terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Cavaco esmaga concorrência em Palme

Nas eleições para a Presidência da República, ocorridas no passado dia 23 de Janeiro, não sucedeu o fenómeno descrito por José Saramago no “Ensaio sobre a Lucidez”, mas a realidade não esteve muito longe da ficção. O ponto de partida da história consiste num acto eleitoral, onde a larga maioria dos cidadãos (mais de 70%) depositou o boletim de voto em branco nas urnas. O voto em branco foi a arma utilizada pela população para castigar os políticos dos vários quadrantes, que eram responsáveis pelo descalabro em que o país se encontrava e pela castração das esperanças do povo. Amedrontados, os políticos e os governantes logo trataram de tomar medidas para restabelecer o normal funcionamento das instituições, vigiando, prendendo e expurgando os elementos considerados responsáveis pela conspiração contra a democracia. O voto branco surge nesta obra como uma manifestação de lucidez da população em relação à classe política dirigente.

O resultado das últimas eleições revela que há alguns paralelismos entre a história de Saramago e a realidade e, nem o momento particularmente difícil que o país atravessa, foi capaz de mobilizar os eleitores. Enquanto na obra do Nobel ganharam os votos brancos, nas eleições de 23 de Janeiro venceu a abstenção, que foi superior ao total de votos obtidos pelo candidato vencedor. Nestas eleições foi mesmo atingido o maior valor absoluto de votos brancos e nulos. É evidente que os votos brancos e a abstenção têm origens e motivações diferentes. Enquanto um voto branco é de descrença nas capacidades e na competência dos candidatos, a abstenção é um sinal de alheamento e de desinteresse por parte do eleitorado em relação à classe política. E quem são os responsáveis por este afastamento? Sem dúvida, os políticos que, ao longo das últimas décadas conduziram o país para o estado em que se encontra, depauperado, cada vez mais dependente do exterior e de futuro nebuloso. Por isso, os valores elevados da abstenção e de votos brancos/nulos podem ser o indício de que cada vez mais portugueses estão a libertar-se da cegueira, conseguindo assim identificar os responsáveis pelo estado a que se chegou, castigando-os com a arma que têm ao seu dispor: a utilização do voto. Contudo, o problema da elevada abstenção não parece preocupar os políticos, como se depreende dos discursos proferidos na noite eleitoral, nomeadamente do vencedor, que incomodado com as questões e críticas legítimas com que foi confrontado durante a campanha (e que ficaram sem resposta), só conseguiu regurgitar rancores para cima daqueles que ousaram enfrentá-lo.

A realidade observada no país acabou por fazer-se sentir também na freguesia de Palme, embora com menor intensidade (provavelmente devido à existência de índices de cegueira mais elevados). Ainda assim, verifica-se que 470 pessoas (que representam 47% dos inscritos) não votaram, ao que se somaram mais 20 votos brancos/nulos. Relativamente à votação nos candidatos, o presidente recandidato esmagou a concorrência, obtendo perto de 76% das preferências. Os restantes candidatos nem metade dos votos angariaram, tendo alcançado valores residuais que oscilaram entre 7,3% de Fernando Nobre, o segundo candidato mais votado, e 1,2% de Francisco Lopes.

Na freguesia de Palme, de fortes tradições conservadoras, a vitória folgada de Cavaco era previsível e, por isso, estes valores não revelam surpresa. Por aqui, o agora reeleito presidente, continua largamente a ser visto como uma figura imaculada e sebastiânica que um dia há-de romper do espesso manto de nevoeiro para salvar o país. Cinco anos já passaram sem que, porém, o salvador se tivesse revelado. Alcácer Quibir, apesar de ficar próximo de Boliqueime, é terra onde não existe delegação física do BPN (quando muito poderá ter um balcão virtual) e onde faltam as comodidades da Casa da Coelha, onde se incluem ligações seguras à Internet, que permitam ao salvador da pátria obter financiamentos e planear a perigosa jornada que inclui a travessia do Mediterrâneo, povoado de adamastores, rumo à terra dos nevoeiros, onde as pessoas vivem ofuscadas numa cegueira branca. Renovado o voto de confiança, renasce a esperança de que o salvador apareça para acudir ao país enfermo. Mas tal como sucedeu no séc. XVI, é provável que o salvador fique refém, não dos mouros como sucedeu a D. Sebastião, mas dos interesses pessoais e partidários em detrimento dos do país. Para mal da nação…

Resultados das eleições presidenciais 2011 - Palme