domingo, 30 de abril de 2017

Proibição de plantação de eucaliptos

O Governo pretende alterar o regime jurídico aplicável às ações de arborização e de rearborização, nomeadamente para travar a expansão da área de eucalipto, prevendo-se a existência de multas para quem não respeitar estas disposições. Para percebermos este enquadramento legal, é importante refletir-se sobre a representatividade e o impacto do eucalipto na floresta portuguesa.

Atualmente e de acordo com o Instituto de Conservação da Natureza (ICN, 2013), o eucalipto cobre uma área estimada de 812 mil hectares e representa aproximadamente 26% da floresta nacional. A área ocupada por eucalipto tem aumentado de uma forma contínua ao longo das últimas décadas. Por exemplo, entre 1995 e 2010, a área de pinheiro-bravo decresceu 236 mil hectares, enquanto a de eucalipto aumentou 95 mil hectares nesse mesmo período (ICN, 2013). Isto deve-se, por um lado, à fácil propagação do eucalipto em áreas queimadas e, por outro, à intensiva plantação de eucaliptais associada ao valor comercial e ao rápido crescimento desta árvore. O aumento da área de eucaliptal tem resultado num declínio acentuado da riqueza florística e num empobrecimento acelerado da diversidade faunística. Com efeito, os eucaliptais correspondem, regra geral, a áreas muito pobres do ponto de vista da biodiversidade, sendo muito poucas as espécies florestais e herbáceas que podem competir ou sobreviver sob o seu teto e escassos os animais que vivem nestes espaços. Além do mais, os eucaliptos são árvores fortemente exigentes em água, contribuindo não só para secar os solos, como para impedir o crescimento de outras espécies. Foi precisamente por causa desta característica, a capacidade de secar os solos, que o eucalipto foi introduzido em Portugal. O responsável pela introdução foi o francês Jácome Ratón (que vivia no palácio Ratón, que é hoje sede do Tribunal Constitucional) que, em meados do século XVIII, o plantou na zona centro do país com o objetivo de absorver a água em terrenos húmidos. O eucalipto encontrou em Portugal condições climáticas e edáficas muito favoráveis e, em poucos mais de 200 anos, tornou-se na árvore mais comum na floresta portuguesa. Mas nem sempre foi assim. 

Antes da última grande glaciação ou idade do gelo, conhecida por Würm, a área correspondente ao atual Portugal tinha um clima mais quente e húmido. Nestas condições, a floresta que existia por cá era constituída por espécies sempre-verdes ou de folhagem persistente, onde dominava o loureiro, o til e o vinhático. À medida que o clima se foi tornando mais frio, esta vegetação foi devastada e só se encontra hoje na Madeira, Açores e Canárias, onde o clima continua a ser mais ameno. A Laurisilva da Madeira é o melhor exemplo do que resta dessa floresta frondosa que cobria Portugal há cerca de 100 mil anos. Com a glaciação, surgiram espécies diferentes, nomeadamente as pertencentes à família das Fagáceas, como os carvalhos, a faia, o castanheiro e o sobreiro. Estas árvores dominaram o território nacional durante largos milhares de anos e foram um sustento importante para os povos que primitivamente viveram nesta área (a este respeito, veja-se por exemplo o post de outubro de 2014 a respeito do castanheiro e das castanhas). À medida que os povoados humanos cresceram houve a necessidade de aumentar a área agrícola e de pastoreio. Começou então a destruição desta floresta, com cortes e queimadas sucessivas. Mais tarde, os descobrimentos provocaram um significativo desbaste desta floresta. Os barcos e as naus foram inicialmente construídos em madeira de sobreiro e azinheira e, mais tarde, de carvalho. Alguns estudos estimam que durante a fase dos descobrimentos foram abatidos 5 milhões de carvalhos para a construção naval. E com eles perdeu-se uma riquíssima biodiversidade. O desaparecimento do urso em Portugal nesta altura não terá sido alheio a este desbaste florestal. Mais tarde, a construção do caminho-de-ferro, que usava travessas de carvalho, contribuiu para novo saque à floresta. O resultado deste abate insustentável da floresta de carvalhos saldou-se numa desarborização acentuada, sobretudo no norte e centro de Portugal, que expôs estes territórios a uma elevada erosão. A partir essencialmente do século XIX, estas áreas desflorestadas foram progressivamente ocupadas por pinheiro-bravo. Como o pinheiro cresce mais rápido que o carvalho, a área de pinhal cresceu imenso em resultado das políticas dos serviços florestais criados durante o Estado Novo. Paralelamente, foi crescendo a área de eucalipto, o que se acentuou a partir de 1975, data a partir da qual os incêndios começaram a aumentar e a destruir os pinhais instalados. E agora temos vastas áreas monoespecíficas de eucaliptal que, a intervalos regulares, são destruídas pelo fogo.

O que a proposta de lei prevê é a proibição das ações de arborização com eucaliptos, prevendo-se que a rearborização com esta espécie "só é permitida quando a ocupação anterior constitua um povoamento puro ou misto dominante". A legislação do Executivo possibilita ações de arborização com eucaliptos mas desde que, cumulativamente, se cumpram duas condições: se realizem em áreas não agrícolas, de aptidão florestal; e resultem de projetos de compensação, relativos à eliminação de povoamentos de eucalipto de igual área (...) com preparação do terreno que permita uso agrícola, pecuário e florestal com espécies que não o eucalipto. Ou seja, não são permitidas plantações de eucaliptos em solos agrícolas (ou naturais) e para que uma nova plantação de eucalipto surja tem de ser diminuída a respetiva área equivalente (produzir mais em menor superfície). Além disso, a proposta de lei procura ainda simplificar os processos de controlo prévio associados à arborização com espécies que não o eucalipto, reforça o papel dos municípios e introduz a figura do embargo, que permite "pôr cobro a situações de não conformidade legal".

A floresta de Palme é um bom retrato do que se tem passado no país. Ainda há poucas décadas dominada por pinheiro-bravo e ainda com alguns resquícios de carvalhos e sobreiros, os incêndios dos últimos 30 anos transformaram-na num eucaliptal denso e abandonado, que arde ciclicamente e onde nada mais prospera: nem planta nem animal. Esta proposta de lei, a ser aprovada, poderá ter algumas consequências. Como se já não bastasse a selva de eucaliptos que por aí medra, verifica-se que alguns proprietários, movidos pelo lucro rápido, têm feito plantações de eucaliptos não apenas na área florestal, como em solos de uso agrícola. Ora à luz destas disposições, estas plantações são ilegais e os seus proprietários estão sujeitos a multa. E bem na minha opinião. Basta de eucaliptos!

Exemplo de plantação ilegal de eucaliptos em Palme


ICNF, 2013. IFN6 – Áreas dos usos do solo e das espécies florestais de Portugal continental. Resultados preliminares. [pdf], 34 pp, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Lisboa.