quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Resultados das Legislativas 2015 e os valores da abstenção

No passado dia 4 fomos chamados a votar para eleger os novos deputados da Assembleia da República e o novo Governo. Em Palme praticamente não se viram ações de campanha, não houve propaganda, nem se escutaram as ruidosas caravanas políticas. A eleição decorreu com normalidade e os resultados saldaram-se por mais uma vitória absoluta da coligação PAF. Aliás, no concelho de Barcelos, apenas nas freguesias de Arcozelo e de Cambeses, a coligação não ganhou. Nas restantes, a concorrência foi esmagada pelos dois partidos conservadores que, como é sabido, têm uma grande falange de apoio em todo o norte do país.

Em Palme, a coligação obteve 384 votos, ou seja, 62% da votação. Por outras palavras, a coligação teve mais votos que todos as outras forças juntas. O segundo partido mais votado foi o PS, que registou 150 votos. As restantes forças tiveram votações residuais (59 ao todo). Face aos resultados das Legislativas de 2011, a coligação obteve em Palme menos 66 votos e o PS somou mais 56. Mas foi o Bloco de Esquerda que, percentualmente, mais viu crescer a votação na freguesia, pois mais que duplicou o valor de 2011.

A abstenção em Palme cifrou-se em 36,6%, tendo sido inferior à registada a nível nacional. E era precisamente a este ponto que eu queria chegar. Para falarmos da abstenção, temos que analisar a questão do rigor dos cadernos eleitorais. Vejamos o caso de Palme. Para estas eleições, o caderno eleitoral de Palme continha 973 cidadãos eleitores inscritos. Ora os Censos de 2011 dizem-nos que havia 1073 residentes na freguesia, dos quais 176 tinham menos de 14 anos de idade. As contas são fáceis de fazer. Se subtrairmos os 973 eleitores à população registada em 2011, obtemos 100 pessoas, ou seja, menos do que aquelas que tinham uma idade inferior a 14 anos em 2011.

Mas se pegarmos nos dados das Legislativas de 2011 essa comparação torna-se mais simples porque corresponde ao ano em que foi feito o Censo. Para essa eleição estavam inscritos 989 eleitores. Logo, deveriam existir 89 jovens e crianças na freguesia com menos de 18 anos (1073-989=89). Porém, o Censo diz-nos que existiam 255 pessoas na freguesia com menos de 19 anos de idade. Embora não se saiba quantos tinham exatamente 18 e 19 anos em 2011, pode-se afirmar com alguma segurança que o caderno eleitoral desse ano teria cerca de 150 pessoas a mais inscritas para votar. O que configura um erro grosseiro porque 150 pessoas correspondem a 14% de toda a população residente na freguesia.

Desta forma pode concluir-se que o caderno eleitoral de Palme, tal como deverá suceder nas restantes freguesias do país, é fictício, pois contém mais inscritos do que habitantes votantes. Em parte isso explicar-se-á pelos óbitos que não são removidos das listas atempadamente. A correção destes erros não interessa a muita gente, a começar pelos autarcas, uma vez que o número de mandatos e as próprias transferências baseiam-se no número de eleitores existentes em cada freguesia e em cada município. Portanto, quantos mais eleitores fantasmas existirem nas listas, tanto melhor. Nos meios pequenos, onde toda a gente se conhece, como em Palme, era relativamente simples detetar os erros do caderno eleitoral. Bastaria para tal pegar nas listas e analisar se cada um dos inscritos ainda está entre nós ou não.

Um outro problema, mais difícil de detetar, mas que também exerce uma influência direta na abstenção, é a questão da emigração. Ao longo dos últimos anos, um grande número de portugueses foi trabalhar para o estrangeiro. Em Palme, houve famílias inteiras que emigraram, mas muitas continuam com domicílio registado na freguesia e o nome destas pessoas continua a aparecer no caderno eleitoral. Mas como a maior parte destas pessoas não vêm cá propositadamente votar, estes emigrantes acabam por engrossar as estatísticas da abstenção. Acredito que a emigração tenha sido um dos motivos que mais contribuiu para o aumento da abstenção registado nas últimas eleições, pois foram centenas de milhares de pessoas que deixaram o país ao longo dos últimos anos.

Para além dos mortos e dos emigrantes, há uma terceira razão que também terá concorrido para o aumento da abstenção - o descrédito dos políticos e da política. A este nível os governantes têm-se esforçado afincadamente para afastar as pessoas da política. Mentiras e aldrabices, sacanices impostas ao povo, falsas promessas, ex-governantes presos, outros suspeitos e investigados por crimes de colarinho branco, espoliação de direitos básicos, atropelos de leis e da própria Constituição, precaridade, medo, chantagem e empobrecimento impostos às pessoas e, acima de tudo, a falta de esperança num futuro melhor. À falta de alternativas e à desacreditação na classe dos políticos, as pessoas alheiam-se e afastam-se. Interrogo-me se um dia ainda chegaremos ao cenário descrito por Saramago em “Ensaio sobre a Lucidez”? Nesta história, o escritor fala-nos de uma eleição em que a maior parte dos eleitores depositou o seu voto em branco na urna. Como foi isto possível? questionavam-se os candidatos. “O voto em branco poderia ser apreciado como uma manifestação de lucidez por parte de quem o usou” disse o ministro da justiça no livro de Saramago. Será que não vai acabar por acontecer isso na realidade?

Resultados das Legislativas 2015 em Palme e sua comparação com resultados de 2011