sábado, 30 de abril de 2016

O maio ou maias e as giestas

Na noite de hoje, manda a tradição que se coloque o “maio”. O maio, como é conhecido aqui por Palme e, de uma forma geral, no Minho, é um enfeite florido à base de giestas amarelas que as pessoas colocam à entrada das casas. Há uma grande diversidade de enfeites, desde o simples ramo florido da giesta, aos ramalhetes compostos com outras flores até às coroas, onde as giestas são entrelaçadas com outras flores da época. Para além das portas, algumas pessoas colocam também o maio nas janelas, nas paredes das casas, nas cortes do gado, nas grelhas dos automóveis, dos tratores, nas motorizadas, etc. Em Palme, esta tradição está muito enraizada e continua muito viva, sendo poucas as casas que não surgem enfeitadas com as giestas amarelas na manhã do primeiro dia de maio. Mas afinal de onde provém esta tradição e o que significa?

A colocação do maio é uma tradição com origem pagã ligada à natureza e ao culto da fertilidade. Em tempos remotos, a explosão de seiva e de flores que ocorre em maio, numa espécie de apogeu da primavera, levou a que os nossos antepassados festejassem efusivamente este novo ciclo da natureza que se iniciava. Durante a Idade Média, há relatos de que as pessoas dançavam e cantavam durante toda a madrugada do dia 1 de maio. Ainda hoje estas tradições estão bem presentes nalgumas regiões do país. Na Estremadura e no Alentejo, as “Maias” são raparigas vestidas de branco com coroas de flores amarelas na cabeça, que se passeiam pelas ruas. No Algarve há locais onde todos os anos é eleita a mais bela maia. Na região de Trás-os-Montes, as maias estão associadas ao consumo de castanhas. Diz a tradição que as pessoas devem guardar castanhas para as comerem neste dia, caso contrário, ao passarem por um burro, serão atacadas por ele. Daí o ditado popular: quem não come castanhas no primeiro de maio, monta-o o burro”. Uma outra tradição de Trás-os-Montes é o “maio-moço”. Neste caso, as raparigas adornam com flores de giesta um rapaz (o “moço”), em torno do qual dançam e cantam. Esta tradição foi imortalizada por Miguel Torga no livro “Contos da Montanha”. Um desses contos intitula-se precisamente “Maio-Moço” e conta a história de um jovem pastor (o Gonçalo), sem eira nem beira, que cometeu a proeza de matar um lobo à paulada. Depois de tamanho feito, a sua vida transfigurou-se na pacata aldeia e, no primeiro de maio, acabou rodeado por um bando de raparigas que “carregadas de flores de giesta, rodearam-no e puseram-se a adorná-lo como um deus. Submisso, deixou-se vestir e coroar por aquelas mãos carinhosas e devotadas do oiro que a imaginação há muito lhe prometia e agora lhe era finalmente entregue. E assim, feliz e festivo, entrou em Dornelo”.

A colocação do maio nas portas e janelas tal como se faz em Palme reveste-se também de motivos supersticiosos. Havia a crença de que as giestas à entrada das casas as defendiam do mau-olhado, das bruxas e dos espíritos maus, personificados nos pobres dos burros, tal como acontecia em Trás-os-Montes. Mas, à semelhança do que sucedeu com outras festas pagãs, a igreja intrometeu-se e procurou dar à tradição um cunho religioso. Primeiro, pela condenação das práticas de culto de pessoas ou objetos que eram transformados em divindades e mais ainda por ser uma tradição com motivações supersticiosas. Durante a Idade Média, surgiram mesmo decretos a proibir as celebrações públicas e os cantares associados às maias por irem manifestamente contra a lei de Deus. A este respeito veja-se, por exemplo, a Carta Régia de 14 de agosto de 1402. Em segundo lugar, o maio foi ligada a uma história religiosa que se tornou popular sobretudo no Minho, onde a igreja sempre foi mais influente. Durante a fuga para o Egipto, o rei Herodes teve conhecimento da aldeia em que a Sagrada Família pernoitaria e tomou a decisão de liquidar todas as crianças que viviam nessa terra, para assim eliminar aquele que, segundo lhe constara, iria ocupar o seu trono. Para evitar novo banho de sangue, um informador seu (uma espécie de Judas II) prontificou-se a identificar a casa onde a família de Jesus estava abrigada, através da colocação de um ramo de giesta na porta. Porém, na manhã em que os soldados partiram em busca do menino Jesus encontraram todas as casas da aldeia com um ramo florido de giesta. Este milagre é obviamente uma lenda, porque tal passagem não é mencionada em nenhum documento bíblico. Mas ficou a história que perdura até hoje.

Apesar das vicissitudes que sofreu ao longo do tempo, a tradição do maio ou das maias sobreviveu até aos nossos dias. Apenas este ano há um problema. Por causa da chuva e do frio tardio que entrou pela primavera dentro, as giesteiras ainda não têm as flores abertas, pelo que arranjar o maio não vai ser tarefa fácil. Em Palme, apenas nos locais mais abrigados se veem os primeiros botões, timidamente e com receio do frio, a abrirem. Mas pode ser que na noite de 30 de abril aconteça novo milagre e que, no dia a seguir, as giestas por esses montes fora estejam floridas como andores. Já não vinham a tempo do maio, mas o acontecimento ia dar que falar...



Giestas por abrir em Palme I

Giestas por abrir em Palme II