domingo, 31 de dezembro de 2017

Tesouros escondidos

Palme é uma terra onde ainda se podem encontrar belos recantos naturais, paisagens quase imaculadas, onde se podem fruir uns bons momentos de paz e sossego. Há poucos mas ainda há alguns destes locais. Pena é (e por outro lado ainda bem) que a natureza esteja tão inexplorada e seja tão pouco conhecida, mesmo por parte daqueles que sempre moraram na freguesia. E ainda bem porque, como é sabido, a pressão e a procura podem pôr em risco o equilíbrio destes locais, com o consequente risco de estes tesouros se perderem para sempre. Mas já se vão fazendo algumas atividades. Umas mais amigas do ambiente do que outras. Ainda no sábado passado tivemos uma prova de motocross que, verdade seja dita, só deve trazer alguns benefícios para os cafés da freguesia, que faturam bem em Martini e cerveja. Porque do resto estamos conversados. Uma barulheira infernal que dura o dia todo, os caminhos, que já estão maus, ainda ficam piores, repletos de sulcos e todos escarafunchados, lama projetada para muros e paredes de casas, perturbação do meio ambiente. Tudo a troco de queimar borracha e dar gás. Obviamente, a prática não é nada sustentável, é agressiva para o ambiente e para as pessoas (que até correm o risco de serem colhidas pelos motoqueiros alucinados) e é de gosto duvidável. Mas aceita-se claro está. Nada que se compare a uma caminhada ou a um passeio de bicicleta. Foi precisamente na sequência de um destes passeios que surgiu a inspiração para o post deste mês.
No fundo da agra (devia-se dizer arga, mas pronto), no limite entre Palme e Aldreu, podem ser encontrados alguns dos locais acima descritos. Paisagens verdes, mancha florestal com pinheiros e carvalhos, ribeiros bordejados por amieiros e salgueiros, corvos, garças e guarda-rios entre outras aves, tudo tão idílico que até agradaria ao Rousseau. Mas eis senão quando, no meio de uma mata relativamente aparada, surge inesperada e insolitamente um montão de garrafas. Várias dezenas de garrafas foram ali despejadas, umas estilhaçadas, muitas ainda intactas. Pela forma como estão empilhadas, adivinha-se que foram para ali transportadas num reboque e basculadas diretamente na mata. E, pasme-se, muitas das garrafas estão cheias e arrolhadas, tendo no interior vinho tinto (verde? morangueiro?). Correm por aí várias teorias para explicar o estranho caso das garrafas abandonadas no monte:
1ª) O vinho foi deitado fora porque está martelado e o vitivinicultor não o conseguiu impingir aos seus fregueses. É uma mistela pior que o Paizinho ou o Bago Cheio. Para não ter que estar a despejar garrafa a garrafa, o vitivinicultor carregou tudo para o trator e largou as garrafas no monte.
 
2ª) O vinho foi deitado fora por razões de saúde. Na casa do vitivinicultor havia bebedeira, barulhos e porrada todos os dias. A mulher, aproveitando a ida do marido ao médico por causa do fígado inchado, carregou as garrafas para o reboque e despejou-as num local incógnito.
 
3ª) O vinho foi deitado fora por engano. O vitivinicultor andava a arrumar a adega e, no meio do entulho, deitou fora as garrafas a pensar que eram latas de salsichas vazias. Falta dizer que o vitivinicultor estava embriagado e quando deu pela falta das garrafas achou que foi roubado.
 
4ª) O vinho foi deitado fora por vingança. O vitivinicultor andava às turras com um vizinho por causa de um silvedo à volta da casa. O vitivinicultor não limpou o terreno, o vizinho chamou a GNR, o vitivinicultor levou uma pranchada e, por retaliação, fez da bouça do vizinho um aterro.
 
5ª) O vinho está num processo de envelhecimento ao ar livre. O vitivinicultor, por falta de espaço na adega, decidiu deixar o vinho a envelhecer na mata para adquiri um final de boca a pinheiro bravo, urzes e gilbardeira (o famoso vinho com ”piquinho”).
6ª) As garrafas amontoadas são uma ratoeira. O vitivinicultor é um psicopata foragido da Casa Amarela e está camuflado no meio da bouça, à espera que surja a primeira presa apreciadora do néctar. Logo que amarre numa garrafa, a presa será abatida sem dó nem piedade pelo vitivinicultor.
É evidente que muitas destas teorias não colhem e algumas delas são até mirabolantes!...Mas agora a sério, como é possível alguém ser capaz de despejar no meio da floresta dezenas e dezenas de garrafas? O que têm estas pessoas na cabeça? Para que servem os vidrões que estão espalhadas pelas freguesias? E as pessoas não sabem que o vidro não se degrada e nunca mais desaparece? E que o vidro representa um perigo? E que uma garrafa velha reciclada dá origem a uma nova garrafa? E que estes mentecaptos estão sujeitos a levarem uma coima? Não se consegue perceber.
Portanto fica aqui o desafio: há garrafas de vinho à borla no fundo da agra, quem estiver interessado pode passar por lá para as recolher. Se se confirmar a teoria 1 e o vinho for uma zurrapa, não faz mal, ao recolher as garrafas está a limpar a floresta. Caso contrário, o problema poderá ser resolvido de forma institucional. As Juntas ou as associações de Palme ou de Aldreu podem promover uma iniciativa para ir ao local, recolher as garrafas e deitá-las no vidrão. Seria uma obra de misericórdia natural e uma bofetada de luva branca a quem ali as deitou. Um bom ano a todos!
 
 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Os incêndios de 2017

Pelas piores razões, o grande tema de debate público deste ano foram os incêndios florestais. O ano de 2017 entrará para a história como o mais fatídico desde que há registos, nomeadamente no que toca ao número de vítimas mortais. Mais do que o desastre ambiental e económico que os incêndios de 2017 provocaram, os avultadíssimos prejuízos materiais e acima de tudo, o elevadíssimo número de mortos, exigem que nada fique como dantes. Na praça pública, os debates sobre as causas dos incêndios foram acesas, criticaram-se as políticas deste e dos governos anteriores, a ineficiência da proteção civil, a falta de meios técnicos e humanos, o desordenamento florestal, as falhas dos meios de comunicação, os interesses que gravitam em torno do setor florestal, o desajustamento dos meios em períodos considerados não críticos. Raramente se falou do abandono e do despovoamento do mundo rural que é, porventura, a principal causa do sucedido. No post deste mês proponho então uma análise aos incêndios de 2017 em Portugal, fazendo uma retrospetiva deste flagelo ao longo das últimas décadas e focando em dois dos concelhos mais flagelados pelo fogo: Pedrógão e Oliveira do Hospital.

Portugal é um pequeno país a nível europeu. Apesar disso, mais de metade da área ardida na União Europeia ao longo deste ano ficou a dever-se aos incêndios ocorridos em Portugal. De 1 de janeiro a 31 de outubro de 2017, o balanço dos incêndios em Portugal saldou-se por um total de 16.981 ocorrências e por uma área ardida de 442.418 hectares, que é um recorde em Portugal. Só no dia 15 de outubro arderam 120.000 hectares. Trata-se de um recorde Europeu de área consumida pelo fogo em 24 horas. A nível mundial, há contudo registos ainda piores em termos de extensão queimada. Por exemplo, em 1987 num incêndio ocorrido entre a Rússia e a China arderam mais de 7 milhões de hectares de floresta; no Canadá, em 2004, um incêndio queimou cerca de 5 milhões de hectares; na Austrália, em 1939, um incêndio que deflagrou no Estado de Vitória foi responsável por cerca de 2 Milhões de hectares ardidos. Mas estes recordes mundiais não têm comparação com o sucedido em Portugal em 2017, por terem ocorrido em épocas diferentes e por serem referentes a países de dimensões continentais e a áreas pouco povoadas. O que só demonstra a extrema gravidade do sucedido em Portugal.

Os incêndios em Portugal são um fenómeno que se agravou a partir da década de 1970. Mas há diversos registos mais antigos de incêndios graves. Por exemplo, o Pinhal de Leiria, que foi quase totalmente destruído no dia 15 de outubro, foi fustigado por um grave incêndio em 1824 no qual arderam cerca de 5.000 hectares. Idêntica área foi consumida por alguns fogos graves que ocorreram na década de 1960, nomeadamente em Viana do Castelo (1962), Boticas (1964) e Sintra (1966). Este último está particularmente bem documentado por ter causado a morte a 25 militares envolvidos no combate. Porém e até à década de 1970, os incêndios não eram vistos como um problema para a floresta. Mas foi a partir deste período que o número de incêndios e a área ardida começaram a aumentar progressivamente. Este aumento ficou a dever-se a várias causas, nomeadamente à política de florestação do Estado Novo que arborizou mais de 287.000 hectares de baldios e áreas desflorestadas, mas sobretudo devido a alterações socioeconómicas e demográficas da população e às migrações. A saída das pessoas do campo para a cidade, a emigração e a diminuição da população a trabalhar no setor agroflorestal acentuou-se a partir da década de 1960 e determinou um lento mas progressivo abandono do campo. Consequentemente assistiu-se à diminuição do pastoreio, do corte dos matos para a cama do gado, da utilização da lenha como combustível doméstico e ao abandono das terras aráveis. Para tal analisemos dois dos concelhos mais fustigados pelos incêndios em 2017: Pedrógão e Oliveira do Hospital. De 1960 para 2011, a população de Oliveira do Hospital diminuiu 26%, enquanto Pedrógão perdeu mais de metade da população (-110%). Por outro lado, a população destes concelhos está muito envelhecida. Em 2011, 76% dos residentes de Oliveira do Hospital tinham mais de 65 anos de idade, enquanto em Pedrógão essa percentagem subia para 80%. Como pode a população com estas idades tratar da floresta? Há cinco décadas atrás, a população tinha uma estrutura etária muito mais jovem. Relativamente à atividade profissional dos residentes nestes dois concelhos em 2011, a maior parte das pessoas trabalhava nos serviços, sendo que apenas 3% dos residentes em Oliveira do Hospital e 6% dos de Pedrógão trabalhavam no setor agroflorestal. Em 1960, a realidade era completamente diferente, pois a maioria da população vivia e sobrevivia com o que a terra dava. O abandono do mundo rural, o envelhecimento e a incapacidade dos que lá ficaram para cuidar da floresta e dos campos levam ao crescimento da vegetação e à acumulação de muita biomassa, potenciando a ocorrência de incêndios. A conjugação de fatores atmosféricos favoráveis, nomeadamente das condições 30-30-30 (mais de 30ºC temperatura, menos de 30% de humidade relativa e vento com mais de 30 km/h) pode então despoletar a ocorrência de violentos incêndios. Foi o que aconteceu em Junho em Pedrógão e no dia 15 de outubro, quando o furacão Ofélia passou ao largo de Portugal, trazendo temperaturas elevadas e vento forte, que somados à baixíssima humidade no solo, originou a catástrofe. Em vez de um mar de chuva, o furacão originou um mar de chamas.

O gráfico seguinte (Figura 1) representa a evolução do número de incêndios e da área ardida em Portugal entre 1944 e 1979. O gráfico indica claramente que ambos os fenómenos aumentaram bastante a partir da década de 1970.

Figura 1: Número de fogos e área ardida entre 1943 e 1979 em Portugal
Fonte: Natário, 1997; Lourenço et al., 2012.

A tendência de agravamento dos incêndios acentuou-se ao longo da década de 1980, quando ocorrem os primeiros incêndios a destruir mais de 10.000 hectares. São disso exemplo, os fogos de Vila de Rei e Ferreira do Zêzere (1986) e de Arganil, Pampilhosa da Serra e Oliveira do Hospital (1987). É também a partir desta década que a Autoridade Florestal Nacional passa a divulgar anualmente estatísticas sobre o número de incêndios (Figura 2) e da área ardida (Figura 3), o que nos dá uma estimativa rigorosa da evolução deste flagelo florestal.

Figura 2: Número de fogos em Portugal entre 1980 e 31 outubro de 2017
Fonte: Instituo de Conservação da Natureza e das Florestas.


Figura 3: Área ardida em Portugal entre 1980 e 31 outubro de 2017
Fonte: Instituo de Conservação da Natureza e das Florestas.

Como se pode constatar, o número de fogos subiu progressivamente entre 1980 (2.349) e 2005 (35.824 fogos), o que significa que o número de ocorrências subiu mais de 15 vezes nesse período. Ao longo da última década, esse número baixou para um mínimo de 7.067 ocorrências em 2014, para subir nos dois últimos anos para quase 17.000. Só nos dias 14 e 15 de outubro registaram-se cerca de 22% das ocorrências registadas durante todo o ano de 1980! Em relação à área ardida entre 1980 e 2017 verifica-se também uma tendência de progressivo aumento, tendo sido particularmente grave nos anos de 2003 (426.000 hectares queimados), 2005 (339.000 hectares) e, claro, em 2017 (442.418 hectares até ao dia 31 de outubro). A área ardida em 2017 foi superior à consumida nos primeiros cinco anos da década de 1980! No entanto, importa referir que mais de 80% dos incêndios registados correspondem a pequenos fogos ( menos de 100 hectares) e que apenas 0,5% das ocorrências correspondem a grandes incêndios ( mais de 100 hectares), sendo esta pequena percentagem responsável por consumir cerca de 75% da floresta destruída ao longo dos últimos 15 anos.

Os incêndios de 2017 foram também os mais mortíferos de que há memória em Portugal (115 mortos). Para esta trágica contabilidade em muito contribuíram o incêndio de Pedrógão de 15 de junho (65 mortos) e os incêndios de 15 de outubro (45 mortos). Pelo mundo também há estatísticas negras: no verão de 2007 na Grécia, os incêndios mataram 77 pessoas; na Rússia, no verão de 2010 pereceram cerca de 60 pessoas. As estatísticas sobre fatalidades humanas relacionadas com o fogo indicam, infelizmente, que estas são comuns em Portugal, embora nunca com a dimensão trágica de 2017 (Figura 4). Para além dos já referidos 25 mortos no incêndio de Sintra em 1966, em Armamar, em 1985 morreram 14 bombeiros apanhados pelas chamas e, no ano seguinte, em Águeda, o fogo provocou 16 mortos. No período entre 2000 e 2017 registou-se a perda de um total de 189 vidas humanas, sendo que mais de 100 foram registadas este ano. Uma tragédia inenarrável que, espera-se, leve à implementação de medidas que mitiguem este problema, que tende a agudizar-se com as alterações climáticas.

Figura 4: Número de vítimas mortais dos fogos em Portugal entre 1980 e 31 outubro de 2017

Fonte: Relatório da Comissão Técnica Independente sobre o Incêndio de Pedrógão, 2017.

Contudo, o exemplo que nós temos na nossa freguesia de Palme é preocupante. A maior parte da floresta de Palme ardeu no grande incêndio de agosto de 2016. Passado mais de um ano, o que foi feito para evitar que a situação se repita? A resposta é: NADA? O monte de Palme parece um alfobre denso e mal amanhado de eucaliptos, já com três ou mais metros de altura. Onde havia um pé de eucalipto, agora há três ou quatro. Em muitos casos, os proprietários nem sequer retiraram os eucaliptos secos que arderam, pelo que agora as árvores secas estão de pé ao lado dos rebentos novos (Figuras 5 e 6). Não houve qualquer tentativa de ordenar, de mondar, de disciplinar esta praga que na Austrália é conhecida pela árvore do fogo. Intervenções nos acessos ao monte também não houve, muito menos em corta-fogos, em pontos de abastecimento de água. Muitos caminhos estão intransitáveis, só a pé é que se consegue passar e com dificuldade (Figura 7).Assim, tudo se conjuga para que daqui por mais algum tempo (2 ou 3 anos se tanto) a selva de eucaliptos de Palme seja de novo pasto para as chamas. Se por infelicidade o próximo fogo vier com condições adversas como as registadas em 15 de outubro, não estamos a salvo de que também aqui haja casas devastadas pelo fogo e vítimas mortais. A zona mais crítica é Paranhos, Granja e Aldeia de Cima. Há que ter fé em S.Pedro, para não nos mandar verões muito severos, porque quanto ao resto estamos conversados…


             Figura 5: Aspeto atual do eucaliptal de Palme após o incêndio de agosto 2016


   
 Figura 6: Aspeto atual do eucaliptal de Palme após o incêndio de agosto 2016

    
Figura 7: Caminho de acesso florestal totalmente intransitável


Bibliografia
Leite, F., Gonçalves, A., Lourenço, L. (2014). “Grandes incêndios florestais na década de 60 do século XX em Portugal Continental”. Revista Territorium, 21, 189-195.
Natário, R. (1997). “Tratamento dos dados dos incêndios florestais em Portugal”. Revista Florestal, Vol. X, 1, 12-18.
Lourenço, L., Gonçalves, A., Vieira, A., Nunes, A., Leite, F. (2012). “Forest fires in Portugal”. In Gonçalves, A. & Vieira, A. (Eds.), Portugal Economic Political and Social Issues, Nova Science Publishers, New York, pp.97-111.
INE (Instituto Nacional de Estatística), Recenseamento Geral da População de 2011, INE, Lisboa.
INE (Instituto Nacional de Estatística), Recenseamento Geral da População de 1960, INE, Lisboa.
Relatório da Comissão Técnica Independente sobre o Incêndio de Pedrógão, 2017.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Resultados das Autárquicas 2017

No passado dia 1 de outubro tivemos as eleições autárquicas. Vamos então analisar os resultados, considerando primeiro a eleição para a Câmara Municipal de Barcelos e depois para a Junta de Freguesia de Palme.

Relativamente à Câmara, os três principais candidatos averbaram uma significativa derrota. Senão vejamos. O presidente Costa Gomes, que foi reeleito para o seu último mandato, perdeu a maioria absoluta que detinha no executivo camarário e agora para governar vai ter que celebrar acordos com os partidos da oposição. Resta saber com quem? No cômputo geral e em comparação com a eleição de 2013, Costa Gomes, o candidato oficial do PS, teve menos 2626 votos. Foi uma perda volumosa, em parte justificada pelo arrastar de problemas por resolver, como o das águas, mas sobretudo devido à guerra interna aberta em maio de 2016, com a concelhia do PS e com o seu líder, Domingos Pereira. Como prémio de consolação, Costa Gomes conseguiu manter-se à frente da Câmara, mas sai bastante debilitado da eleição. O candidato supostamente independente do BTF (Barcelos Terra de Futuro) foi outro dos perdedores da noite eleitoral. A principal motivação da candidatura de Domingos Pereira não era, certamente, conquistar a edilidade barcelense. Até porque em mais de metade das freguesias do concelho, o antigo presidente da concelhia do PS não conseguiu formar lista. O seu objetivo principal era, sem dúvida, evitar que o candidato oficial do PS ganhasse, numa atitude revanchista para com a decisão da Comissão Política Nacional do partido. Mas apesar das bases do partido estarem com o candidato independente, a maioria dos eleitores não se reviu no divisionismo criado por Domingos Pereira. Como prémio de consolação, o candidato independente pode regozijar-se de ter contribuído para retirar a maioria absoluta a Costa Gomes e de ter conquistado algumas Juntas importantes, como a de Abade de Neiva. A questão que se coloca neste momento é a de saber o que vai Domingos Pereira fazer com os milhares de votos e com os dois vereadores que elegeu: esfumar-se como aconteceu com o MIB de Manuel Marinho há quatro anos? Ou reforçar este movimento para assaltar o poder daqui a quatro anos? Também é curioso seguir os próximos passos do PS Barcelos, que ainda está povoado por pessoas próximas de Domingos Pereira: irão reaproximar-se de Costa Gomes, ou continuar num clima de guerra aberta com o presidente? Um dos grandes derrotados da noite foi Mário Constantino, o candidato da coligação PSD/CDS. Perante uma fratura exposta no PS, que se auto-dinamitou ao longo de ano e meio, o candidato do PSD/CDS cometeu a proeza de não conseguir ganhar as eleições. Pior do que isso, ainda conseguiu baixar a votação face a 2013 num concelho que, diga-se, é maioritariamente conservador. Basta para tal ver o desfecho das eleições europeias de 2014, das legislativas de 2015 e das presidenciais de 2016. O PSD e o candidato tinham tudo para ganhar, a baliza estava aberta e sem guarda-redes, mas o remate saiu ao lado. O PSD Barcelos ainda não se recompôs da terrível noite eleitoral de 2009 e, desde então, continua em cacos. Só um partido totalmente desorientado e desgovernando é que se envolveria na tragicomédia que foi a escolha do candidato à presidência da Câmara, que acabou por ser uma terceira ou quarta opção. A concelhia do partido continua em cacos e prevê-se que mais cabeças vão rolar na guilhotina laranja de Barcelos.

Relativamente aos resultados para a Junta de Palme, no último post que publiquei precisamente no dia de reflexão, deixei em aberto a possibilidade de haver uma grande surpresa, com um dos candidatos a esmagar a concorrência. Apesar de não ser esse o cenário mais previsível, pois antevia-se um “mano-a-mano” entre os candidatos do BTF e do PS, a presidente em exercício alcançou uma vitória muito expressiva, tendo ficado mais de 22 pontos percentuais à frente do cabeça de lista do BTF. Nunca nenhuma lista do PS teve em Palme uma votação tão forte e também nunca o PS ganhou a votação em Palme para a Câmara e para a Assembleia Municipal. E nunca uma lista da coligação do PSD/CDS teve uma votação tão residual. Como se explica então este resultado? É simples. Os 407 votos alcançados pela lista do PS deveram-se a uma transferência massiva de votos do PSD para a lista da presidente da Junta. Por um lado, porque a maior parte das pessoas não levou a sério a lista do PSD/CDS, que só apareceu para dizer presente, para ir jogo, para evitar a primeira falta de comparência do partido a uma eleição para a freguesia desde que há autárquicas. Mas olhando para o resultado, fica a dúvida se a estratégia escolhida foi a mais acertada…E porque votaram os eleitores laranjas na lista do PS e não no BTF? Esta questão já não é tão simples de responder, tanto mais que o cabeça de lista do movimento independente é uma figura popular e bem-vista na terra. Em primeiro, é sabido que as pessoas não gostam de divisionismos, de separações e, com razão ou não, ficou a perceção de que quem forçou o divórcio e a fratura da lista de 2013 em duas foi o BTF. Em segundo lugar, a candidata da lista do PS soube tirar partido do suposto abandono em que foi deixada pelos seus pares nos últimos tempos. Para a opinião pública, a candidata apareceu como alguém que não abandonou o leme, mostrando tenacidade e resistência no posto, honrando o compromisso assumido até ao fim. E em terceiro lugar, o livro publicado em vésperas das eleições sobre a obra feita ao longo dos últimos quatro anos, com descrições muito detalhadas sobre como foi gasto o dinheiro pela Junta anterior, deverá ter convencido muitos indecisos. Com 241 votos, o BTF alcançou, apesar de tudo, um bom resultado. O registo ficou muito acima do alcançado pelo MIB (93 votos) e ficou próximo da votação do PSD/CDS (280 votos) de há quatro anos. Porventura, os seus promotores esperariam mais, almejariam a vitória, pois a campanha correra de feição e a caravana fora bem recebida. Mas ao contrário de outras freguesias onde o BTF surpreendeu com a vitória, o eleitorado de Palme é tradicionalmente avesso à mudança. As coisas só mudaram em 2013 porque o presidente da altura atingiu o limite de mandatos e se tinha chegado a uma situação limite: ou se resgatava a freguesia do marasmo em que estava mergulhada ou se deixava repousá-la definitivamente no fundo do poço em que estava. E também em 2013 aqueles que tinham abandonado e reapareceram foram penalizados pelos eleitores. Portanto, a história não é nova…


A campanha e as eleições já lá vão, a nova Junta entretanto já tomou posse, mas as feridas causadas pela contenda vão demorar tempo a sarar, se é que alguma vez vão cicatrizar, não sendo de excluir novo duelo eleitoral daqui por quatro anos. Entretanto, é tempo de trabalhar: os vencedores no cumprimento do exigente e extenso compromisso eleitoral; os vencidos fazendo uma oposição séria, construtiva e responsável. É assim a democracia. E como disse W. Churchill, o homem ainda não foi capaz de inventar um melhor sistema de governação que este.



Resultados das autárquicas 2017 para a Assembleia de Freguesia de Palme


Resultados das autárquicas 2017 para as Assembleias de Freguesia do concelho de Barcelos





sábado, 30 de setembro de 2017

Palme Autárquicas 2017: 1 X 2

Muito antes da febre das Raspadinhas, do vício do Placard e da excentricidade do Euromilhões, o jogo por excelência era o Totobola, porque conciliava a paixão do futebol com a possibilidade de obter prémios monetários. Para orientar os jogadores havia inclusivamente um programa de televisão a meio da semana, o Vamos Jogar no Totobola. Era um programa de curta duração mas de elevado interesse que discorria sobre um assunto, fosse ele de natureza cultural, histórica, económica, etc. No final do programa, era apresentada uma chave dos resultados prováveis para a jornada seguinte. Nos jogos mais equilibrados, o programa aconselhava o recurso às apostas múltiplas, ou seja, à utilização de duplas e triplas. Com a tripla acerta-se sempre no resultado, já com a dupla o resultado mais improvável poderá sempre acontecer e deitar tudo a perder.

Vem esta historinha do Totobola a propósito do desfecho das eleições autárquicas 2017. Em Palme, a corrida à Junta está renhida, como o comprova a campanha eleitoral que foi ainda mais acesa do que há quatro anos. Aparentemente, a eleição será disputada entre a atual presidente da Junta que concorre pelo PS e a lista independente MIBTF. Da luta que opõe elementos que estavam juntos há quatro anos, desconhece-se o desfecho, pelo se recomenda a utilização de uma dupla. Ao longo da campanha, o braço de ferro entre as duas listas foi duro, mas ninguém vacilou. Se uma lista apresentava uma lona publicitária com 5 metros, a outra encomendava uma de 7 metros; se num determinado local surgia um cartaz, logo à beira aparecia o concorrente; se uma lista dava camisolas, lápis e canetas, logo a outra acrescentava à lista de brindes lenços, blocos de notas e estojos com lápis de cor; se uma lista fazia 80 decibéis de ruído, a outra colocava o som do altifalante no máximo e atingia os 100 decibéis; e assim por diante. Houve algumas escaramuças, com snipers de cada uma das listas a mandar umas bojardas, sem que tenham causado muita mossa. Acusações de deslealdades e abandono na Junta cessante, suspeitas de que foram oferecidos víveres em troca de votos (já em 2009 se disse que o PSD distribuiu carne de novilho por algumas casas na noite antes da eleição), de que as pessoas prometem fazer uma política de proximidade quando estão a milhares de km ou de que foram feitas obras e intervenções no final para caçar votos. Verdade seja dita, nas últimas semanas houve um significativo corrupio de pequenas intervenções. Por exemplo foram colocadas placas nos fontanários a informar da potabilidade das águas e houve uma grande intervenção ao nível da sinalética, com a colocação de um significativo número de sinais novos. São tantos que até custa a acreditar como foram colocados em tão pouco tempo! Infelizmente esta estratégia de empurrar as obras para cima das eleições já tem barbas e basta dar uma volta pelas terras vizinhas para se verificar que há um fervilhar anormal de obras. Ao contrário destas duas listas, a coligação “Mais Barcelos” esteve muito apática: foi a última a entrar em cena, colocou três ou quatro cartazes pequenos, distribuiu uns panfletos, organizou uma mini-caravana que deu meia dúzia de apitadelas e de afoutos, e pouco mais. Só no último dia de campanha deu um ar da sua graça. Falta saber se foi por estratégia deliberada, para recolher dividendos com o espalhafato divisionista dos outros, ou se foi por manifesta incapacidade e inércia da equipa. Ou ainda se simplesmente não estiveram para se chatear! 

Olhemos agora para as propostas. A lista independente MIBTF aposta tudo na política de maior proximidade às pessoas e apresentou (ineditamente) imagens dos projetos que pretende realizar: a ampliação da escola velha, a construção do edifício de serviços no campo de futebol, da rotunda na balança e dos caminhos que serão prioritariamente beneficiados. A imagem dos projetos (reais ou não) sugerem que estão amadurecidos e que já estão planeados e que não são meras ideias ou promessas vãs. Será mesmo assim? A lista do PS apresenta uma extensa lista de objetivos, que vão desde a pavimentação do caminho de Bustelo até à colocação de um piso sintético no campo. Mas haverá dinheiro e será um mandato de quatro anos suficiente para cumprir tanta promessa? De realçar também o livro distribuído pela candidata dando conta de todas as obras feitas e respetivas despesas. Pena este extenso documento não ter sido publicado faseadamente, pelo menos anualmente. No manifesto da coligação Mais Barcelos falam-se de necessidades reais (criação de uma Associação Florestal), prometem-se viagens de avião a quem nunca andou (serão só de ida?) mas também se dão autênticos tiros nos pés. Como é possível a cabeça de lista da coligação falar da necessidade de se ultrapassar a inatividade dos últimos quatro anos, quando ela pertenceu a uma Junta que, essa sim, contam-se pelos dedos de uma mão o que fez! É pena na política andarem pessoas com memória tão curta e com tanta falta de verticalidade. São atitudes destas que descredibilizam por completo a política e as pessoas.

Hoje é o dia de reflexão, dentro de algumas horas saberemos qual o desfecho da eleição. O eleitorado do PSD que, como todos sabem, é maioritário em Palme será decisivo no desfecho da eleição. Irá este eleitorado votar massivamente na coligação “Mais Barcelos”? É improvável, porque para além da candidata não ser consensual, o eleitorado não se esquece que há quatro anos ela liderou uma lista independente que impediu a vitória do PSD. Portanto, a candidata da coligação está fora de combate. Excluindo os caninamente fieis e os que votam de cruz, para que lado vão pender os votos deste eleitorado: para o PS ou para o MIBTF? Qual dos cabeças de lista atrairá mais simpatias deste eleitorado? Em todo o caso e mesmo havendo dúvida quanto ao futuro(a) presidente, é também improvável a existência de uma maioria na Assembleia. O que, considerando as posições extremadas entre o PS e o MIBTF, poderá dificultar a formação da Junta, pois os nomes propostos para vogais pelo novo(a) presidente poderão ser repetidamente chumbados. Se tal acontecer, será necessário recorrer a negociações e a alianças pós-eleitorais, em função da distribuição dos sete lugares da Assembleia de Freguesia pelas três listas. Em tal cenário, deve imperar o bom senso e a noção de que os interesses da freguesia estão sempre acima de objetivos e motivações individuais. Porque se assim não for, nem com uma tripla se conseguirá prever como sair de tal impasse. Ou será que vamos ter uma grande surpresa na noite eleitoral, com um dos candidatos a esmagar a concorrência e a obter a maioria absoluta? Logo se verá.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Autárquicas 2017: o amor está no ar

É público e oficial. Nas autárquicas do próximo dia 1 de outubro haverá três listas à Assembleia de Freguesia de Palme. A atual presidente da Junta recandidata-se ao cargo pelo PS; a coligação “Mais Barcelos” que agrega o PSD/CDS conseguiu in extremis formar uma lista; e a principal novidade consiste no surgimento de uma lista independente associada ao movimento “Barcelos Terra de Futuro”, liderada pelo dissidente do PS Barcelos, Dr. Domingos Pereira. A história repete-se, pois as semelhanças com o que ocorreu nas eleições de 2013 em Palme são muitas. Também nessa altura, a lista que estava na Junta dividiu-se, dando origem a uma candidatura oficial pela coligação PSD/CDS “Somos Barcelos” e a uma candidatura supostamente independente pelo MIB, apoiada pelo antigo presidente e encabeçada pela ex-secretária da Junta. O desfecho é conhecido: a divisão provocou uma repartição dos eleitores, o MIB roubou umas dezenas de votos à coligação, abrindo caminho à vitória minoritária (e inesperada) do PS em Palme. A única diferença é que nas eleições deste ano, a presidente não está em final de mandato e recandidata-se pela mesma força partidária. Mas o risco da história se repetir é grande, pois é sabido que o eleitorado de Palme é alaranjado e, apesar de neste tipo de eleições contarem mais as pessoas que os partidos, há sempre muitos que votam de cruz. O que acalenta as esperanças da lista “Mais Barcelos” regressar ao poder. Mas olhemos com mais detalhe para as listas candidatas.

A lista do PS oficial está desfalcada de alguns dos elementos principais de há quatro anos. Alguns decidiram integrar a lista independente “Palme Terra de Futuro” enquanto outros se afastaram por não concordarem com a divisão. Apesar de isso enfraquecer a lista, houve um esforço de renovação dos apoiantes, que aparecem em maior número e provenientes de quadrantes mais diversos, incluindo da área do PSD. Foi uma estratégia inteligente da cabeça de lista que assim procura remediar um problema com a apresentação de uma extensa lista de membros, alguns dos quais improváveis, que poderão ir buscar votos à direita. Tem ainda a seu favor a obra feita, o facto de ser a presidente em exercício (só em 1993 um presidente recandidato não ganhou em Palme), de concorrer pelo mesmo partido que a elegeu há quatro anos e ainda por ter sido “abandonada” pelos seus colegas da Junta, sobretudo nesta reta final do mandato. A falta de companhia dos seus pares na procissão da Senhora dos Remédios, por exemplo, foi muito notada e criticada. A desfavor e para além da concorrência direta do movimento independente que lhe vai roubar votos à esquerda (e à direita), há a salientar a juventude, a inexperiência e a falta de peso de alguns dos elementos da lista.

A lista da coligação “Mais Barcelos” (entenda-se do PSD) em condições normais e, considerando a divisão à esquerda, teria tudo para ganhar. Mas a vitória talvez não seja assim tão fácil e evidente. Inesperadamente, os pesos pesados e prováveis cabeças de lista pela coligação, por razões várias, não quiseram avançar. Nem os elementos da atual Assembleia quiseram concorrer, nem outros possíveis candidatos de renome, que tornariam a eleição num mero plebiscito, decidiram concorrer. Foi preciso o presidente da concelhia do PSD arregaçar as mangas e andar a bater pelas portas para conseguir ter uma lista pela coligação em Palme. O principal ponto a favor desta candidatura é o eleitorado ser predominantemente conservador o que lhe garante à partida um número considerável de votos. E que lhe dá algumas hipóteses de vitória. No entanto, a candidatura apresenta diversas fragilidades também. A cabeça de lista, que não é uma figura consensual, liderou a lista do MIB de há quatro anos. Para além da “troca de camisola” que não é muito bem vista, muitos PSD’s não lhe perdoam os votos que ela roubou ao partido e que impediu a vitória da coligação “Somos Barcelos” nas últimas eleições. E por retaliação é provável que votem nas listas concorrentes ou simplesmente em branco. A própria candidata tem contra si o facto de não ter assumido o cargo de membro da Assembleia de Freguesia pelo MIB, dando a entender que está disponível para umas funções (presidência da Junta), mas não para outras. E por fim tem também o problema de encabeçar uma lista órfã das principais figuras do partido de Palme, onde pontifica muita juventude e falta de pessoas com peso político.

A lista independente “Palme Terra de Futuro” é a lista dissidente da equipa que levou ao poder a atual Junta. Há por aí quem lhe chame a lista “PS 2”, pois tal como a lista do MIB de há quatro anos não tinha nada de independente, também esta não o é. E as pessoas sabem isso. Os motivos oficiais da fratura prendem-se com a amizade e com a necessidade de apoiar a candidatura do Dr. Domingos Pereira à Câmara Municipal de Barcelos. Oficiosamente fala-se de um relacionamento difícil e por vezes conflituoso, de diferentes pontos de vista entre elementos desta lista e da Junta (alguns dos quais estão em ambas). E de algum revanchismo. Daí a rutura e a divisão. Esta lista independente tem a seu favor o facto de ter sido a primeira a organizar-se e a surgir publicamente com os cartazes, com os flyers e nas redes sociais. Mas o seu principal argumento será porventura a boa imagem e a popularidade do cabeça de lista, que é visto como um benemérito que ajudou a financiar diversas obras na freguesia, que tem apoiado diversas famílias, associações e o clube da terra. Mas será isso suficiente para ganhar as eleições? A desfavor surge o facto de ter sido um dos impulsionadores da fratura da lista da atual Junta, o que leva algumas pessoas a falar de um “golpe” para derrubar a presidente. Depois há a “troca de camisola”, pois não só o cabeça de lista como diversos outros elementos estão a candidatar-se por uma força diferente da de há quatro anos; e a grande juventude da lista, monopolizada em algumas famílias, o que não permitirá ir buscar votos a setores diversos. O que esta lista será capaz de fazer é uma das grandes incógnitas desta eleição.

Um dos factos mais curiosos desta pré-campanha que já está no terreno são as mensagens e os slogans das candidaturas. Esperava-se um clima de crispação, de bate-boca aguerrido, de confrontação entre as várias forças. Nada disso. As mensagens estão a usar e a abusar do “amor”, da “paixão” e da “felicidade”. É o momento Flower Power de Palme. Que bonito! O slogan da candidatura do PS “Juntos por Palme de Alma e Coração” apela a isso mesmo, a um misto de amor platónico e carnal que todos aqueles que estão na lista nutrem pela freguesia. A mensagem do candidato independente está pejada de sentimentalismo por Palme e pelos nossos conterrâneos e usa expressões como: “nossa querida terra”, “só serei feliz se viver rodeado de pessoas felizes”, “rumo à felicidade e ao amor por todos”, “sentimento de afeto que tenho recebido por parte de muitas pessoas”, etc. Espera-se que estas mensagens de amor, ternura e carinho possam imbuir a candidatura da coligação “Mais Barcelos” que, neste espírito, poderia adotar slogans como “Mais Amor para Palme” ou “Amamos Mais Palme”…Que tal, hem? Ficam as sugestões. Se a campanha seguir nesta linha de Peace and Love, a discussão num eventual debate a três poderá ser qualquer coisa assim:
- Ó senhor candidato, todos nós sabemos que você ama Palme, mas eu estou completamente apaixonada, eu dava a minha vida por esta terra. O meu coração bate aceleradamente por Palme e ao longo destes quatro anos tudo o que fiz foi por amor a Palme!
-Ó senhora doutora, antes de você nascer já eu amava esta terra e esta gente. E não há maior prova de amor do que ter vindo para cá morar, foi coup de foudre! Se não amasse tanto esta terra não teria enterrado aqui tanto dinheiro do meu bolso…
- Desculpem senhores candidatos, mas eu sou a que mais amor tenho por esta terra. Estes últimos quatro anos de separação encheram-me de saudade e de sofrimento. Por isso regresso por uma coligação diferente em nome do meu eterno amor por Palme!

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Trovoadas: mitos e não só

No início deste mês de julho ouvi da boca de um septuagenário de Palme mais ou menos o seguinte:
- “Não me lembro de um ano com tanta trovoada como este! Não tem havido uma semana em que não tenha trovoado. Está mau para o vinho, que fica emborralhado e estraga-se”.

No início do mês, a questão das trovoadas esteve na ordem do dia, muito por causa do fatídico incêndio de Pedrógão, que ceifou mais de meia centena de vidas e que terá sido originado por uma trovoada seca. Desde então, sempre que se reuniram condições favoráveis à ocorrência de trovoadas, as pessoas temem a formação de incêndios devastadores. Mas isto não é inédito. Por exemplo, no verão de 2005, ano também ele de má memória para a floresta nacional, houve uma série de graves incêndios na região centro (na Chamusca) causados por trovoada seca, que originou vários focos de incêndio ao mesmo tempo. Para além dos incêndios, as trovoadas sempre causaram fobias, receios e temor. Ainda hoje há muita gente que tem fobia às trovoadas (astrofobia). 

À falta de explicações científicas, na Antiguidade acreditava-se que a trovoada era uma manifestação do desagrado dos deuses em relação aos atos praticados pelo homem. A fúria divina, com grandes estrondos, descarregava raios do céu que fulminavam os homens e incendiavam a terra. Para os gregos antigos, os raios eram lanças feitas por gigantes de um só olho e arremessadas por Zeus, o reio dos deuses. Na mitologia romana, era Júpiter o suspeito de descarregar sobre os homens essas lanças fulminantes de luz. Para os povos nórdicos, Thor era o deus dos trovões e dos raios. O som do trovão era provocado pelo movimento das rodas de sua carruagem e os raios podiam ser vistos quando Thor atirava o seu martelo. Inspirada na mitologia clássica, a Igreja foi também passando a crença de que a trovoada era Deus a ralhar e a castigar os homens pelos seus pecados. Lembro-me bem das pessoas mais idosas dizerem isso e até da catequista nos atemorizar com essa ideia. Para livrar as pessoas desse perigo e para afastar as trovoadas surgiram rezas específicas, como a oração a Santa Bárbara, protetora dos raios, tempestades e das tormentas em geral. Devido à falta de fé, há até um ditote popular que diz que as pessoas só se lembram da Santa Bárbara quando ouvem trovejar, ou seja, quando estão apertadas. Mas há outras tradições religiosas. Uma delas diz que as pinhas que se colocam junto à lareira na noite da consoada (para abrirem e se comerem os pinhões), são uma ótima proteção contra as trovoadas. Para tal basta acendê-las nos dias da trovoada, o seu fumo vai fazer afastar e dissipar a tempestade...Havia também umas pulseirinhas metálicas que protegiam as pessoas das trovoadas (e do reumático e da ciática), mas quando a esmola é grande, o santo desconfia, e as pessoas deixaram de acreditar nos poderes miraculosos destas braceletes, que caíram em desuso. Também não deixa de ser caricato que as torres das igrejas estejam protegidas por pára-raios. Há quem diga que isso é a prova de que os próprios crentes não têm confiança em Deus…ou será que os raios que tombam sobre as igrejas são um castigo divino pelo vasto rol de pecados cometidos pela Igreja ao longo dos tempos? Depois há crenças e saberes populares associados ao fenómeno das trovoadas, algumas com fundamento, outras nem tanto. Por exemplo, “Maio que não der trovoada, não dá coisa estimada”, numa clara alusão às frequentes trovoadas que ocorrem naquele mês.  Ou então “Trovoada da terra para o mar, toma os bois e vai lavrar”. Uma outra crença muito difundida é a de que a trovoada mata os embriões dos ovos no choco. Aqui parece haver algum fundamento científico relacionado com a eletricidade estática, que mata os embriões das aves. Por isso, algumas pessoas colocam pequenos pedaços de metal nos ninhos das galinhas para absorverem essa eletricidade e precaver a morte dos pintos.

Em termos científicos, uma trovoada consiste basicamente numa descarga elétrica. Em condições de grande instabilidade atmosférica, que resultam na formação de nuvens de grande desenvolvimento vertical (os cumulonimbos, que são nuvens que parecem autênticas montanhas, que podem atingir 15km de altura), as gotas de água são desintegradas: as menores, mais leves, são arrastadas por o topo da nuvem, onde inclusive podem gelar, originando granizo; as gotas maiores e mais pesadas ficam na base da nuvem. Ao mesmo tempo, as cargas elétricas positivas e negativas separam-se também: as cargas positivas sobem para o topo da nuvem; e as negativas ficam na sua base. Quando essa separação se desfaz devido à instabilidade, o resultado é um relâmpago, que corresponde à libertação de energia devida à diferença de carga entre as partículas. O raio é constituído por eletrões que viajam através do ar devido ao forte campo magnético que resulta da diferença entre a grande voltagem da nuvem e do solo. Crê-se que a energia libertada por um raio daria para alimentar as necessidades elétricas de uma cidade média durante uma noite inteira. Mas ainda não há uma forma efetiva de acumular essa energia.

O relâmpago pode ser inteiramente dentro da nuvem e outras vezes dirigido da nuvem à terra. O relâmpago propaga-se ao longo de um ou mais canais forquilhados ou em forma de raiz. Ao passar através do ar, o relâmpago dá origem a um grande calor. Em média, a temperatura de um raio é cinco vezes superior à da superfície do sol. Ou seja, pode atingir 25000ºC ou mais ainda! A expansão e a contração súbita do ar resultantes do relâmpago originam o trovão, que corresponde ao som gerado por essa passagem do raio. O som de partes diferentes do relâmpago não é escutado todo ao mesmo tempo e isto com os ecos (que resultam da orografia da superfície), cria o ribombar típico da trovoada. Como o som viaja a cerca de 300 metros por segundo, é possível determinar a que distância o raio caiu: basta para tal multiplicar os segundos decorridos entre o relâmpago e o estrondo do trovão. Os relâmpagos são atraídos por pontas agudas e metálicas. Foi o Benjamim Franklin que, no século XVIII, constatou isso mesmo quando levantou um papagaio-de-papel com pregos durante uma trovoada e constatou a ocorrência de faíscas numa chave que tinha amarrada ao cordel. Teve sorte, se a descarga fosse mais forte, teria morrido. Por isso, os edifícios mais altos, assim como as torres das igrejas, são protegidos por pára-raios, que conduzem as descargas elétricas em segurança até ao solo. As árvores altas e isoladas também atraem os raios, pelo que é perigoso as pessoas abrigarem-se debaixo delas durante uma tempestade. No entanto, há também a crença antiga de que algumas árvores e as suas folhas não atraem as trovoadas, como o loureiro. Por isso, os romanos usavam folhas de loureiro na cabeça. Assim estavam protegidos dos raios...

Atualmente há sistemas avançados de deteção das trovoadas e sites que disponibilizam informação sobre a intensidade das descargas e o local onde os raios caíram. Por exemplo, o IPMA disponibiliza informação sobre as descargas elétricas ocorridas em todo o território nacional para um período de até 24 horas. Foi através da informação disponibilizada por este sistema do IPMA que fiquei a saber que na manhã do dia 6 de julho (a tal semana em que falei com o septuagenário de Palme), dois raios caíram sobre Palme com uma intensidade forte: um na zona de Vilar e outro abaixo do Outeiro. Desde então, as trovoadas têm dado algumas tréguas. Mas as nuvens negras da tempestade pairam no firmamento político de Palme e prevêem-se muitos raios (e coriscos?), trovões e saraivadas para os próximos dois meses, agora que a pré-campanha eleitoral já anda aí e os candidatos e as listas se perfilam. Tal como nas aventuras de Asterix, não vão faltar por aí pessoas com receio que o céu lhes caia em cima da cabeça...valha-nos Santa Bárbara e as pinhas da consoada...

Local da queda de um raio na manhã de 6 de julho (Outeiro)
Fonte: IPMA.


Local da queda de um raio na manhã de 6 de julho (Vilar)
Fonte: IPMA.



sexta-feira, 30 de junho de 2017

Pré-campanha autárquicas 2017 Barcelos

A pré-campanha para as autárquicas de 2017 já está aí! Faltam três meses para as eleições e as rotundas, praças e recantos das estradas nacionais foram tomadas de assalto com cartazes e outdoors a anunciar, em letras garrafais, os candidatos à Câmara Municipal de Barcelos. 

Os primeiros cartazes a aparecer foram os do candidato Domingos Pereira. Depois de uma longa e fratricida luta com Costa Gomes e de o partido lhe ter retirado o tapete, o antigo vice-presidente decidiu avançar como candidato independente. O curioso é que em 2009 e em 2013, Costa Gomes avançou como candidato independente, embora com o apoio do PS e só mais recentemente se filiou no partido. Domingos Pereira, que era presidente da Comissão Política Concelhia e integrou a lista de deputados do PS à Assembleia da República, foi agora preterido pelo partido e teve que avançar como independente. Apesar de muito curiosas, estas gincanas políticas são pouco dignificantes. Mas isso é outro assunto. Esclarecido o apoio do partido ao atual presidente, Domingos Pereira pôs a máquina no terreno, foi o primeiro a anunciar a sua candidatura à Câmara, a apresentar a lista de membros da lista e a espalhar os cartazes gigantes pelo concelho. E a disponibilizar o Website da candidatura. Lá diz o povo, candeia que vai à frente alumia duas vezes! Sobre um fundo azul-acinzentado, para talvez não se confundir com o azul do CDS, Domingos Pereira aparece informalmente descontraído e sem gravata (para agradar ao eleitorado de esquerda?), a esboçar (forçar?) um sorriso para os eleitores. O slogan escolhido pelo candidato, “Barcelos, Terra de Futuro”, remete para o progresso, para o desenvolvimento, para a concretização futura dos sonhos dos Barcelenses, presumindo-se com Domingos Pereira ao leme do município. De forma espiralada, estilizada e desmesurada, as iniciais do candidato (dp)  surgem à esquerda do cartaz, pintadas a vermelho e branco (terá motivações futebolísticas?). Sob o fundo azulado, a espiral das iniciais é reproduzida em formato XL como que a definir o caminho para a terra de futuro. Fazem lembrar os braços em espiral que rodeiam os buracos negros, que se suspeitam conduzir a novos, mas desconhecidos universos...

O segundo candidato a entrar em campo foi o da coligação PSD/CDS-PP. Depois de há quatro anos esta mesma coligação ter adotado o epíteto “Somos Barcelos”, à qual estiveram para ser interpostos processos judiciais, por se assumir como única força representativa dos Barcelences, este ano a coligação escolheu o slogan “Mais Barcelos”. É sem dúvida um título feliz e mais sonante, que apela a que seja feito “Mais” pela terra e pelas suas gentes. À semelhança do cartaz de Domingos Pereira, o candidato surge à direita do cartaz, a olhar diretamente para os transeuntes. O candidato aparece vestido de fato e gravata azul como convém a um candidato conservador, mas parece excessivamente maquilhado de Photoshop. Não obstante e apesar de ser bi-licenciado (em educação física e direito), a expressão e os óculos de massa dão ao candidato um indesmentível ar de contabilista ou de solicitador, sem desprimor para a classe nem para o próprio obviamente. Apesar de tentar esboçar um sorriso, o candidato apresenta um ar algo fatigado, cansado, como o de quem está a fazer um frete. Propositadamente ou não, o cor laranja do PSD foi completamente banida do cartaz. O mesmo já não se pode dizer das cores centristas, pois a cor do lettering é azul, a condizer com o fato e com a gravata. Estará o candidato refém do CDS ou a piscar o olho aos setores mais à direita do eleitorado? O fundo do cartaz é totalmente branco como que a evocar pureza, virgindade de alguém que ainda não esteve na presidência, embora o candidato já tenha desempenhado as funções de vice-presidente no consolado de Fernando Reis. No cartaz não há qualquer slogan e todo o destaque vai para “Constantino”, que aparece em letras garrafais e preenchido a cheio. Aqui talvez haja a tentativa de uma dupla utilização de “Mais Barcelos” como nome da coligação e slogan. Por último, o coração do galo de Barcelos aparece por cima do nome da coligação, mas não tem qualquer ligação com o cartaz, parece um apêndice ou algo que caiu ali completamente de paraquedas...

O presidente ainda em funções, talvez por ser a figura mais conhecida, foi o último a entrar em cena. O que tem alguns custos, pois alguns dos locais com melhor visibilidade já estavam ocupados pelos outros dois candidatos. Em parte isso explica a polémica que surgiu por causa dos cartazes, pois Costa Gomes veio acusar a candidatura de Mário Constantino de ter indevidamente colocado os seus cartazes em estruturas metálicas da Câmara Municipal, ameaçando removê-los. Nos cartazes e no material de campanha da recandidatura de Costa Gomes, uma das principais reviravoltas é o slogan. Há quatro anos, o já então presidente optou pela versão “Defender Barcelos”, que foi replicada e readaptada nas diversas freguesias. Nessa altura, a candidatura continuava a apostar numa postura defensiva, pretendendo dizer que as políticas do passado não defenderam os interesses de Barcelos, numa clara alusão ao malogrado contrato das águas. Agora a candidatura arrepiou caminho e adotou o caloroso “Paixão por Barcelos”. É um slogan que apela aos sentidos, que mostra que a equipa está ligada de corpo e alma e de forma intensa a Barcelos. Porém e apesar de arrebatadoras, as paixões são por vezes passageiras, um pouco à semelhança do que sucede numa erupção vulcânica que explode com toda a sua violência durante alguns dias ou semanas para logo depois se remeter a um prolongado adormecimento. Obviamente não sabemos que tipo de paixão está aqui em causa, mas para Costa Gomes, caso vença, esta não será muito duradoura, pois é a sua terceira e última recandidatura. No cartaz, as cores dominantes são o branco, o vermelho e o azul. Apesar de ser candidato pelo PS (e o punho cerrado está lá bem visível), o cor-de-rosa está ausente do cartaz (será por ser uma tonalidade pouco viril para um candidato que se preze?). O candidato surge à esquerda do cartaz, a olhar de frente, de postura séria, como compete a um presidente recandidato e experiente. O vermelho, cor quente e intensa, utilizado no cartaz, no lettering e na gravata do candidato reforça a mensagem de paixão que se procura passar. O coração que alimenta essa paixão está inteligentemente integrado no slogan, correspondendo à pinta do "I" da paixão. Mas talvez seja demasiado pequeno para alimentar uma paixão assim tão desmedida pelo concelho.

Um destes três candidatos será inevitavelmente o próximo presidente da Câmara Municipal de Barcelos e os outros dois, por mais ou menos tempo, serão vereadores sem pelouro. Resta saber quem será o vencedor? O atual presidente, que se viu envolvido em algumas polémicas, que ainda não cumpriu algumas das suas promessas mais marcantes, que foi quase totalmente abandonado pelo seu anterior elenco executivo, tendo governado a câmara apenas com uma vereadora ao longo dos últimos dois anos? Domingos Pereira, que se envolveu numa luta fratricida com Costa Gomes, ao qual retirou a confiança política, com o objetivo de ser ele o candidato do PS, mas que se viu obrigado a surgir como independente por falta de apoio da Comissão Política Nacional e que goza do apoio das bases do partido? Ou Mário Constantino, a terceira ou quarta escolha do PSD, que surgiu de uma dura e tortuosa discussão concelhia e distrital, que aparentemente está a correr por fora, mas poderá beneficiar da fratura de Gomes e Pereira? As eleições do dia 1 o dirão, mas a pré-campanha e todo o seu folclore já estão aí, para dar a conhecer os candidatos, as suas ideias... ou a falta delas.

Cartaz do candidato Domingos Pereira

Cartaz do candidato Mário Constantino


Cartaz do candidato Costa Gomes

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Os 3 F's num só dia

Portugal é conhecido pelos três F's: Fado, Fátima e Futebol. No fim de semana de 12 e 13 de maio houve a combinação quase perfeita do epíteto. Senão  vejamos.

Primeiro tivemos a visita do papa Francisco no centenário das aparições de Fátima. A comunicação social deu grande destaque ao evento desde a partida do papa de Itália, à sua entrada no espaço aéreo português escoltada por caças da força aérea, aterragem, os cumprimentos da praxe das figuras de Estado, deslocação de helicóptero, viagem no papa-móvel,  quebras de protocolo, palavras dirigidas aos fiéis, celebrações litúrgicas, despedidas e partida. Tudo ao vivo e em direto, comentado por vaticanistas e especialistas em religiosidade. Mas ainda o papa e os peregrinos mal tinham saído do recinto, já o centenário das aparições era relegado para segundo plano por causa do futebol. 

Nessa noite, o SLB entrava em campo com o Vitória de Guimarães e, caso vencesse, o clube lisboeta sagrava-se campeão. Assim, mal o papa partiu, o futebol assumiu as rédeas dos noticiários, com diretos do estádio, comentários aos onze prováveis e diretos da praça do Marquês com os festejos do tetra. 

Mas ainda os festejos mal tinham começado, uma nova e inesperada noticia varria o país: Portugal sagrava-se pela primeira vez vencedor do festival da Eurovisão. Apesar do tema dos manos Sobral estar bem cotado, o televoto e o fator vizinhança geravam receios. Mas não, Portugal ganhou em toda a linha, tendo conquistado quer os júris quer os espectadores europeus, com o tema melódico e sentimentalista levado a concurso. E os festejos do futebol foram ampliados pelos adeptos encarnados considerando o benfiquismo do Sobral ou foram o tónico de sportinguistas e portistas para reduzir a vitória do SLB no futebol.  

Assim e em menos de 24 horas os acontecimentos precipitaram-se: o futebol fez esquecer Fátima, e o Festival (mas sem fado) abafou o tetra futebolístico. É caso para dizer, a tradição ainda é o que era em Portugal. Quando voltará a repetir-se semelhante coincidência de F's? Hum, não será fácil...

domingo, 30 de abril de 2017

Proibição de plantação de eucaliptos

O Governo pretende alterar o regime jurídico aplicável às ações de arborização e de rearborização, nomeadamente para travar a expansão da área de eucalipto, prevendo-se a existência de multas para quem não respeitar estas disposições. Para percebermos este enquadramento legal, é importante refletir-se sobre a representatividade e o impacto do eucalipto na floresta portuguesa.

Atualmente e de acordo com o Instituto de Conservação da Natureza (ICN, 2013), o eucalipto cobre uma área estimada de 812 mil hectares e representa aproximadamente 26% da floresta nacional. A área ocupada por eucalipto tem aumentado de uma forma contínua ao longo das últimas décadas. Por exemplo, entre 1995 e 2010, a área de pinheiro-bravo decresceu 236 mil hectares, enquanto a de eucalipto aumentou 95 mil hectares nesse mesmo período (ICN, 2013). Isto deve-se, por um lado, à fácil propagação do eucalipto em áreas queimadas e, por outro, à intensiva plantação de eucaliptais associada ao valor comercial e ao rápido crescimento desta árvore. O aumento da área de eucaliptal tem resultado num declínio acentuado da riqueza florística e num empobrecimento acelerado da diversidade faunística. Com efeito, os eucaliptais correspondem, regra geral, a áreas muito pobres do ponto de vista da biodiversidade, sendo muito poucas as espécies florestais e herbáceas que podem competir ou sobreviver sob o seu teto e escassos os animais que vivem nestes espaços. Além do mais, os eucaliptos são árvores fortemente exigentes em água, contribuindo não só para secar os solos, como para impedir o crescimento de outras espécies. Foi precisamente por causa desta característica, a capacidade de secar os solos, que o eucalipto foi introduzido em Portugal. O responsável pela introdução foi o francês Jácome Ratón (que vivia no palácio Ratón, que é hoje sede do Tribunal Constitucional) que, em meados do século XVIII, o plantou na zona centro do país com o objetivo de absorver a água em terrenos húmidos. O eucalipto encontrou em Portugal condições climáticas e edáficas muito favoráveis e, em poucos mais de 200 anos, tornou-se na árvore mais comum na floresta portuguesa. Mas nem sempre foi assim. 

Antes da última grande glaciação ou idade do gelo, conhecida por Würm, a área correspondente ao atual Portugal tinha um clima mais quente e húmido. Nestas condições, a floresta que existia por cá era constituída por espécies sempre-verdes ou de folhagem persistente, onde dominava o loureiro, o til e o vinhático. À medida que o clima se foi tornando mais frio, esta vegetação foi devastada e só se encontra hoje na Madeira, Açores e Canárias, onde o clima continua a ser mais ameno. A Laurisilva da Madeira é o melhor exemplo do que resta dessa floresta frondosa que cobria Portugal há cerca de 100 mil anos. Com a glaciação, surgiram espécies diferentes, nomeadamente as pertencentes à família das Fagáceas, como os carvalhos, a faia, o castanheiro e o sobreiro. Estas árvores dominaram o território nacional durante largos milhares de anos e foram um sustento importante para os povos que primitivamente viveram nesta área (a este respeito, veja-se por exemplo o post de outubro de 2014 a respeito do castanheiro e das castanhas). À medida que os povoados humanos cresceram houve a necessidade de aumentar a área agrícola e de pastoreio. Começou então a destruição desta floresta, com cortes e queimadas sucessivas. Mais tarde, os descobrimentos provocaram um significativo desbaste desta floresta. Os barcos e as naus foram inicialmente construídos em madeira de sobreiro e azinheira e, mais tarde, de carvalho. Alguns estudos estimam que durante a fase dos descobrimentos foram abatidos 5 milhões de carvalhos para a construção naval. E com eles perdeu-se uma riquíssima biodiversidade. O desaparecimento do urso em Portugal nesta altura não terá sido alheio a este desbaste florestal. Mais tarde, a construção do caminho-de-ferro, que usava travessas de carvalho, contribuiu para novo saque à floresta. O resultado deste abate insustentável da floresta de carvalhos saldou-se numa desarborização acentuada, sobretudo no norte e centro de Portugal, que expôs estes territórios a uma elevada erosão. A partir essencialmente do século XIX, estas áreas desflorestadas foram progressivamente ocupadas por pinheiro-bravo. Como o pinheiro cresce mais rápido que o carvalho, a área de pinhal cresceu imenso em resultado das políticas dos serviços florestais criados durante o Estado Novo. Paralelamente, foi crescendo a área de eucalipto, o que se acentuou a partir de 1975, data a partir da qual os incêndios começaram a aumentar e a destruir os pinhais instalados. E agora temos vastas áreas monoespecíficas de eucaliptal que, a intervalos regulares, são destruídas pelo fogo.

O que a proposta de lei prevê é a proibição das ações de arborização com eucaliptos, prevendo-se que a rearborização com esta espécie "só é permitida quando a ocupação anterior constitua um povoamento puro ou misto dominante". A legislação do Executivo possibilita ações de arborização com eucaliptos mas desde que, cumulativamente, se cumpram duas condições: se realizem em áreas não agrícolas, de aptidão florestal; e resultem de projetos de compensação, relativos à eliminação de povoamentos de eucalipto de igual área (...) com preparação do terreno que permita uso agrícola, pecuário e florestal com espécies que não o eucalipto. Ou seja, não são permitidas plantações de eucaliptos em solos agrícolas (ou naturais) e para que uma nova plantação de eucalipto surja tem de ser diminuída a respetiva área equivalente (produzir mais em menor superfície). Além disso, a proposta de lei procura ainda simplificar os processos de controlo prévio associados à arborização com espécies que não o eucalipto, reforça o papel dos municípios e introduz a figura do embargo, que permite "pôr cobro a situações de não conformidade legal".

A floresta de Palme é um bom retrato do que se tem passado no país. Ainda há poucas décadas dominada por pinheiro-bravo e ainda com alguns resquícios de carvalhos e sobreiros, os incêndios dos últimos 30 anos transformaram-na num eucaliptal denso e abandonado, que arde ciclicamente e onde nada mais prospera: nem planta nem animal. Esta proposta de lei, a ser aprovada, poderá ter algumas consequências. Como se já não bastasse a selva de eucaliptos que por aí medra, verifica-se que alguns proprietários, movidos pelo lucro rápido, têm feito plantações de eucaliptos não apenas na área florestal, como em solos de uso agrícola. Ora à luz destas disposições, estas plantações são ilegais e os seus proprietários estão sujeitos a multa. E bem na minha opinião. Basta de eucaliptos!

Exemplo de plantação ilegal de eucaliptos em Palme


ICNF, 2013. IFN6 – Áreas dos usos do solo e das espécies florestais de Portugal continental. Resultados preliminares. [pdf], 34 pp, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Lisboa. 

sexta-feira, 31 de março de 2017

Fabrico caseiro de queijo

Há tempos expliquei aqui no blogue como transformar maçãs do pomar em sidra caseira. Para o post deste mês proponho um novo assunto didático, que consiste em explicar como produzir queijo a partir de leite fresco. O processo em si é extremamente simples e rápido e qualquer um pode experimentar em casa com sucesso. A ideia nasceu quando depois de ferver uns dois litros de leite de vaca, ter ficado uma quantidade substancial de nata à tona. Daí à ideia de produzir um queijo caseiro foi um passo. Foi preciso fazer um pouco de investigação, comprar uns precisos e à primeira tentativa saiu logo um queijo bem razoável.

O ingrediente principal para produzir o queijo é, obviamente, o leite. Uma das questões que logo causa surpresa é a quantidade de leite necessária para produzir um queijo, porque com um litro de leite não se faz 1 kg de queijo. Nem metade disso, talvez um quarto. A primeira questão que se coloca é: ferver o leite, sim ou não? Para acentuar o sabor e as características organoléticas do queijo, recomenda-se não ferver. Mas há o risco da origem e da sanidade do leite, pois a fervura destrói os microrganismos prejudiciais. Se o leite for de confiança poderá optar-se por não o ferver, como é o caso do leite utilizado nestas experiências, que é de um produtor de Palme que o fornece à Agros, onde há controlos apertados da sua qualidade. Mas se tiver dúvidas, mais vale fervê-lo. Depois disso, espera-se que o leite atinja a temperatura de 35ºC. É recomendável neste processo utilizar um termómetro para evitar que o leite aqueça demasiado. Os 35ºC são importantes porque correspondem à temperatura ideal em que o leite coagula. 

A coagulação é uma etapa muito importante pois é através dela que a proteína do leite é concentrada e a gordura retida. Vou evitar aqui as análises técnicas sobre os processos enzimáticos envolvidos, mas para coagular, é necessário adicionar ao leite um produto coagulante. Existem muitos produtos coagulantes, tanto de origem vegetal, como animal ou até fúngica. Um dos mais utilizados é a flor de cardo (Cynara cardunculos) que, por esse mesmo motivo, é popularmente conhecido por cardo-coalheiro. Procurei-o em ervanárias sem sucesso. Numa delas pediram-me a astronómica quantia de 200 Euros por um kg de flor de cardo. Ora aí está um produto alternativo e rentável às produções agrícolas tradicionais: o cultivo deste cardo. Obviamente recusei e procurei alternativas mais económicas, até que encontrei um coagulante líquido, pronto a utilizar, por a módica quantia de 1,5 Euros. Para 1 L de leite à temperatura de 35ºC, 15 gotas são suficientes. Depois é necessário mexer e ter o cuidado de manter o leite à mesma temperatura. 

Uns 20 minutos depois, milagre, o leite está transformado num bloco pastoso, que mais se assemelha a um pudim branco. A próxima etapa consiste em separar o soro contido no leite coagulado. Para tal transfere-se o leite coagulado para um recipiente em rede ou com furos, que deixe vazar os líquidos. E procede-se, de seguida, ao corte da coalhada em tiras mais ou menos finas. Quanto mais finas, mais depressa o soro se separa da coalhada. O soro é um líquido branco-amarelado que é utilizado no fabrico do requeijão, que muitas vezes é, simplesmente, descartado. A separação do soro do leite demora algum tempo dependendo da quantidade de leite utilizada. Nesta altura pode-se colocar o sal (média de 3g por litro), embora para uma melhor dissolução seja conveniente adicioná-lo diretamente ao leite, antes de se colocar o coalho. O processo de remoção do soro pode ser acelerado, apertando a massa. 

Quando o processo estiver concluído, isto é, quando já não se libertar mais soro, coloca-se a coalhada numa forma furada para retirar o resto do soro. No caso usei um pedaço de tubo plástico perfurado, pelo que os queijos ficam com uma forma cilíndrica. Apenas é necessário apertar bem o coalho na forma, para que a massa fique mais espessa e seca. Depois é só retirar da forma e tomar uma segunda decisão difícil: comer o queijo fresco logo de seguida ou nas próximas horas ou deixá-lo curar, ganhando as propriedades em termos de sabor e de odor que lhe são características? A decisão vai depender do apetite de cada um. O queijo curado tem um sabor mais intenso e acho que vale a pena esperar até que fique pronto. Para ficar curado, o queijo deverá ser colocado num local arejado e fresco, preferencialmente em cima de uma rede ou algo similar, virando-o periodicamente Por vezes, ganham bolores, que podem ser facilmente removidos com um pano humedecido com sal. Ao fim de duas semanas aproximadamente o queijo está pronto para ser consumido.

Como podem ver, o processo é bastante simples, económico, rápido (cerca de uma hora) e divertido. E comer um queijo feito pelas próprias mãos faz toda a diferença. Bom apetite!


Aquecimento do leite

35ºC é a temperatura ideal para a coagulação

Corte da coalhada para retirar o soro

Aspeto do queijo fresco acabado de tirar da forma

Aspeto final do queijo caseiro depois de curado