as populações para a necessidade das limpezas florestais aumentaram ao longo das últimas semanas. Até a Autoridade Tributária, ilegitimamente, enviou emails a proprietários e, pasme-se, a não proprietários a ameaçar com pesadas multas para aqueles que não fizerem as devidas desmatações. E sob a ameaça de multa, muitos proprietários arregaçaram as mangas e começaram a desbastar os grossos tojos que engrossaram ao longo de anos (às vezes décadas) de abandono. A lei é meritória, faz sentido, é necessária e tem um caráter preventivo. Disso ninguém terá grandes dúvidas. Agora o que se pode discutir é a forma apressada com que se pretende fazer aquilo que não se fez ao longo dos últimos anos. Por isso mesmo, as pessoas estão cheias de dúvidas e a lei ainda suscita mais interrogações. Senão vejamos estes aspetos:

1) A lei determina que haja um perímetro de limpeza de 100 metros em torno das aldeias. Mas o que é uma aldeia? É uma freguesia? Um lugar? Um aglomerado urbano? Na figura disponibilizada pelos serviços (ver em baixo) uma aldeia é descrita como um conjunto de casas concentradas. Neste caso é fácil definir a zona circular de 100 metros em torno da aldeia. Mas nos casos onde a habitação é dispersa, como em Palme, como se define o limite da aldeia? A aldeia aqui não existe nesses termos, a não ser que se defina um limite de 100 metros a partir do limite da última habitação mais próxima da floresta. Mas isso não vai dar um círculo, mas sim um polígono altamente irregular, que em muitos lados nem dá para demarcar, pois as aldeias são difusas e ligam-se umas às outras com habitações dispersas pelo meio do campo e da floresta. Em Palme há inclusivamente habitações que estão totalmente localizadas e isoladas no meio de parcelas florestais. A Câmara Municipal não tem aqui uma enorme responsabilidade ao ter permitido e ter licenciado habitações em zonas claramente de uso florestal? A floresta e as árvores já lá estavam antes de muitas casas terem sido ali construídas, por isso muitos proprietários florestais estão revoltados com a permissividade da câmara em ter autorizado construções em zonas de uso florestal. Em Palme há muitos exemplos, veja-se a construção que surgiu junto ao cruzamento da Balança, as construções isoladas nas Tomadias, junto ao ribeiro do Fulão ou no caminho que vai para Bustelo. Por falar em Bustelo, este será porventura um bom exemplo de um aglomerado isolado no meio da floresta, onde a coroa de 100 metros de limpeza faz todo o sentido.

Perímetros de limpeza em torno dos edifícios e dos aglomerados urbanos


2) A lei determina que haja uma faixa de gestão de combustível de 50 metros em torno da parede exterior das habitações. Este é um dos aspetos que mais dúvidas tem gerado, nomeadamente sobre a forma como estas faixas devem ser geridas. Desde logo a lei diz que numa faixa de 5 metros a partir das paredes exteriores dos edifícios não podem haver árvores. No tal email da Autoridade Tributário é dito: “cortar todas as árvores e arbustos a menos de 5 metros das casas e impedir que os ramos cresçam sobre o telhado”. Contudo, isso não é bem assim, pois as árvores protegidas (como o sobreiro) usufruem de um regime especial de proteção e não são abrangidas por esta determinação, assim como as árvores de fruto e de jardim. Além disso, a lei especifica que nessa faixa de 50 metros, a copa das árvores deve estar espaçada 10 metros no caso do eucalipto e do pinheiro-bravo (árvores mais combustíveis) e de 4 metros no caso das restantes árvores. Depois, as árvores que estejam com este espaçamento devem ser podadas de forma a remover os ramos mais baixos. Em árvores com mais de 8 metros de altura, os ramos devem ser cortados até aos 4 metros de altura a partir do solo; as árvores com menos de 8 metros de altura devem ser desramadas em 50% da sua altura a partir do solo. Por último, nestas faixas de 50 metros é obrigatório remover os matos e a vegetação arbustiva, que não pode ter mais de 50 cm de altura.

Faixas de gestão de combustível e espaçamento arbóreo


3) Ao longo das estradas é necessário manter uma faixa de gestão de 10 metros para cada lado das faixas de rodagem. E é também necessário que as copas dos eucaliptos e dos pinheiros-bravos estejam afastadas no mínimo 10 metros uma das outras.  Em Palme estas faixas de gestão estão maioritariamente por fazer. Basta para tal olhar para a selvajaria de eucaliptos novos que bordejam a EN 103 na Figueiró. Mas também há exemplos de boas práticas. Ponham os olhos na EN305, no sentido de Vila Chã para Palmeira, onde este trabalho já foi feito. Mas isto são outras freguesias e outro concelho….

Aplicar esta lei não é fácil nem para os proprietários, nem para os municípios. Em relação aos proprietários um dos principais problemas prende-se com a falta de pessoas (e com a falta de vontade de alguns) para fazer este duro trabalho. Quem não pode fazer o trabalho pela própria mão poderá também ter dificuldades em entregar o serviço a empresas ou a tratoristas, devido aos elevados preços que cobram. Por estes dias, as empresas de limpezas florestais não têm mãos a medir e estão já a inflacionar os preços do serviço. Há por aí quem peça 2000 Euros por hectare limpo, o que é insuportável para muitos, principalmente para aqueles de baixos rendimentos e que não retiram qualquer proveito dos terrenos. Um outro problema grave decorre da elevada fragmentação e da pequena dimensão dos terrenos. Há imensos casos em que os terrenos onde é necessário fazer limpeza são de proprietários diferentes dos das casas com os quais confrontam, de onde resultam situações de conflito e mal-estar, com intimações e queixas na polícia e na câmara. Muitas vezes, os terrenos nem são florestais, estão apenas cheios de arvoredo (normalmente silvas e heras) por estarem incultos há muito tempo. Nestes casos, a limpeza obviamente também é obrigatória. Acontece que por vezes os donos dos terrenos não querem saber, às vezes nem estão na freguesia. Para evitar aborrecimentos maiores e demoras prolongadas, tem-se visto alguns moradores a calçarem as galochas e a limparem os terrenos que não são seus. Talvez agora com a nova lei esta situação se inverta. Um outro problema resulta da pressão que os proprietários mais cumpridores estão a sentir porque o prazo concedido até 15 de março é manifestamente curto. Com as limpezas estão a aumentar as queimadas do material desmatado o que potencia o risco de incêndio fora de época. Ainda neste sábado, dia 24, o monte no lugar de Mámua, na treita entre Palme e Aldreu, que nunca tinha ardido, foi integralmente consumido pelas chamas. E o incêndio só não teve consequências piores porque esta pequena mancha florestal (2 hectares) estava rodeada de terrenos agrícolas. A causa do incêndio foi o reacendimento de uma queimada feita no local.

Para as câmaras municipais se substituírem aos privados a tarefa também não é fácil. As câmaras municipais não têm qualquer capacidade para fazerem cumprir integralmente a lei: nem meios humanos, nem financeiros, nem equipamentos. Depois, não se percebe a ameaça feita pelo Governo com cortes de transferências aos municípios que não façam cumprir a lei. Por outro lado, a aplicação de multas poderá ser extremamente dificultada pela inexistência de um cadastro atualizado. Ou seja, os proprietários de muitos terrenos não são conhecidos. E por último, era completamente desajustado da realidade estipular que a época de incêndios começa a 1 de julho e terminava a 30 de setembro. Basta ver o número de incêndios que desbastaram grandes manchas florestais fora desse período no ano passado. Por isso, a fase aguda do combate aos incêndios (fase Charlie) será prolongada, o que faz todo o sentido.

Em conclusão, a aplicação prática desta lei é um enorme desafio e uma verdadeira “prova de fogo” para os privados e para os vários níveis da administração do território. Muitos estão à espera que em vésperas do 15 de março seja concedido mais tempo para a realização do trabalho. Se o prazo terminasse agora, a Câmara de Barcelos tinha muito mato, silvas, eucaliptal denso e arvoredo para desbastar em Palme. Ao longo das estradas, praticamente ainda não se vê nada limpo. O perímetro dos 100 metros à volta dos aglomerados ainda não passa de uma miragem. Numa freguesia com uma área florestal (abandonada) tão significativa, o cumprimento escrupuloso da lei implica uma grande reforma e muito trabalho. De uma forma muito aproximada seria preciso limpar uns 70 a 80 hectares à volta das estradas e das casas. É muita superfície para ser limpa em tão pouco tempo. Será que vamos ver a câmara por aí a limpar o que os particulares não fizeram? Está tudo à espera de ver o Costa Gomes com uma roçadora Husqvarna, equipada com faca espessa para a mata, a desbastar os densos matagais de Palme; o Domingos Pereira, de gadanha em punho e de galochas altas, a juntar as moutas de mato arnal com picos capazes de furar a pele de um boi almiscarado; o Mário Constantino à forquilha a carregar o mato e a atirá-lo para cima do atrelado do trator de dois rodados da divisão de jardins da câmara; e os restantes vereadores, de botas de cabedal com sola reforçada e amarrados a ancinhos para se ampararem, a calcarem as moutas e a espanejarem as paredes do trator de mato. Huum…será?

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