quinta-feira, 31 de março de 2016

Curso de produtos fitofarmacêuticos

Em Palme, durante o mês que agora termina, decorreu um curso de aplicação de produtos fitofarmacêuticos (PFF) dirigido à população local que trabalha na agricultura ou que, pelo menos, aplica este tipo de produtos. A realização desta formação é obrigatória por lei para quem quiser comprar e aplicar este tipo de produtos. Uma vez que em Palme há muita gente que aplica os PFF, a iniciativa da Junta é de louvar, pois permitiu aos interessados no curso poupar tempo e dinheiro com deslocações para outros locais. A obrigatoriedade deste curso têm suscitado acesa discussão relativamente aos objetivos e à utilidade da formação. E é precisamente sobre este tema que eu hoje trago aqui algumas reflexões.

A obrigatoriedade deste curso decorre da aplicação de uma lei aprovada pela Assembleia da República (Lei n.º26/2013 de 11 de abril) que, por sua vez, transpõe para Portugal uma Diretiva da União Europeia (Diretiva n.º2009/128/CE). Portanto, a aplicação desta lei em Portugal, assim como nos restantes países europeus, decorre de uma lei europeia. O objetivo desta lei é a de que a aplicação e manuseamento destes produtos se faça em segurança e tenha o menor impacto no ambiente e na saúde das pessoas. Os PFF são, genericamente, produtos químicos que se destinam a prevenir e a tratar pragas e doenças das plantas, tendo muitos deles a função de eliminar insetos, fungos ou ervas daninhas. As suas substâncias ativas podem permanecer no ambiente por períodos de tempo prolongados e contaminar os alimentos, risco que aumenta se as doses do produto forem excedidas ou os intervalos de segurança não forem respeitados. Muitos estudos mostram que a agricultura intensiva, que recorre abundantemente à utilização de produtos químicos, é responsável por inúmeros impactos ambientais, nomeadamente pela poluição dos solos e da água e pela perda de biodiversidade. O aumento da prevalência de doenças oncológicas, como o cancro, é também associada à contaminação dos alimentos por produtos químicos, sejam eles fitofarmacêuticos ou de outra origem. Por isso faz todo o sentido que os agricultores que produzem tanto para consumo próprio, como para comercialização, estejam conscientes do que estão fazer e estejam minimamente habilitados para aplicar estes produtos.

Uma boa parte da discussão prende-se com a desinformação e com a contrainformação que existe sobre o assunto. Governantes e jornalistas têm a sua quota-parte de responsabilidade ao veicularem informações contraditórias, nomeadamente em relação aos prazos para a realização do curso, às faixas etárias a que se destinam e à sua obrigatoriedade ou não para uso profissional. No que respeita aos prazos, a Lei n.º26/2013 determina que, a partir de 26 de novembro de 2015, apenas as pessoas que façam prova que já concluíram um curso de aplicação de PFF possam adquirir e aplicar estes produtos nas suas culturas. Relativamente às faixas etárias, a lei prevê duas situações distintas: para os que, em 11 de abril de 2013, tinham 65 ou mais anos de idade basta fazer uma prova de conhecimentos para terem o certificado que lhes permite adquirir e aplicar os PFF. Os de idade inferior ficam abrangidos pela formação de 35 horas. Aqui a lei é discriminatória e beneficia claramente os mais idosos, pois para além do menor tempo, o custo da creditação através de uma prova é substancialmente menor. Como até à data de 26 de novembro de 2015 se estimava que largos milhares de pequenos agricultores não tivessem frequentado o curso, o Governo publicou um Decreto-lei (DL n.º254/2015 de 30 de dezembro), que estabelece um regime especial e transitório. De acordo com este decreto, os agricultores podem continuar a comprar e aplicar PFF até ao final de maio de 2016 desde que, entretanto, se inscrevam num curso de aplicação de PFF e concluam o primeiro módulo dessa formação.

Por último, a referida lei destina-se à utilização profissional de PFF, pelo que o uso não profissional não é abrangido pela necessidade da formação. A utilização dos produtos não profissionais é regulada pelo Decreto-Lei n.º101/2009, de 11 de maio. Existe uma lista de de produtos de uso não profissional que pode ser consultada em: www.dgv.min-agricultura.pt/portal/page/portal/DGV/genericos?generico=3666233&cboui=3666233, mas deve-se ressalvar que estes produtos, além de mais difíceis de encontrar, são substancialmente mais caros. Mas a grande dúvida que se coloca aqui é: o que é um uso “não profissional”? Alguém que cultive 100 m2 de batatas para autoconsumo poderá ser considerado um “agricultor não profissional”? O referido Decreto-Lei nº 101/2009 considera como sendo não profissional a aplicação doméstica de produtos fitofarmacêuticos em plantas de interior, jardins e hortas em áreas não superiores a 500 m2 cuja produção se destina exclusivamente ao consumo do agregado familiar e jardins familiares. Podem ser adquiridos e aplicados para estes fins, produtos fitofarmacêuticos que contenham a menção 'uso não profissional', não sendo necessária habilitação com qualquer ação de formação. Ou seja, por uso não profissional entende-se uma utilização doméstica, exclusivamente em regime de autoconsumo e que abranja áreas de pequena dimensão (até 500 m2). Fora deste âmbito, considera-se uma utilização “profissional”.

Muita da contestação à volta deste curso decorre do tempo perdido, dos custos e das dúvidas que as sucessivas leis têm gerado. Muitos dos agricultores são pessoas idosas, que não têm transportes e para quem os cerca de 150€ que custa a formação fazem diferença. Uma outra fonte de discórdia é os mais velhos terem mais facilidade no acesso ao certificado e ao cartão, quando os restantes passam três semanas ou um mês em formação e gastam seis vezes mais. Outros ainda porque consideram um manifesto exagero a formação, tendo em conta a pequena escala das culturas. Há quem refira que isto é o mais recente filão de ouro das empresas de formação profissional, à custa da exploração dos mais pobres: os pequenos agricultores. E depois há os que argumentam que a experiência é um posto, que toda a vida aplicarem estes produtos sem que daí resultasse morte de alguém, nem acidente ambiental.

Embora alguns destes argumentos façam sentido e mostrem que a lei tem incoerências, este último ponto de vista não faz sentido. Não é por se cometer um erro repetidas vezes sem causar danos visíveis que isso se transforma numa boa prática. A aprendizagem é sempre útil e necessária, nunca somos os donos absolutos da verdade. Por isso, acho que no final de contas, esta formação será útil para as pessoas, quanto mais não seja para as alertar e sensibilizar para os riscos que a má utilização e aplicação destes produtos podem causar. Em Palme não faltam por aí maus exemplos. Pessoas a aplicar os produtos como se estivessem na praia, de calções e havaianas, embalagens vazias amontoadas pelos caminhos ou a flutuar nos ribeiros, utilizações incorretas que dão cabo das pragas e das culturas. Pode ser que com estas formações as coisas melhorem um pouco. Para bem de todos nós e do nosso futuro!