domingo, 31 de julho de 2016

Gravuras rupestres de Palme

No início deste mês, a Câmara Municipal de Barcelos divulgou a surpreendente notícia de que existe um “santuário rupestre” nos montes de Palme e Aldreu, onde foram já encontradas mais de 30 gravuras rupestres. A designação de “santuário” deve-se ao facto de ter sido identificado um elevado número de gravuras concentradas numa área relativamente pequena, sendo um dos maiores do Norte de Portugal. De acordo com a fonte camarária, a primeira gravura foi encontrada pelo Dr. Tarcísio Maciel  (que tem desenvolvido vasto e meritório trabalho de arqueologia no vale do Neiva), em 2012, no local conhecido por Chãs de Palme. Desde então, os serviços de arqueologia da câmara têm realizado diversas prospeções na área, tendo encontrado um número significativo de gravuras dispersas por uma área compreendida entre o Cresto e o monte de São Gonçalo. As informações disponibilizadas dão conta que as gravuras compreendem vários motivos: covinhas pontilhadas na rocha, figuras geométricas, nomeadamente círculos e quadriculados (ver imagem em baixo), armas de caça usadas na altura, entre outras. As gravuras em causa remontam ao período compreendido entre o Calcolítico até à Idade do Bronze, ou seja, há cerca de 5000 anos.

As gravuras descobertas nos montes de Palme e Aldreu enquadram-se na designada arte rupestre do “Noroeste Atlântico”, que está muito presente na parte ocidental do Norte de Portugal, Galiza, mas que se estende até à Irlanda, ilhas britânicas e Escandinávia. Estas gravuras apresentam várias características comuns. Estão esculpidas sobre amplas rochas graníticas, normalmente no topo, mas também nas faces laterais. Os seus principais motivos gravados são círculos simples e mais frequentemente concêntricos, combinados entre si, quase sempre com covinhas no seu interior, linhas retas e curvas, figuras labirínticas e, em menor grau, armas. Sabe-se que remontam à idade do Bronze porque algumas das gravuras representam armas feitas em bronze, que eram usadas na altura para caçar. Por outro lado, a abundância de estanho no Noroeste de Portugal e Espanha, que entra na composição da liga que forma o bronze, deu origem a uma importante atividade comercial nesta área e justificou a tardia utilização do ferro. Em diversos locais do Noroeste da Galiza e de Portugal são conhecidas diversas gravuras rupestres desta altura, como na Bouça do Colado (Lindoso, Ponte da Barca), Monte de Fortes, Ozão, Serra do Arestal, etc. A esta lista somam-se agora as gravuras de Palme, que estão ainda em fase de levantamento e estudo. Na época da idade do Bronze, as comunidades humanas que viviam nos montes de Palme não eram sedentárias. Estavam temporariamente instaladas, viviam daquilo que a terra dava (recoleção) e da caça. Quando o alimento começava a escassear, mudavam-se para outras zonas. Nas encostas dos montes de Palme, a abundância de água terá sido também um fator importante para que as estas comunidades pré-históricas fossem passando e por aqui deixassem os seus vestígios.

Esta notícia, apesar de inesperada, vem confirmar que esta área foi ocupada por comunidades pré-históricas desde tempos imemoriais. Como já se escreveu neste blogue em 30-10-2012, com o título "História e acontecimento marcantes da freguesia de Palme (I)", na área correspondente à atual freguesia, foram descobertos muitos outros achados pré-históricos, nomeadamente menires e antas ou mamoas. A descoberta das gravuras rupestres só vem engrandecer este património cultural que já de si era valioso. Aos interessados neste tema, convido a uma leitura desse post escrito em outubro de 2012.

No entanto, a descoberta passou algo despercebida na freguesia. Não houve uma comunicação prévia com as autoridades, uma visita aos locais, a população só tomou conhecimento através da Internet e dos jornais. Não havendo informação rigorosa, vai-se comentando que foram descobertos uns sarrabiscos numas pedras lá para o meio do monte… Embora o levantamento ainda não esteja concluído, porque se admite existirem mais gravuras escondidas sob vegetação e sob o musgo, teria sido desejável contactar primeiro as freguesias e as populações locais e só depois divulgar a notícia na comunicação social. Por outro lado, era também importante que as populações fossem sensibilizadas para a necessidade de se protegerem estes valores culturais e de se zelar pela sua preservação. Nomeadamente em Palme onde o monte está muito fracionado e pertence a um grande número de proprietários.

A descoberta deste património, de valor incalculável, poderá ser uma oportunidade para, de uma vez por todas, se defina uma estratégia integrada de ordenamento para toda aquela vasta encosta, que se encontra totalmente abandonada. A comunicação social refere que o município de Barcelos tem já prevista a criação, nos próximos meses, de um percurso arqueológico pelos Montes de Palme e Aldreu, promovendo as principais rochas gravadas. Com efeito, serão poucos os locais de onde se desfrute uma vista tão larga e bela, como do alto daqueles montes. A somar à qualidade paisagística, é uma área com interesse ambiental, natural e cultural. São imensas as potencialidades que um espaço com estas características apresenta ao nível das atividades recreativas ao ar livre, turismo de natureza, birdwatching e agora de turismo cultural, alicerçado nas gravuras e nos restantes elementos patrimoniais ali existentes. Falta apenas definir a estratégia, ou será que o problema é a falta de visão estratégica?

Rocha-tipo no monte de Palme onde surgem gravuras rupestres
(Fonte: CMB, 2016)
 
Gravura rupestre em Palme (figura quadriculada)
(Fonte: CMB, 2016)