segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Dar o pito, que doçura

Neste primeiro post de 2014 (bom ano a todos!) vamos começar por falar de tradições. É que por muito que digam o contrário, Portugal é um país muito rico em tradições. É verdade que, se algumas delas se perdessem, não vinha grande mal ao mundo. Olhem, como aquela de andarem na noite de S. João a surripiar os trastes de casa das pessoas para os exporem no adro da Igreja, como sucede em Palme. É um duplo vexame para as pessoas. Porque dão mostras de não saberem zelar convenientemente pelos seus bens; e depois porque a recolha dos objetos fica sujeita à devassa pública: a padiola do Manel está escaqueirada como o dono; que vergonha, a filha da Florinda já anda por aí de fio dental (ou será da mãe?!); ó Tone, tu é que ficavas bem com esse jugo ao pescoço! ó ti Zé, a sua bicicleta parece que já andou na guerra de catorze! Para evitar estas desfeitas, há por aí quem fique na noite de 23 para 24 de junho de espingarda aperrada à espera dos salteadores. Uma noite inteira às claras, a apanhar com a orvalhada de junho no lombo, não é para todos. E tudo por causa de uma porcaria de uma tradição! Não se sabe muito bem a sua origem, pois não consta que S. João fosse amigo do alheio, nem Cristo gostaria de ter no seu rebanho uma ovelha tão tinhosa (tanto mais que, de acordo com os estudiosos, João seria o seu apóstolo predileto). Contudo, diz-se que S. João gostava da brincadeira e que esta tradição se inspira no espírito malandreco do apóstolo.

Porém, nesta simbiose do religioso e do profano há tradições deliciosas. Uma das mais genuínas ocorre em Vila Nova, no município de Vila Real. No dia de Santa Luzia (santa que acode em males da vista), que se comemora a 13 de Dezembro, manda a tradição que as mulheres da terra, para contentamento e gáudio dos homens, lhes devem dar o pito. Literalmente. Sejam elas novas ou velhas, bonitas ou feias, formosas ou maljeitosas, ricas ou menos dotadas, estudadas ou pouco letradas, nesse dia todas elas dão o pito aos homens do seu coração. Estes, no meio de tamanha fartura, dão-se até ao luxo de escolher. Como é normal, os mais novos preferem pitos rechonchudos e apertadinhos. Os mais velhos, menos escrupulosos, já se contentam com qualquer pito, não desdenhando mesmo os mais escancarados. Nessas idades qualquer pito é bem-vindo, se bem que um apertadinho…e a água cresce-lhes na boca…

Mas afinal o que é isto de dar o pito? Não suas almas maliciosas e pecaminosas, não é isso que estão a pensar! O pito é um doce de massa de farinha de trigo lêveda, recheado com doce de abóbora, de forma quadrada, sendo depois as pontas da massa enroladas até ao meio (consoante as dobras, uns ficam mais apertados do que outros). No final o doce, pelo qual os homens perdem a cabeça, fica com um aspeto que se assemelha ao…ao dito cujo.

Mas a tradição não se fica por aqui. Os homens da terra, como bons cavalheiros que são, não se fazem rogados e presenteiam também as suas mulheres. No dia de S. Brás (santo a que se recorre em moléstias de tosse), os homens de Vila Nova surpreendem as mulheres da terra com uma valente galha recurvada! As mulheres elogiam-nas como sendo um prazer celestial que apetece sempre repetir. Quanto maiores e mais consistentes forem as galhas, tanto melhor. Ao contrário do que as mentes mais perversas possam pensar, as galhas não são mais que um doce feito à base de açúcar, que reproduz a bengala em que o pobre S. Brás se apoiava.

Isto sim é uma boa tradição que se deve perpetuar e expandir. Ajuda a combater as crises e o stress conjugal, é um antídoto contra a depressão, apela à verticalidade e a sentimentos profundos e promove a prática da culinária e da oração, pois ficam todos a rezar para que os dias de dar o pito e a galha cheguem depressa.

O delicioso pito pelo qual os homens perdem a cabeça


As ganchas que fazem as mulheres suspirar