segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Frutos do outono: a romã

O outono é uma estação especial pela sua luz, pelas suas cores e pelos seus frutos coloridos. Nos últimos dois anos trouxe aqui dois dignos embaixadores do outono: primeiro as castanhas, que são uma verdadeira delícia e que fizeram parte integrante da dieta alimentar no passado; e depois, os cogumelos que irrompem, misteriosamente, do solo sempre nesta altura do ano. Neste outono, que segue excecionalmente quente, decidi dar continuidade a este tema e proponho agora analisar um dos mais extraordinários frutos que aparecem nesta altura do ano: a romã.

A romãzeira não é uma das árvores mais comuns em Palme nem no Minho em geral, porque prefere climas mais quentes e solos menos ácidos. No entanto, vêem-se por aí alguns belos exemplares de romãzeiras, a adornar os jardins e os quintais da nossa freguesia. A romãzeira é uma pequena árvore de folha caduca, que possui ramagens terminadas em espinhos. Os seus principais atrativos são as grandes e vistosas flores vermelho-alaranjadas que surgem nos finais da primavera, ao que se seguem os frutos em forma de coroa, que têm no seu interior centenas de sementes dispostas em camadas sobrepostas. A parte comestível é o invólucro carnudo vermelho e líquido das sementes, que se assemelha a um grão de milho. A romã não figura entre as frutas mais apreciadas por três razões fundamentais: porque é ácida, é difícil de se comer e…porque não enche barriga. No entanto, a romã foi redescoberta pelas suas propriedades benéficas para a saúde e pode-se até dizer que é um fruto que está na moda, tal como os mirtilos, o goji ou o aloé vera.

O que talvez muitos não saberão é que a romã é um fruto bíblico, cheio de história e de simbolismo. Existem diversos registos históricos a comprovar que a romã era um fruto cultivado e apreciado já na Antiguidade, nomeadamente no Egito e, sobretudo, em Israel. Em diversos livros do antigo testamento surgem referências à romã. As romãs aparecem documentadas nos Livros do Deuteronómio e do Êxodo. Neste último, os judeus ao percorrerem o deserto Egípcio, queixaram-se a Moisés: “porque nos trouxeste para este lugar horrível? Aqui não há sementes, nem figos, nem uvas, nem romãs…”. As romãs figuravam também nas vestes dos sacerdotes judeus da altura e sabe-se também que 200 romãs em bronze decoravam os pilares do templo mandado construir pelo rei Salomão. Mas talvez o facto mais extraordinário é o de as romãs, em média, conterem 613 sementes, o que corresponde ao número de mandamentos da Tora, que é a Lei que regula a religião judaica. Por isso, não é de estranhar que a romã tenha tido e continue a ter tanto simbolismo para os judeus, que ainda hoje as usam em algumas celebrações. Tradicionalmente, as romãs representam sabedoria e conhecimento. Alguns estudiosos, seguindo alguns mitos gregos, acreditam inclusive que o fruto que terá tentado Eva no Jardim do Paraíso foi uma romã e não uma maçã. A romã é também símbolo da fertilidade masculina, conforme está estabelecido nos Cânticos de Salomão (4:13). A este respeito é curioso referir os famosos quadros de Boticelli (a Madona da Romã e a Madona do Magnificat), que pintou o menino Jesus nos braços da mãe, com uma romã aberta e madura na palma da mão. Alguns acreditam que o pintor da Renascença procurou representar a fertilidade da linha de Jesus, o que dá sustento à teoria de Dan Brown expressa no Código da Vinci, de que Jesus terá deixado descendência. Mas obviamente, por um artista o pintar, não o torna verdade.

A simetria e a beleza deste fruto seduzem, então, o homem desde tempos imemoriais. No mundo ocidental, a romã foi recentemente redescoberta pelas suas soberbas qualidades e benefícios que traz à saúde. A romã é uma poderosa fonte de antioxidantes, que ajuda a prevenir os sinais de envelhecimento e a ocorrência de doenças cardiovasculares, uma vez que os antioxidantes concorrem para a diminuição do colesterol e para a eliminação de radicais livres. Este fruto é também uma fonte de vitamina C, que tem um papel importante no reforço do sistema imunológico: Alguns estudos comprovam também que a romã é eficaz na proteção de alguns tipos de cancro, prevenindo o seu aparecimento e ajudando a travar a sua propagação. A romã apresenta também propriedades anti-inflamatórias e ajuda a regular o metabolismo, em particular os níveis de açúcar no sangue. Face a tal panóplia de vantagens, o consumo de romãs tem aumentado e, surgiram naturalmente diversos alimentos à base deste fruto. O sumo de romã e a geleia de romã são provavelmente os mais conhecidos. Multiplicaram-se também as formas de consumir a romã: em saladas polvilhadas com grãos de romã, em sumo simples ou misturado com água ou em cocktail com sumos de outros frutos; para temperar saladas; etc. 

E da mesma forma, desenvolveram-se as técnicas para facilitar o seu consumo. Comer uma romã como quem come uma outra fruta de casca rija ou descartável é uma tarefa que requer tempo e paciência. Porque as sementes estão dispostas em camadas e estão alojadas numa membrana branca, da qual não se despegam facilmente e só saem aos bocados. A forma mais fácil de separar as sementes do invólucro do fruto é a seguinte: corta-se a romã em quatro partes; com uma colher de pau ou algo do género bate-se nas costas de cada um dos gomos cortados; desta forma, as sementes soltam-se facilmente do fruto e podem ser consumidas à colherada. Por agora é tudo, até porque tenho ali uma romã à minha espera! Espero que este post tenho sido útil e que que vos ponha a pensar da próxima vez que saborearem esta obra-prima da natureza.

Romã ainda verde na árvore

Fruto da romã extraído pela técnica descrita no texto


Pormenor do quadro de Boticelli "A Madonna da Romã"