terça-feira, 9 de julho de 2013

Comédias

O programa de festas de 2013 da Srª dos Remédios sofreu uma alteração de última hora. A representação do Auto de Floripes e dos Doze Pares de França, comédia muito apreciada e que estava prevista, foi substituída pela atuação do duo PP&PPC. A alteração, informa a Comissão de Festas, foi tomada com o objetivo de atrair mais romeiros e curiosos à festa, uma vez que os cabeças de cartaz  deste ano não são muito sonantes. E porque o dueto está na mó de cima, ao contrário do grupo do Auto de Floripes, que anda pelas ruas da amargura, com poucas atuações e com deserções dos seus elementos. Um ponto de ordem à mesa: a encenação do Auto de Floripes pelas gentes da nossa terra ganha aos pontos aos dois bonifrates que aí vêm atuar. Mas já se sabe como é, valoriza-se sempre mais o que vem de fora, ainda que a qualidade seja manifestamente mais dúbia. Um dos episódios mais marcantes ocorreu há dois anos, quando a Comissão de Festas convidou ranchos de fora para virem atuar à festa, deixando de fora o rancho local. O gesto foi entendido como uma desfeita, tendo merecido reprovação generalizada pelas gentes da nossa terra. Este ano, a Comissão convidou o rancho, que vai ter honras de abrir as festividades, mas a alteração feita ao programa à última da hora dá que pensar.

A decisão é, no mínimo insólita e poderá envolver contornos políticos. Se não houver almofada orçamental para lhes pagar o elevado caché, os elementos da comissão que se amanhem, depois que não venham com peditórios retificativos. Diz-se por aí que as rondas feitas pela freguesia foram parcas e os cortejos ficaram muito aquém das receitas esperadas. Ainda se podem ver por aí uns atrelados de faxina que estão à espera de comprador. Já diz o ditado que não de deve dar um passo maior que a perna, mas neste caso a comissão não quer dar um passo grande, mas sim vários Passos.

O duo em causa é muito popular, mas só nas últimas semanas se prestou a espetáculos públicos de stand up, embora muitos achem que seja mais no estilo de tragicomédia. Os dois atores em causa são, nada mais nada menos, do que Paulo Portas e Pedro Passos Coelho. Esses mesmos, o (ex, atual?) ministro dos negócios estrangeiros (ao que parece vai assumir novas pastas) e o próprio primeiro-ministro. Não acredita? Mas olhe que é mesmo verdade. Com a crise instalada e com as tesouradas que sofreram nos vencimentos, andam a fazer pela vida, como outros artistas itinerantes e, aos fins de semana, vai ser vê-los a animar festas e romarias, ao lado do Emanuel, do Marante e do José Malhoa. Sempre ao mais alto nível e com grande capacidade de improviso. O número que representaram ao longo da última semana, na verdade, só está ao alcance dos melhores prestidigitadores.

A crise política dos últimos dias não tem paralelo na história democrática do país, foi a maior palhaçada de que há memória e só não dá para rir, porque todos nós sofremos com as trapaças, as traições, as vaidades e as ambições pessoais destes dois pirangas. O Paulo Portas é a desfaçatez encarnada em pessoa, é o camaleão com mais células cromáticas na pele, é o mais ressabiado e dissimulado político que anda na praça portuguesa. Na oposição, é o maior defensor dos reformados, dos pensionistas minguados, dos agricultores (ou dos lavradores como gosta de proferir num registo saudosista), dos pobres e dos oprimidos. No governo, zás, aprova cortes nos pensionistas e nos apoios sociais, obriga os pequenos agricultores a coletarem-se para que possam auferir uns míseros subsídios, taxa os feirantes, a quem dá palmadinhas nas costas nas campanhas eleitorais, aceita a subida incomportável das rendas dos idosos, que são a sua fonte de preocupações, etc. Mas fazer o contrário do que se promete nas campanhas eleitorais está no ADN dos políticos. Isso aconteceu com Durão, com Sócrates e com o atual primeiro-ministro. Agora, com Paulo Portas estas reviravoltas têm requintes mais subtis. É uma criatura que se move por meras ambições pessoais e partidárias, coloca sempre o seu ego à frente dos demais e do país, é convencido e presunçoso, pois acha que tudo o que faz, faz bem. Então agora, na pasta que tutela (ou tutelava), muitas vezes à revelia do Álvaro, é um autêntico vendedor de banha de cobra, que anda por esse mundo fora a vender as oportunidades de investimento e os recursos existentes em Portugal. Mas na primeira oportunidade, não enjeita criar uma enorme crise política, que leva esses mesmos investidores a baterem as asas para bem longe do país. Ao que parece nem os próprios correligionários do partido respeita, toma as decisões sem dar cavaco a ninguém e foi ver os pobres centristas, espavoridos como baratas tontas, coitados, a ver o poder a fugir por entre os dedos, sem saber o que dizer, nem o que fazer. Agora como não é homem de palavra, nem tem cara lavada, o que era irrevogável, passou a sê-lo, e como o primeiro-ministro, temeroso, lhe acenou com novas e mais importantes funções, Paulo Portas deixou o dito pelo não dito e aceitou manter-se no poleiro, agora numa vara mais alta. Imagina-se já a justificação que vai dar: foi pelo interesse nacional e pelas pressões de vários quadrantes que sofreu para voltar atrás na sua decisão. Tem sete vidas como os gatos, é uma  raposa matreira e não olha a meios para atingir os fins a que se propõe.

O outro ator é um Coelho indefeso que se deixou atacar pela raposa. O Pedro Passos Coelho é um produto das “jotinhas”, o estereótipo daqueles que sempre cresceram à sombra do partido e das amizades políticas, que foram fontes de empregos, de conhecimentos e de promoções. Ideologicamente obcecado, defende mais a finança estrangeira que tem a pata sobre o cachaço do país, do que os portugueses que o elegeram, na sequência de um programa que foi totalmente abalroado. É um líder fraco, de quem não se conhece uma visão estratégica para o futuro do país. E está a ficar órfão. Primeiro e muito contra a sua vontade, viu sair Miguel Relvas, o mentor do programa que o levou à conquista do poder. E mais recentemente perdeu o seu grande aliado ideológico no governo, o Vítor Gaspar. Este foi mais um mercenário que por aqui passou a soldo dos grupos de interesses estrangeiros e a sua saída ficou a dever-se, como o próprio reconheceu na inédita carta que escreveu, ao fracasso das suas políticas. Ora sem mãe nem pai que o protegesse, a raposa viu o coelho muito vulnerável, e vai daí, afiou o dente e decidiu atacar. O golpe que lhe desferiu não foi fatal, mas foi suficiente para o mutilar e para sair vencedor da contenda.

O resto da história é o folhetim conhecido. A escolha da (muito questionável) nova ministra das finanças não agradou ao Portas que, amuado por supostamente não ter sido ouvido, decidiu partir a loiça, apresentando a demissão. O primeiro-ministro afetou estupefação com a decisão de Portas, o Cavaco sentiu-se novamente ofendido por não ter sido informado, o Seguro aterrorizado com a possibilidade do poder lhe cair assim nas mãos, os partidos da esquerda, eufóricos com o cenário de eleições à vista, os partidos do poder atónitos sem saber o que dizer, os comentadores fervorosos com tanto debate e artigo de opinião, os jornalistas excitados com a catadupa de informação que era posta circular a cada momento, as entidades internacionais incrédulas com a demência dos políticos portugueses e o povo entretido com a paródia presenteada pelos seus representantes, aos quais não foi concedida a possibilidade de escolherem o desfecho.

Nos poucos dias que durou este folhetim deu-se cabo da credibilidade externa do país, fez-se tábua rasa dos draconianos sacrifícios impostos aos portugueses, provocou-se uma subida dos custos de financiamento do país e lançou-se o caos nas praças financeiras. Agora que a borrasca está a amainar, querem-nos fazer crer que tudo está bem, aliás que o governo até está mais forte. Balelas! É por isso que esta história é de ir às lágrimas. O que houve foi um arranjinho entre os dois líderes dos partidos do governo, onde as condições impostas por Paulo Portas foram prontamente aceites pelo Passos Coelho para aguentar o barco até onde der. O governo continua com legitimidade para governar, mas perdeu a credibilidade para o fazer. Resistiu aos ataques externos da oposição, das centrais sindicais e do tribunal constitucional, mas não aguentou as deslealdades internas e entrou em implosão. E o Cavaco, lá continua barricado em Belém, sem aparecer ao país, agora entretido com audiências a partidos e parceiros sociais para dizer que ainda está vivo, que tem poderes. Sem que ainda tenha tomado qualquer decisão, já foi novamente desautorizado por diversas entidades internacionais, que já vieram a público regozijar-se com a solução encontrada pelos farsolas para a resolução da crise. Mas é provável que daqui a uns dias venha a público dizer que foi devido à sua ação nos bastidores que a crise foi ultrapassada, para assim somar alguns pontos à sua depauperada imagem pública…

Tudo isto é triste, tudo isto é fado! Enquanto continuarmos a ser governados por uma classe política, despojada de sentido de Estado e de valores morais e éticos, não sairemos da cepa torta e o futuro de todos nós e do país continuará a ser sombrio. Eles governam-se a eles, mas não governam para o país. O povo português é sereno e pacífico (é o melhor do mundo como alguém já disse), por isso vamos esboçando sorrisos a estas garotices políticas. Resta saber até quando?!



PS: Há por aí quem defenda a teoria da conspiração, ou seja, que esta triste paródia foi uma inventona, que estava tudo combinado, que foi uma encenação para mostrar quão valiosa é a estabilidade política e para legitimar os futuros cortes que estão na calha!! Será que a infâmia, a indecência e o desrespeito pelas pessoas poderá ir tão longe?! Não sei, mas eu não ponho a mão no fogo por estes senhores…