terça-feira, 31 de julho de 2018

Lixo, contentores e ecopontos

As queixas sobre a recolha do lixo e sobre a localização dos contentores em Palme não são novas. Neste mês de Julho, a Junta divulgou uma mensagem a apelar “ao bom senso na questão dos lixos”, depois das pessoas transformarem o espaço em redor do contentor localizado na Cruz numa espécie de mini lixeira a céu aberto. Como a imagem documenta, o contentor foi atestado com lixo até às goelas, com os sacos amontoados uns em cima dos outros numa espécie de pirâmide de entulho. Por falta de escada no local para as pessoas continuarem a colocar mais sacos em cima dos outros, a solução encontrada foi a de esparramar o lixo das mais diversas origens pelo chão, em torno do contentor. Ora como é fácil de imaginar, nestes sacos há restos de comida que atraem o faro apurado de muitos canídeos e de felinos que andam lazarados com a fome. Os sacos são, por conseguinte, esgaçados pela bicharada atrás daquele chispe mal descarnado ou dos restos de atum que ficaram agarrados às paredes da lata. E o lixo revolvido pelos animais e depois empurrado pelo vento espalha-se por uma área considerável, dando um aspeto degradante e sujo. Na dita mensagem, a Junta aproveitou para dar uma alfinetada dizendo que “a freguesia é o espelho dos seus habitantes” e, numa espécie de manual de boas práticas para quando um contentor estiver cheio, aconselhou as pessoas a: i) deslocarem-se com o lixo a um outro contentor que ainda não esteja cheio; ou ii) a guardarem o lixo em casa até que o lixo que está no contentor seja recolhido pelos serviços municipais. Estes dois conselhos fazem sentido, mas faltou dizer que a separação e reciclagem dos resíduos é porventura a melhor solução para resolver este problema. O mais extraordinário é que praticamente em frente ao contentor em causa existe um ecoponto e, como se pode ver pela imagem, muito do lixo espalhado pelo chão podia estar no ecoponto. O problema dos resíduos sólidos urbanos em Palme resulta, por um lado, do modelo de consumismo da sociedade atual, onde há uma grande quantidade de desperdícios; e por outro da comodidade, da falta de civismo e de bom senso por parte de algumas pessoas.

O melhor exemplo a respeito da quantidade excessiva de resíduos da nossa sociedade atual é ir às compras. Um carrinho de compras de supermercado é uma montanha gigantesca de embalagens, embrulhos, invólucros, sacos, saquetas e de caixas à base essencialmente de plástico e de cartão, mas também de papel de alumínio, de metal, de vidro, de espumas, para além de outros materiais. Uma percentagem significativa do dinheiro que gastamos num supermercado é em lixo (isto já para não falar que a qualidade de alguns produtos é pior que lixo). A explicação é simples: a produção de plástico é barata. Das embalagens usadas, calcula-se que 95% delas se percam após a primeira utilização, o que gera uma grande quantidade de resíduos para o ambiente. Em Portugal e, de acordo com a Pordata, cada pessoa produziu 461 kg de resíduos sólidos urbanos no ano de 2016. Ora se considerarmos que em Palme residem habitualmente cerca de 800 pessoas, verifica-se que a freguesia produzirá à volta de 360 000 kg de resíduos por ano. Visto desta forma, este valor é significativo.

Porém o problema em Palme é agravado por algumas especificidades locais e é aqui que entra o comodismo e a falta de civismo. Um dos problemas mais graves é o das pessoas atirarem tudo para dentro dos contentores: a relva que se aparou no jardim, as pontas das árvores e das sebes que se podaram, sacos cheios de ervas daninhas (junça, trevo…) que estão a infestar o quintal, sobras de trabalhos agrícolas, sacos de batatas em decomposição, tranças de cebolas chochas, rasas de feijão picado do bicho, cadáveres de coelhos atacados pela mixomatose, cabeças, patas, tripas e penas de frangos de aviário, entranhas de animais diversos, bacias de unto e de carne gorda de porco pelo tempo das matanças. Despojos vegetais e animais, mais ou menos às claras e à luz do dia, são lançados sem despudor para o interior dos contentores. Ora isto para além de atravancar os contentores com resíduos que não são sólidos urbanos, cria problemas de saúde pública, como é o caso de atirar animais mortos para os contentores. Será que dá assim tanto trabalho abrir um buraco no quintal para enterrar uma galinha, um coelho ou as vísceras de uma ovelha? Por outro lado, os restos vegetais podem ser deixados a apodrecer num canto do quintal e até dão bons fertilizantes biológicos e podem ser misturados com restos domésticos (compostagem). É evidente que isto exige tempo e trabalho, mas traz benefícios para todos e para o ambiente. Por outro lado, a não separação dos resíduos é incompreensível e só pode ser entendida por manifesto comodismo. Uma garrafa de vidro num ecoponto é 100% reciclável; uma garrafa de vidro no solo ou num aterro nunca mais se decompõe; a reciclagem do papel e do cartão (que é biodegradável) evita o abate de árvores; a reciclagem do plástico permite reduzir a sua deposição no meio natural, onde está a contaminar e a destruir peixes, aves e mamíferos, para além do plástico ser produzido a partir do petróleo (recurso não renovável). A quantidade de plásticos depositada nos oceanos não para de aumentar e 80% do lixo oceânico é plástico. A este ritmo estima-se que, em 2050, haja mais plásticos do que peixes nos oceanos do planeta. 

De regresso à imagem do contentor de Palme, nota-se que uma percentagem elevada dos resíduos dispersos pelo chão podia ter sido colocada no ecoponto, que está mesmo em frente. Mas por comodismo e, talvez, por falta de sensibilização, as pessoas optaram por colocar o lixo em sacos indiferenciados e enviar tudo para o aterro. É curioso que ainda há uns anos a freguesia alvoroçou-se com a ameaça de receber o aterro sanitário do Vale do Lima e do Baixo Cávado e de, assim, ser o destino do lixo de vários concelhos durante 10 anos. Mas quando se trata de enviarmos o nosso lixo para outras freguesias, já ninguém se preocupa ou pensa nisso. Com o mal dos outros, podemos nós bem!

A melhoria da qualidade ambiental e urbana não depende só dos outros e não é um problema que não nos diga respeito. Depende das atitudes e dos comportamentos de todos, a começar por cada um de nós nas nossas casas. Reduzir, reutilizar e reciclar os resíduos e utilizar os contentores indiferenciados de forma parcimoniosa e racional é a melhor forma de garantir um futuro melhor para todos nós.

Imagem de contentor de lixo na Cruz: tantos resíduos que deviam estar no ecoponto.