sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A festa da Senhora dos Remédios


No passado dia 19 de agosto tivemos em Palme a habitual festa em honra da Sr.ª dos Remédios. Estas festividades são tradicionalmente as maiores da freguesia. Porém há largos anos que a festa se comemora fora do dia. Antigamente a festa realizava-se no princípio de setembro, tal como ainda hoje continua a acontecer em Lamego ou em Arco de Baúlhe, dois dos locais onde se fazem as maiores festividades do país em honra da Sr.ª dos Remédios. Mas como em princípios de setembro os emigrantes já cá não estavam, a freguesia decidiu antecipar a festa para o terceiro domingo de agosto. Imaginem o que seria antecipar o S. João para o 13 de maio…foi mais ou menos isto que a freguesia inventou há umas décadas atrás. Contudo, este problema de comemorar festas fora do dia não é exclusivo de Palme, veja-se o que acontece em Vila Chã com o S. Lourenço!

Para além deste problema com a data que já vem do passado, a festa deste ano ficou marcada por diversas outras vicissitudes. Desde logo, a festa esteve em risco de não se realizar pelo facto da comissão nomeada, ou melhor, da maior parte dos seus membros, se ter descartado das suas responsabilidades. O problema de se arranjar comissões que preparem a festa a tempo e horas e de uma forma séria e competente não é novo nem é exclusivo de Palme. O “Barcelos Popular” noticiava há uns tempos que várias festas em diversas freguesias do concelho não se iriam realizar por as comissões de festas não terem servido. E nem é preciso ir mais longe: veja-se o caso da festa de Santo António que não se realizou este ano em Palme. Mas o ressuscitamento da festa de Santo António em 2014 teve motivações políticas e a política em Palme anda agora pelas ruas da amargura e a festa lá sofreu novo interregno. Falta saber se vai ser por mais 30 anos como aconteceu aquando da última interrupção…Em relação à festa da Sr.ª dos Remédios, este problema já se verificara em 2016, quando a comissão de festas começou a preparar a festa no mês de maio. Nessa altura, o principal problema foram as contas da festa do ano anterior, nomeadamente as suspeitas de que teria havido desvios de dinheiro. Houve na altura grande falatório, altercações e roupa suja lavada em público e, obviamente, as pessoas ficaram de pé-atrás em abrir os cordões à bolsa para futuras festas. Embora tardiamente, a comissão desse ano lá se formou e preparou a festa. 

Este ano o problema residiu no facto da maior parte dos elementos se estarem a marimbar para a festa. E porquê? Em primeiro organizar uma festa é uma carga de trabalhos, de responsabilidades e de despesas. As pessoas têm que abdicar de muito do seu tempo, nomeadamente dos fins-de-semana para peditórios, para contactos, reuniões, deslocações, para estarem no bar, para organizarem eventos, etc. Evidentemente muitos não estão para isso e não querem sair da sua zona de conforto. Em segundo lugar, houve muita gente válida que emigrou ou que trabalha fora e só está cá muito pontualmente. Isto é particularmente válido para os homens pois as comissões em Palme continuam a ser exclusivamente masculinas. Este facto também não se entende. As mulheres não serão capazes de assumir a responsabilidade e não terão competência para organizar uma festa? Na verdade, isto parece ser mais uma daquelas tradições conservadoras de Palme que só desprestigia e secundariza o papel das mulheres. Como antigamente, quando na igreja os homens ficavam à frente e as mulheres atrás; ou como ainda hoje nas procissões, em que os homens vão perfilados à frente e as mulheres vão amontoadas num magote atrás de todo, numa espécie de carro-vassoura da procissão. Em terceiro lugar, a fé já não é o que era. A pouca crença somada ao corre-corre e à trabalheira que dá preparar uma festa durante um ano inteiro obviamente que demove os menos devotos. Em quarto lugar, a crítica e a maledicência que é tão cáustica em Palme afasta muitos das comissões. Há sempre alguém que vem dizer mal, que a festa não prestou para nada, que o fogo foi rasteiro, que as flores dos andores foram colhidas no fundo da agra, que alguém da comissão se governou, etc., etc. Em Palme, as pessoas tanto são criticadas por fazerem, como por não fazerem. Há por aí pessoas que já estiveram em comissões de festas e que juram a pés juntos que nunca mais servem por causa deste espírito crítico e zombeteiro da freguesia. O que é uma pena e uma perda.

As dificuldades de formar uma comissão resultam em grande medida da ação combinada destes quatro fatores. A comissão deste ano, constituída apenas por quatro elementos, começou a trabalhar em cima da hora a pouco mais de um mês da festa. É preciso ter coragem! Com tão pouco tempo para arrecadar receita, o orçamento da festa teria que emagrecer e muito. Cortaram-se algumas mordomias, como a GNR a cavalo que cobra uma fortuna, bem como o forrobodó na sexta à noite. Na prática manteve-se o religioso e sacrificou-se o profano. Agora o que ninguém estava a contar foi com o decreto de Lisboa a proibir o lançamento de fogo-de-artifício por causa do risco extremo de incêndio nesses dias. O resultado foi então o de uma festa muda, sem espetáculo pirotécnico no sábado à noite e sem fogo a marcar o compasso e a chegada da procissão. Um silêncio sepulcral! Está claro que a culpa não foi da comissão, as responsabilidades terão que ser assacadas a quem regula a máquina do tempo, que podia ter mandado condições atmosféricas menos ásperas; ou então aos governantes, que depois das tragédias do ano passado, estão a seguir à risca a máxima “casa roubada, trancas à porta”. Mas percebe-se a decisão e o fogo é realmente perigoso, principalmente quando era lançado com cana. Em festas passadas, houve pessoas atingidas por canas na procissão (talvez não andassem na graça do Senhor); ocorreram incêndios na encosta da capela na sequência dos foguetes lançados; num ano, a estrutura que segurava uma girândola virou-se e os foguetes rebentaram todos no fundo de uma leira, se tivesse virado ao contrário tinham rebentado no meio das pessoas que iam na procissão (aqui pode-se dizer que foi milagre). Mas ninguém se importa e já ninguém se lembra disso! O que o pessoal gosta é de ver os foguetes a traquejar com estrondo e os morteiros a rebentar em penachos de luz. O resto é história! Por isso, no dia da festa, a opinião dominante foi a de que a decisão de proibir o foguetório foi leviana e apressada. Da boca de uma participante assídua das procissões ouvi esta frase curiosa que resume tudo: “isto nem parecia a procissão da festa, parecia um velório”!!

Imagem da Senhora dos Remédios de Palme durante a procissão