segunda-feira, 30 de abril de 2018

O dia de páscoa

A Páscoa este ano celebrou-se no dia 1 deste mês de abril. Em Palme, como de costume, a visita pascal efetuou-se nos dias 1 e 2, ou seja, no domingo e na segunda-feira de Páscoa, porque o compasso não consegue (ou não quer) percorrer a freguesia toda num só dia. A Páscoa é uma celebração bem original por um conjunto de motivos. Para o post deste mês propõe-se então uma reflexão sobre a Páscoa.

Como todos sabem, a Páscoa celebra a ressurreição de Cristo. Não vamos aqui discutir as várias teorias a respeito da ressurreição. Talvez isso fique para mais tarde. É ponto assente que a Páscoa é o acontecimento mais importante do calendário católico. Como todos também sabem, a Páscoa não tem um dia fixo e a data para a sua celebração cai no intervalo compreendido entre os dias 22 de março e 25 de abril. Na verdade, a data precisa da Páscoa rege-se por fenómenos astronómicos, nomeadamente pela primeira lua cheia depois do equinócio da primavera. Ou seja, a Páscoa cai no primeiro domingo depois da primeira lua cheia após o equinócio primaveril, que ocorre a 21 de março. Assim, se a lua estiver cheia for logo após o equinócio, a Páscoa celebra-se cedo; porém se a lua tiver sido cheia pouco antes do equinócio, é preciso aguardar um novo ciclo lunar (quase um mês) para que a lua volte a ficar cheia. Nesse caso, a Páscoa celebra-se mais tarde, em meados de abril. Ao contrário do Natal, sobre o qual se desconhece por completo a data em que ocorreu o nascimento de Cristo (a data de 25 de dezembro é meramente evocativa), relativamente à data da Páscoa há mais algumas certezas, pois nos Evangelhos é dito que ela ocorreu pouco depois da Páscoa judaica e que durante a última ceia (na quinta feira-santa, véspera da crucifixão de Cristo) estava lua cheia. É sabido desde tempos remotos que a Páscoa judaica, que comemora o êxodo dos judeus do Egito, se celebra no mês de Nisan, mais precisamente no 14º dia de Nisan, que corresponde aos nossos meses de março/abril. Com o passar do tempo e com o crescimento do cristianismo, a Páscoa cristã acabou por subjugar para segundo plano a Páscoa judaica. Mas não só esta. Antes do cristianismo, no norte e centro da Europa, havia uma festa pagã em homenagem à deusa Eostre, em que se celebrava o culto da fertilidade associado ao início da primavera. Nesta festa pagã havia o costume de oferecer aos amigos e familiares ovos muito coloridos. Os ovos são representativos da fertilidade feminina e este velho costume celta foi apropriado pela igreja e ainda hoje se utiliza pintar ovos (por exemplo, cozendo-os com cascas de cebolas) para decorar as mesas pascais com eles. O coelho, relacionado com a fertilidade, era também um dos símbolos associados a esta festa pagã e também ele foi reconvertido em mascote da Páscoa católica. A própria designação inglesa de Páscoa (Easter) é um termo que deriva diretamente da deusa Eostre. Assim, a Páscoa cristã atingiu simultaneamente dois objetivos: subjugou para segundo plano a Páscoa judaica e acabou com a antiga tradição pagã da deusa Eostre.

Passemos a mais alguns factos curiosos sobre a forma como se comemora a Páscoa atualmente. A sexta feira-santa é, segundo o calendário religioso, feriado ou dia santo de guarda, para além de ser dia de jejum e abstinência. Como é o dia que evoca o sofrimento e morte de Cristo, o feriado justifica-se por ser um dia triste, dedicado à reflexão e oração. Estranhamente, a sexta-feira santa é o único feriado religioso em que as pessoas trabalham como em qualquer outro dia da semana. Quando se compara o desrespeito deste feriado com a solenidade dada aos feriados de 15 de agosto, 1 de novembro ou 8 de dezembro, por exemplo, fica-se sem resposta. Poderão dizer que muitos trabalham à sexta para não trabalhar na segunda. Isso é ainda mais estranho, pois a segunda-feira, para além de não ser feriado, é um dia normal de trabalho em todo o lado. Quem conhecer a realidade do interior ou do sul do país (já para não falar no estrangeiro) sabe que isto é verdade. É evidente que sabe bem ficar em casa na segunda-feira, até podia haver uma terça-feira e uma quarta-feira de Páscoa, mas o fundamento deste dia de folga resume-se a uma tradição meramente minhota.

Um outro aspeto que desfigura completamente as celebrações e o espírito pascal são as missas de aleluia em pleno sábado, tal como sucedeu em Palme. Ainda o sol não se tinha posto e já se anunciava a ressurreição com foguetes. Ou seja, pouco mais de 24H depois de se celebrar a morte de Cristo (definida como tendo sido às 15H da sexta-feira) já se está a anunciar o aleluia. Isto faz algum sentido? As celebrações atuais fazem-se completamente à revelia do que está escrito, ou seja, que a ressurreição ocorreu ao terceiro dia. Podem dizer que o que interessa é a intenção e a devoção, mas não parece de todo que este procedimento seja correto. Era o mesmo que celebrar o feriado de 25 de abril, na véspera ou na ante-véspera. Não faz grande sentido.

Quanto à visita pascal, a tradição lá se vai mantendo. Este ano houve cerca de 70 casas que abriram as suas portas ao compasso. É um número que não é mau, apesar de estar longe do que acontecia há uns anos atrás. Hoje nas mesas repletas do bom e do melhor gastam-se largas centenas de Euros, para além da canseira em preparar e organizar tudo. Por isso muitas pessoas optam por não abrir as casas e aproveitam os feriados prolongados para irem passear. Mas nem sempre foi assim. Os mais velhos referem que antigamente as mesas pascais eram compostas por uma bacia com tremoços e azeitonas, um prato com aqueles doces da feira cobertos de açúcar branco (cavacas) e uma caneca de vinho tinto. E mais nada! E os caminhos estavam todos atapetados de flores pois praticamente todas as casas recebiam o compasso. É caso para dizer, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades!