sábado, 31 de dezembro de 2016

A árvore de natal

O acontecimento mais marcante do mês de dezembro é o Natal. Há precisamente um ano trouxe aqui um conjunto de reflexões históricas sobre os equívocos relativos ao dia e ao mês em que se celebra o Natal, bem como sobre os 2016 anos que terão passado sobre a data de nascimento de Jesus. Para este último post de 2016 e, porque ainda se vive uma atmosfera natalícia, proponho regressar ao tema, mas desta vez para falar sobre a árvore de Natal.

A árvore de Natal, a par do pai Natal, é um dos principais símbolos desta época festiva. Não há casa que não a tenha, num recanto da sala, encostada à janela, na varanda ou simplesmente no jardim, carregada de enfeites coloridos, como bolas, sinos, estrelas, laços, pais-natal e longas tranças felpudas, de mil cores, que se enroscam em torno da árvore, que é borrifada com neve artificial que, milagrosamente, não derrete. E depois há as iluminações, também eles enrodilhadas nos ramos da árvore, que piscam, luzem e faíscam numa combinação de luzes e a um ritmo tão alucinante, que é difícil não ficar embevecido só de olhar para elas. Antigamente a árvore era simplesmente conhecida por “pinheirinho” ou “pinheirinho de Natal”, porque realmente se utilizava um pinheiro-bravo, uma árvore natural cortada no monte. Mais para cá, o pinheiro foi sendo substituído por árvores de plástico, que se guardam de uns anos para os outros e mantém sempre aquela estrutura cónica aprumada. Os pinheiros naturais deram lugar a árvores de plástico, que representam coníferas do norte da Europa, como abetos, píceas e espruces. Em Portugal essas coníferas não existem naturalmente, mas a globalização trouxe-as e toda a gente gosta delas. Nos últimos anos tem também crescido a moda de se comprarem árvores naturais em vasos, nomeadamente estas coníferas do norte da Europa, que vão ficando e depois se podem plantar no jardim. Aqui por Palme quando faltavam pinheiros também se utilizavam sobreiros ou azevinhos, estas sim, árvores autóctones da floresta nacional. Mas também aqui são agora as árvores de plástico que imperam. Não querendo entrar na discussão sobre qual das opções é mais ecológica e exótica, pode colocar-se a pergunta: qual a origem e o significado da árvore de Natal?

Nos tempos da catequese, recordo-me do padre Afonso dizer que o pinheirinho era a recriação de uma árvore que existia sob a gruta onde teria nascido o menino Jesus. Mas na verdade esta explicação não colhe, pois as suas origens são bem diferentes. As antigas civilizações chinesas, egípcias e judaicas já utilizavam árvores verdes em várias celebrações porque simbolizavam a vida eterna e a felicidade. Os romanos, na festividade do solstício do inverno, data que o Imperador Constantino decretou como sendo o dia de Natal (25 de dezembro), tinham já a tradição de utilizarem ramos verdes floridos para fazerem pedidos e agradecimentos aos deuses. E decoravam as suas casas com estes ramos num prenúncio de aproximação da primavera.

Não há certezas de quando começaram a ser utilizadas as árvores de natal. Admite-se que essa tradição terá mais de 1000 anos, mas os primeiros registos documentais remontam aos séculos XV e XVI, nomeadamente nos atuais países bálticos, Estónia (1441) e Letónia (1510). Nessa altura, sabe-se que algumas praças públicas eram engalanadas com árvores, em torno das quais as pessoas celebravam e dançavam. Na cidade de Riga existe mesmo uma placa com uma inscrição referindo que ali foi colocada a primeira árvore em 1510. No final do século XVI há também registos de árvores de natal na Alemanha em praças públicas, que eram decoradas com frutos (maçãs, nozes, guloseimas e flores de papel).

Na Alemanha existem algumas lendas medievais sobre a origem da árvore de Natal, que depois se difundiu para outros países europeus. Uma das lendas conta que numa noite fria de inverno, um lenhador encontrava-se numa cabana na floresta com a sua família. Estavam à volta da fogueira, quando de repente ouviram bater à porta. Desconfiado, o lenhador dirigiu-se à porta e, para seu espanto, tinha diante de si uma criança de tenra idade, sozinha e abandonada. O lenhador recolheu-a com carinho, lavou-a, deu-lhe de comer e colocou-a na mesma cama do seu filho mais novo. Na manhã seguinte, que era o dia de Natal, a família foi acordada por um coro de anjos, apercebendo-se que a tal criança perdida era afinal o menino Jesus. Este saiu da cabana e recolheu na floresta um ramo de um abeto, que ofereceu ao lenhador em reconhecimento por este o ter acolhido e tratado tão bem. A partir de então divulgou-se a tradição de trazer ramos e árvores para o interior das casas para celebrar o natal. Atribui-se ao padre alemão Martinho Lutero, no século XVI, a ideia de colocar em casa uma árvore de natal no sentido contemporâneo da tradição. A ideia poderia ter sido importada dos países bálticos, que na altura faziam parte de um império vizinho da atual Alemanha. No princípio, a figura do menino Jesus era colocada no topo das árvores, mas depois foi substituído por um anjo ou então por uma estrela.

Numa outra lenda diz-se que São Bonifácio foi para a Alemanha numa missão de pregação, para converter os pagãos ao cristianismo. Quando lá chegou deparou-se com um grupo de pagãos que estavam prestes a castigar uma criança, obrigando-a a cortar um enorme carvalho. Para parar o castigo, São Bonifácio cortou ele próprio o carvalho, de onde começou a despontar imediatamente um abeto. O milagre foi visto como um testemunho de fé de São Bonifácio e a árvore foi decorada com velas, para que o santo pudesse pregar durante a noite.


A colocação de velas para iluminação noturna das árvores remonta à Idade Moderna, mas em finais do século XIX, a utilização de velas foi interdita em alguns países como nos EUA devido ao perigo que representavam. Há relatos de incêndios muito graves causados pelas velas, como o hospital de Chicago, que foi totalmente destruído pelo fogo em 1885, que começou numa árvore de Natal. Mais tarde, em 1895, Ralph Morris inventou o primeiro sistema de iluminação elétrica semelhante aos usados atualmente, que se revelou muito mais seguro e eficiente e se divulgou nos anos seguintes.

Feita esta breve digressão pela árvore de Natal, aproveito para desejar a todos continuação de boas festas e um bom 2017.


quarta-feira, 30 de novembro de 2016

As esmolas de São Miguel

Apesar de não usufruir de grandes bródios em Palme, o São Miguel ocupa um lugar de destaque na hierarquia celestial. Na Bíblia, São Miguel é descrito como o “Grande Príncipe”, como “Príncipe dos Exércitos Celestes” e é dito que estará presente no dia do juízo final. Por causa desta última alusão, São Miguel foi retratado com uma balança com os pratos desnivelados, de onde as almas, pesadas com os pecados, escorregam agoniadamente para o fogo purificador. Esta imagem, amplamente reproduzida, deve-se à crença de que São Miguel estará no fim do mundo, a separar as almas justas das condenadas, encaminhando as primeiras até às portas do paraíso e protegendo-as das tentações do demónio. Por isso, o São Miguel está sempre presente nas orações e nas cerimónias fúnebres e a bandeira do arcanjo segue sempre na dianteira dos cortejos para o cemitério.

Ora, se ao São Miguel foi acometido o pesado encargo de fazer a última triagem de toda a humanidade que viveu ao longo de todos os tempos, encaminhando uns para o paraíso e outros para a geia, não é muito óbvia a associação que lhe é feita às colheitas. A explicação reside no dia em que se comemora o São Miguel, que é o dia 29 de setembro. Quem vive nos meios rurais sabe que setembro é o mês forte das colheitas, altura em que há uma espécie de assalto em larga escala ao que a natureza produziu. É apanhado o feijão, o milho sai em braçadas ou em moinha pelos tubos das trituradoras, os cachos das uvas são decepados com golpes de tesoura e de navalha. No final de setembro, os campos ficam feios e desnudos, numa tristeza de violação consentida. Mas, se o ano foi bom, as tulhas, os silos e os barris ficam a abarrotar, numa fartura que dá para o ano inteiro. Sempre foi assim. Por isso, o São Miguel comemora-se numa época de muito trabalho, mas também de abundância, e não faltam por aí feiras e festas do São Miguel alusivas às colheitas. Até em Palme, em setembro do ano passado, se fez uma feira das colheitas, embora o evento não se tenha repetido em 2016.

Nos meios rurais, Palme incluído, aproveitou-se este período de fartura para se fazerem peditórios de géneros agrícolas que, depois de leiloados, ajudam a fazer face aos encargos das confrarias religiosas ou das comissões de festas. Estes peditórios são conhecidos por “esmolas de São Miguel” e têm lugar no início de outubro. No passado, as esmolas arrebanhadas eram muito mais parcas do que hoje. Em tempos de penúria, as pessoas davam uma malguinha de feijão, meio quarto de milho, um fundo de batatas numa saca pequena. Não eram precisos veículos para transportar as oferendas, pois os esmolantes carregavam-nas facilmente às costas. Mais para cá, as esmolas profissionalizaram-se e surgiram os bombos e a utilização de um trator para transportar as dádivas. Nos últimos anos, provavelmente porque não há quem toque os bombos, institucionalizou-se o uso do altifalante, armado numa carrinha de caixa aberta, a passar folclore e música popular. E, em tempo de vacas gordas, os esmolantes tornaram-se mais ávidos: já não lhes chega a arroba de milho; também querem aquele par de galos, aquele vaso de orquídeas (que rico) e um frasquinho de mel daquelas colmeias Ou então simplesmente dinheiro, que é mais leve e não é preciso arrematar. E afinal, o carcanhol é que faz falta.

Em Palme, este ano, as esmolas de São Miguel foram tantas, que se arrastaram de outubro quase até dezembro. São demasiados peditórios num espaço tão curto de tempo e, muitas pessoas, e com razão, já se andam por aí a queixar. Então vejamos: esmola das Almas, esmola do Senhor, esmola do Santo António, esmola da Senhora dos Remédios (este ano foram duas) e esmola para o Palme Futebol Clube. Se a isto acrescentarmos o peditório para a festa de Santo André, que se fez em finais deste mês, e o do Menino, que vem já a seguir, são sete peditórios seguidinhos. Já para não falar do pagamento da Premissa que, como os mais cumpridores sabem, deverá ser feito em outubro. São, obviamente, demasiados encargos religiosos, até porque muita gente não tem géneros agrícolas para oferecer e têm que contribuir com dinheiro. E para aqueles que têm filhos a estudar, os meses de setembro e de outubro são férteis em despesas. 

O bom senso recomenda, pois, que para não sobrecarregar a população, os peditórios fossem distribuídos ao longo do ano. Porque não realizar os peditórios que se fazem apenas em dinheiro noutra altura do ano? Qual o sentido destes peditórios se fazerem no São Miguel se só recolhem dinheiro? Porque não limitar os peditórios em géneros a dois por mês? Se nada for feito é provável que as pessoas se encolham, só deem a quem tiverem mais devoção, dividam o que davam antes por mais peditórios ou, simplesmente, fechem a porta e não apareçam. Em boa parte, este problema resulta do grande número de festas religiosas que a freguesia atualmente comporta. Numa altura em que se assiste à supressão de festas e se sentem dificuldades para organizar comissões um pouco por todo o lado, não deixa de ser curioso que, em Palme, o número de festas tenha aumentado. Será que se vão aguentar? Este assunto fica para um próximo post do blogue.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Frutos do outono: a romã

O outono é uma estação especial pela sua luz, pelas suas cores e pelos seus frutos coloridos. Nos últimos dois anos trouxe aqui dois dignos embaixadores do outono: primeiro as castanhas, que são uma verdadeira delícia e que fizeram parte integrante da dieta alimentar no passado; e depois, os cogumelos que irrompem, misteriosamente, do solo sempre nesta altura do ano. Neste outono, que segue excecionalmente quente, decidi dar continuidade a este tema e proponho agora analisar um dos mais extraordinários frutos que aparecem nesta altura do ano: a romã.

A romãzeira não é uma das árvores mais comuns em Palme nem no Minho em geral, porque prefere climas mais quentes e solos menos ácidos. No entanto, vêem-se por aí alguns belos exemplares de romãzeiras, a adornar os jardins e os quintais da nossa freguesia. A romãzeira é uma pequena árvore de folha caduca, que possui ramagens terminadas em espinhos. Os seus principais atrativos são as grandes e vistosas flores vermelho-alaranjadas que surgem nos finais da primavera, ao que se seguem os frutos em forma de coroa, que têm no seu interior centenas de sementes dispostas em camadas sobrepostas. A parte comestível é o invólucro carnudo vermelho e líquido das sementes, que se assemelha a um grão de milho. A romã não figura entre as frutas mais apreciadas por três razões fundamentais: porque é ácida, é difícil de se comer e…porque não enche barriga. No entanto, a romã foi redescoberta pelas suas propriedades benéficas para a saúde e pode-se até dizer que é um fruto que está na moda, tal como os mirtilos, o goji ou o aloé vera.

O que talvez muitos não saberão é que a romã é um fruto bíblico, cheio de história e de simbolismo. Existem diversos registos históricos a comprovar que a romã era um fruto cultivado e apreciado já na Antiguidade, nomeadamente no Egito e, sobretudo, em Israel. Em diversos livros do antigo testamento surgem referências à romã. As romãs aparecem documentadas nos Livros do Deuteronómio e do Êxodo. Neste último, os judeus ao percorrerem o deserto Egípcio, queixaram-se a Moisés: “porque nos trouxeste para este lugar horrível? Aqui não há sementes, nem figos, nem uvas, nem romãs…”. As romãs figuravam também nas vestes dos sacerdotes judeus da altura e sabe-se também que 200 romãs em bronze decoravam os pilares do templo mandado construir pelo rei Salomão. Mas talvez o facto mais extraordinário é o de as romãs, em média, conterem 613 sementes, o que corresponde ao número de mandamentos da Tora, que é a Lei que regula a religião judaica. Por isso, não é de estranhar que a romã tenha tido e continue a ter tanto simbolismo para os judeus, que ainda hoje as usam em algumas celebrações. Tradicionalmente, as romãs representam sabedoria e conhecimento. Alguns estudiosos, seguindo alguns mitos gregos, acreditam inclusive que o fruto que terá tentado Eva no Jardim do Paraíso foi uma romã e não uma maçã. A romã é também símbolo da fertilidade masculina, conforme está estabelecido nos Cânticos de Salomão (4:13). A este respeito é curioso referir os famosos quadros de Boticelli (a Madona da Romã e a Madona do Magnificat), que pintou o menino Jesus nos braços da mãe, com uma romã aberta e madura na palma da mão. Alguns acreditam que o pintor da Renascença procurou representar a fertilidade da linha de Jesus, o que dá sustento à teoria de Dan Brown expressa no Código da Vinci, de que Jesus terá deixado descendência. Mas obviamente, por um artista o pintar, não o torna verdade.

A simetria e a beleza deste fruto seduzem, então, o homem desde tempos imemoriais. No mundo ocidental, a romã foi recentemente redescoberta pelas suas soberbas qualidades e benefícios que traz à saúde. A romã é uma poderosa fonte de antioxidantes, que ajuda a prevenir os sinais de envelhecimento e a ocorrência de doenças cardiovasculares, uma vez que os antioxidantes concorrem para a diminuição do colesterol e para a eliminação de radicais livres. Este fruto é também uma fonte de vitamina C, que tem um papel importante no reforço do sistema imunológico: Alguns estudos comprovam também que a romã é eficaz na proteção de alguns tipos de cancro, prevenindo o seu aparecimento e ajudando a travar a sua propagação. A romã apresenta também propriedades anti-inflamatórias e ajuda a regular o metabolismo, em particular os níveis de açúcar no sangue. Face a tal panóplia de vantagens, o consumo de romãs tem aumentado e, surgiram naturalmente diversos alimentos à base deste fruto. O sumo de romã e a geleia de romã são provavelmente os mais conhecidos. Multiplicaram-se também as formas de consumir a romã: em saladas polvilhadas com grãos de romã, em sumo simples ou misturado com água ou em cocktail com sumos de outros frutos; para temperar saladas; etc. 

E da mesma forma, desenvolveram-se as técnicas para facilitar o seu consumo. Comer uma romã como quem come uma outra fruta de casca rija ou descartável é uma tarefa que requer tempo e paciência. Porque as sementes estão dispostas em camadas e estão alojadas numa membrana branca, da qual não se despegam facilmente e só saem aos bocados. A forma mais fácil de separar as sementes do invólucro do fruto é a seguinte: corta-se a romã em quatro partes; com uma colher de pau ou algo do género bate-se nas costas de cada um dos gomos cortados; desta forma, as sementes soltam-se facilmente do fruto e podem ser consumidas à colherada. Por agora é tudo, até porque tenho ali uma romã à minha espera! Espero que este post tenho sido útil e que que vos ponha a pensar da próxima vez que saborearem esta obra-prima da natureza.

Romã ainda verde na árvore

Fruto da romã extraído pela técnica descrita no texto


Pormenor do quadro de Boticelli "A Madonna da Romã"









sexta-feira, 30 de setembro de 2016

As gamelas de Palme

No post de maio deste ano, a respeito do arco na festa das Cruzes, que se encontra decorado com gamelas, escreveu-se que Palme não era a única freguesia com tradições neste tipo de artesanato. Nesse post prometeu-se abordar o tema das gamelas mais tarde. Pois bem, chegou o momento. Por isso, no tópico deste mês trago aqui as gamelas de madeira e convido os leitores a deterem-se um pouco nas linhas que se seguem.

As gamelas de madeira são o ex-libris do artesanato de Palme. Estas peças escavacadas manualmente a partir de troncos de pinho são um dos mais importantes emblemas da freguesia. As gamelas surgem em exposições de artesanato da terra, são frequentemente oferecidas a organizações e personalidades de fora e dão inclusive o nome ao rancho folclórico (as “Gamelinhas de Palme”). É caso para dizer que as gamelas estão para Palme como o galo está para Barcelos! O que muita gente não sabe é que a produção de gamelas é uma atividade ancestral, que remonta pelo menos à época castreja, período anterior à chegada dos romanos ao norte de Portugal. As comunidades castrejas eram aquelas que viviam, por exemplo, no monte de S. Lourenço, naquelas habitações circulares que ainda hoje se podem apreciar, ou no monte do Cresto, onde esses vestígios estão mais apagados. O arqueólogo Carlos B. Almeida, que dedicou vasto e meritório trabalho ao vale do Neiva, refere que nestes povoados castrejos, a profissão de gameleiro era muito comum. Nessa altura, as gamelas eram produzidas a partir de amieiro ou de choupo, devido à leveza e à facilidade em trabalhar estas madeiras. Estas gamelas, que estiveram na origem da escudela medieval, eram produzidas sob variadas dimensões, sendo utilizadas numa grande diversidade de utilizações, excetuando o facto de não poderem ser usadas sobre o fogo. Apesar de faltarem registos arqueológicos nestes povoados castrejos, devido ao facto da madeira ser facilmente degradável, a presença destes artefactos na região do vale do Neiva pode ser confirmada por duas vias: a documental e a etnográfica. Há documentos históricos que comprovam que as comunidades castrejas já se dedicavam à produção de gamelas de madeira. Por exemplo, Estrabão, historiador e geógrafo da Antiguidade, refere que estes povos “usam vasos lavrados em madeira, como os keltoi” (Almeida, 2006:81). A via etnográfica é aquela que chegou aos nossos dias por via do artesanato e das tradições que passaram de geração em geração. Não esqueçamos que estávamos perante uma comunidade organizada e hierarquizada segundo o sistema gentílico, baseada nos laços de sangue e na passagem de testemunhos de pais para filhos. Regime esse que se prolongou pela Idade Média e ainda se fazia sentir até há pouco tempo. Etnograficamente, a produção de gamelas atravessou muitas gerações e esteve patente em Vila Chã, Forjães e Palme, através de uma série de famílias que se dedicavam ao fabrico destes recipientes até há pouco tempo (Almeida, 2006). Por aqui se conclui que a produção de gamelas não é uma atividade exclusiva de Palme. Pelo contrário, os gameleiros são uma profissão milenar, que esteve ligada às comunidades castrejas muito presentes no norte de Portugal. 

A referida via etnográfica está, felizmente, ainda hoje representada em Palme. A família Larú é aquela que mais tradição tem na produção das gamelas. Curiosamente, esta  família, pelo lado parental, provêm de Alvarães e não de Palme, o que demonstra uma vez mais que não era uma atividade exclusiva de Palme. O Sr. José Larú aprendeu com o seu avô a arte de fazer gamelas ainda em tenra idade e, a partir daí, não mais deixou de se dedicar a esta arte, que manteve até há escassos anos e que tem sucessor no seu filho Armando. Tradicionalmente, o processo de produção das gamelas iniciava-se com a seleção e corte de um pinheiro em toros de 3 m de comprimento. Cada um destes rolos era depois cortado de forma longitudinal, com recurso a um serrão (atualmente emprega-se uma motosserra para fazer este serviço de forma mais rápida e com menor esforço). Depois de cortado e com a face plana do rolo virada para cima, riscam-se as gamelas com a ajuda de um compasso, definindo-se aí o seu tamanho. De seguida e com a ajuda de um machado procede-se ao descasque dos rolos cortados e ao corte dos rolos para separar as gamelas desenhadas. Depois usam-se enxós para escavacar a madeira por fora e por dentro até as peças ficarem com a forma desejada da gamela. Por último, as peças são colocadas ao sol para secar. 

Atualmente, as gamelas são muito procuradas por motivos estéticos e decorativos, com o objetivo de acentuar o ambiente tradicional e rústico das cozinhas regionais. Mas ainda há muita gente que usa as gamelas de madeira. Para deitar a massa do pão antes de ir ao forno (utilização primordial das gamelas em Palme), para levedar a massa, para colocar alimentos, para fazer arranjos florais, etc. Mas, à semelhança do que sucedeu com outras atividades artesanais, como a cerâmica e a cestaria, a produção de gamelas viu-se ultrapassada pelos produtos de plástico que, para além de serem mais baratos, são mais fáceis de encontrar e alguns até são mais funcionais. Por isso, apesar dos esforços e dos alertas para manter vivas estas reminiscências do passado, o artesanato tem decaído e há cada vez menos pessoas a darem continuidade aos ofícios herdados dos pais e avós. O mundo rural está cada vez mais envelhecido, despovoado e descaracterizado, os mais novos procuram melhores rendimentos e a globalização está aí a nivelar e a uniformizar tudo, como uma grande rasa à escala planetária. O artesanato tem valor pelo que significa e pelo que tem de distintivo e de autêntico. Em Palme, algumas atividades estão condenadas, como a produção de cestos, porque o senhor Arlindo não tem seguidores. A produção de gamelas para já está assegurada. Oxalá que outros possam seguir as peugadas das gerações anteriores e manter viva esta tradição secular. Em Palme e nos arredores.

As gamelas de Palme




Produção das gamelas de Palme (família Sr. Larú)




Bibliografia
Almeida, C. (2006) “O castro de São Lourenço, Vila Chã (Esposende)”. In Actas do Seminário Final A Cultura Castrexa: Accións e estratexias para o seu aproveitamento socio-cultural, Xunta de Galicia, pp.67-93.

Jornal de Barcelos (2015), fascículo dedicada à freguesia de Palme.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O incêndio de agosto de 2016

O 8 de agosto de 2016 foi um dia trágico para Palme. Uma vez mais, a maior parte da floresta da freguesia ficou reduzida a cinzas. Quatro anos depois do último grande incêndio, o monte de Palme voltou a arder quase por completo. Fui revisitar o que escrevi em abril de 2012 após o incêndio desse ano. E o último parágrafo desse post foi premonitório:…” e assim, o mais provável é que lá para 2015 ou 2016 a tragédia volte a repetir-se, com o fogo a devorar de novo a vegetação que entretanto for espontaneamente reposta”. A tragédia era previsível e, de facto, repetiu-se porque ninguém fez nada para a evitar ao longo dos últimos quatro anos. Tudo o que foi escrito em 2012 a respeito do incêndio desse ano mantém-se válido para o fogo deste ano. E quase de certeza que o mesmo se aplicará ao próximo fogo, que deverá ocorrer lá para 2019. Se não for antes.
 
Apesar de tudo, o incêndio de 2016 apresentou algumas diferenças face aos seus antecessores. Ao contrário dos últimos três, este fogo teve início em Santa Leocádia, tendo-se deslocado para norte, consumindo a floresta de Feitos, Palme, Aldreu, Vila Cova, Vila Chã e Fragoso, entre outras. Ou seja, consumiu a floresta de sul para norte e não ao contrário como sucedeu nos incêndios anteriores. As estimativas apontam para que a área consumida por este fogo nas diversas freguesias seja na ordem dos 3 mil hectares, perfazendo uma área superior à do incêndio de 2006 (2580 ha). A confirmar-se, este terá sido o maior incêndio de que há registo no concelho de Barcelos.
 
Em Palme, a área queimada atingiu proporções nunca antes vistas. Zonas como a Figueiró, Vilar, Souto de Cerquido e Sobreiro do Rei, que nunca tinham sido atingidas pelo fogo, foram reduzidas a cinzas e carvões. A floresta que bordejava a EN 103 foi totalmente carbonizada em ambos os lados da estrada. É um cenário de morte e de tristeza desolador. Jamais voltaremos a ver as árvores imponentes e frondosas que ladeavam a estrada e que tanta frescura e sombra davam no verão. Pela primeira vez, o fogo desceu até ao campo de futebol. Em Sobreiros, Cerquido, Paranhos e Granja as chamas desceram novamente até às casas. Por todo o lado, o eucaliptal que tinha medrado espontaneamente ao longo dos últimos 4 anos parece agora uma seara de centeio amarela. Tudo seco e morto.
 
Durante e após o incêndio escutaram-se diversas vozes críticas. Uns assanhados contra os bombeiros, que chegaram tardiamente e que colocaram poucos meios no terreno. Outros contra o facto de não existirem acessos, havendo muitos caminhos em que não se pode circular desde a cheia de 2013. A respeito dos meios, estiveram no terreno corporações de bombeiros oriundas das mais diversas partes do país, a proteção civil, serviços municipais, a GNR, meios terrestres e aéreos. Não foi pela falta de meios que o incêndio tomou as proporções que conhecemos. Quanto aos maus acessos, é verdade que muitos caminhos estão abandonadas há anos, encontrando-se infestados de vegetação, com pedregulhos e ravinas escavadas pela água. Mas a questão dos acessos é apenas a ponta do icebergue. O verdadeiro problema reside no total abandono e desordenamento a que a floresta está votada. Enquanto não for criado um regime associativo que faça a gestão e manutenção do monte de Palme, o problema irá manter-se no futuro. Que é aquilo que Aldreu pretende fazer para a encosta do Cresto. Mas ao contrário desta, que é da propriedade da Junta de Aldreu, o monte de Palme pertence a centenas de proprietários privados, o que dificulta e muito a criação de uma associação florestal sob a forma de uma ZIF (Zona de Intervenção Florestal). Seria preciso levantar e atualizar o cadastro dos prédios do monte, definir uma estratégia de intervenção florestal, que acabe com a exclusividade do eucalipto para evitar a propagação do fogo, fazer uma manutenção e limpeza adequadas da floresta, criar pontos de água e abrir corta-fogos (20 a 25 m de largura). Será isto possível com a mentalidade dos proprietários de Palme, sempre agarrados ao seu palmo de torrão ainda que só tenha silvas e lajedos? Sinceramente, acho que não. Seria uma mudança demasiado brusca e muitos dos proprietários nem querem saber. Olha agora um regime associativo! Mesmo que alguns mantenham os seus terrenos limpos e em ordem, em redor existem autênticas selvas, propícias à propagação descontrolada do fogo. Por isso, não há campanha de prevenção nem meios que cheguem quando, ainda por cima, anda mão criminosa a atear o fogo. Veja-se o que se passou em Cessal onde foi posto fogo numa bouça, para que aquela parte da freguesia fosse reduzida a cinzas também. Simplesmente criminoso!
 
Nada disto vai ser obviamente feito. Por isso e depois de os proprietários baterem no peito e de venderem ao desbarato a madeira (veja-se o desbaste a eito que está a ser feito na Figueiró), as coisas vão voltar ao que sempre foram. A floresta vai ficar abandonada e por limpar, os eucaliptos vão renascer das cinzas numa densidade ainda maior, os matos e as giestas vão inçar de novo e daqui por três ou quatro anos teremos novo inferno de chamas e fumo. Os incêndios estão a ficar cíclicos e previsíveis como as marés. Apenas se sucedem em espaços de tempo cada vez mais curtos em resultado do crescente abandono da floresta. Antes disso adivinha-se que uma outra desgraça poderá ocorrer: cheias e enxurradas. Com o monte depenado e sem vegetação para travar a circulação da água e prender as camadas superficiais do solo, basta vir uma chuvada mais intensa e lá teremos nova enxurrada de entulho, lama e pedras a destruir as ruas e os ribeiros nos lugares da Aldeia e de Paranhos. Isso é quase certo, falta apenas saber se terá a severidade da enxurrada de 2013, que provocou centenas de milhares de Euros de prejuízos. O tempo o dirá.
 
Fogo na floresta de Palme (1)
 
Fogo na floresta de Palme (2)
 
 
Cenário devastador após o incêndio
 
 
 
Últimos grandes incêndios em Palme
 
 
 

domingo, 31 de julho de 2016

Gravuras rupestres de Palme

No início deste mês, a Câmara Municipal de Barcelos divulgou a surpreendente notícia de que existe um “santuário rupestre” nos montes de Palme e Aldreu, onde foram já encontradas mais de 30 gravuras rupestres. A designação de “santuário” deve-se ao facto de ter sido identificado um elevado número de gravuras concentradas numa área relativamente pequena, sendo um dos maiores do Norte de Portugal. De acordo com a fonte camarária, a primeira gravura foi encontrada pelo Dr. Tarcísio Maciel  (que tem desenvolvido vasto e meritório trabalho de arqueologia no vale do Neiva), em 2012, no local conhecido por Chãs de Palme. Desde então, os serviços de arqueologia da câmara têm realizado diversas prospeções na área, tendo encontrado um número significativo de gravuras dispersas por uma área compreendida entre o Cresto e o monte de São Gonçalo. As informações disponibilizadas dão conta que as gravuras compreendem vários motivos: covinhas pontilhadas na rocha, figuras geométricas, nomeadamente círculos e quadriculados (ver imagem em baixo), armas de caça usadas na altura, entre outras. As gravuras em causa remontam ao período compreendido entre o Calcolítico até à Idade do Bronze, ou seja, há cerca de 5000 anos.

As gravuras descobertas nos montes de Palme e Aldreu enquadram-se na designada arte rupestre do “Noroeste Atlântico”, que está muito presente na parte ocidental do Norte de Portugal, Galiza, mas que se estende até à Irlanda, ilhas britânicas e Escandinávia. Estas gravuras apresentam várias características comuns. Estão esculpidas sobre amplas rochas graníticas, normalmente no topo, mas também nas faces laterais. Os seus principais motivos gravados são círculos simples e mais frequentemente concêntricos, combinados entre si, quase sempre com covinhas no seu interior, linhas retas e curvas, figuras labirínticas e, em menor grau, armas. Sabe-se que remontam à idade do Bronze porque algumas das gravuras representam armas feitas em bronze, que eram usadas na altura para caçar. Por outro lado, a abundância de estanho no Noroeste de Portugal e Espanha, que entra na composição da liga que forma o bronze, deu origem a uma importante atividade comercial nesta área e justificou a tardia utilização do ferro. Em diversos locais do Noroeste da Galiza e de Portugal são conhecidas diversas gravuras rupestres desta altura, como na Bouça do Colado (Lindoso, Ponte da Barca), Monte de Fortes, Ozão, Serra do Arestal, etc. A esta lista somam-se agora as gravuras de Palme, que estão ainda em fase de levantamento e estudo. Na época da idade do Bronze, as comunidades humanas que viviam nos montes de Palme não eram sedentárias. Estavam temporariamente instaladas, viviam daquilo que a terra dava (recoleção) e da caça. Quando o alimento começava a escassear, mudavam-se para outras zonas. Nas encostas dos montes de Palme, a abundância de água terá sido também um fator importante para que as estas comunidades pré-históricas fossem passando e por aqui deixassem os seus vestígios.

Esta notícia, apesar de inesperada, vem confirmar que esta área foi ocupada por comunidades pré-históricas desde tempos imemoriais. Como já se escreveu neste blogue em 30-10-2012, com o título "História e acontecimento marcantes da freguesia de Palme (I)", na área correspondente à atual freguesia, foram descobertos muitos outros achados pré-históricos, nomeadamente menires e antas ou mamoas. A descoberta das gravuras rupestres só vem engrandecer este património cultural que já de si era valioso. Aos interessados neste tema, convido a uma leitura desse post escrito em outubro de 2012.

No entanto, a descoberta passou algo despercebida na freguesia. Não houve uma comunicação prévia com as autoridades, uma visita aos locais, a população só tomou conhecimento através da Internet e dos jornais. Não havendo informação rigorosa, vai-se comentando que foram descobertos uns sarrabiscos numas pedras lá para o meio do monte… Embora o levantamento ainda não esteja concluído, porque se admite existirem mais gravuras escondidas sob vegetação e sob o musgo, teria sido desejável contactar primeiro as freguesias e as populações locais e só depois divulgar a notícia na comunicação social. Por outro lado, era também importante que as populações fossem sensibilizadas para a necessidade de se protegerem estes valores culturais e de se zelar pela sua preservação. Nomeadamente em Palme onde o monte está muito fracionado e pertence a um grande número de proprietários.

A descoberta deste património, de valor incalculável, poderá ser uma oportunidade para, de uma vez por todas, se defina uma estratégia integrada de ordenamento para toda aquela vasta encosta, que se encontra totalmente abandonada. A comunicação social refere que o município de Barcelos tem já prevista a criação, nos próximos meses, de um percurso arqueológico pelos Montes de Palme e Aldreu, promovendo as principais rochas gravadas. Com efeito, serão poucos os locais de onde se desfrute uma vista tão larga e bela, como do alto daqueles montes. A somar à qualidade paisagística, é uma área com interesse ambiental, natural e cultural. São imensas as potencialidades que um espaço com estas características apresenta ao nível das atividades recreativas ao ar livre, turismo de natureza, birdwatching e agora de turismo cultural, alicerçado nas gravuras e nos restantes elementos patrimoniais ali existentes. Falta apenas definir a estratégia, ou será que o problema é a falta de visão estratégica?

Rocha-tipo no monte de Palme onde surgem gravuras rupestres
(Fonte: CMB, 2016)
 
Gravura rupestre em Palme (figura quadriculada)
(Fonte: CMB, 2016)
 
 

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Brexit, e agora Europa?

O 23 de junho de 2016 vai ficar para a história como o dia em que um país decidiu sair, pelo próprio pé, da União Europeia. Essa ameaça de desmembramento já há muito que pairava no ar. No verão passado esteve iminente o "Grexit" ou, pelo menos, a saída da Grécia do Euro. Mas o risco era demasiado alto e o colapso do país mais que certo. Por isso, o governo grego teve que engolir mais um sapo e ceder à chantagem da Europa que a pretexto de desbloquear mais uma “ajuda financeira", exigiu mais austeridade, sempre mais. Se recuarmos um pouco mais, no tempo do Pasok, o governo grego chegou também a propor a realização de um referendo sobre a continuidade do país na moeda única. Caiu o Carmo e a Trindade, os dirigentes europeus assanharam-se logo, houve ameaças e o referendo não foi avante. A Grécia continua a definhar, mas continua no clube do Euro. 

O referendo no Reino Unido tem uma história diferente. É sobejamente conhecido que os britânicos são e sempre foram eurocéticos e sempre mantiveram uma distância higiénica à Europa continental, que a sua condição de ilha favorece. E, por isso mesmo, sempre foram um povo diferente. Não usam o sistema métrico, não usam litros nem quilogramas, conduzem pela esquerda, os carros têm o volante à direita. Como seria lógico, o Reino Unido não fez parte dos países fundadores da União Europeia (UE), nem aderiu à moeda única, mantendo-se fiel à libra esterlina. A história do referendo à permanência na UE nasce da mediocridade política do atual primeiro-ministro, que por sinal está demissionário. A única forma que encontrou para se manter à frente do partido conservador foi a de propor o referendo, silenciando dessa forma as vozes críticas que se faziam ouvir no seio do seu próprio partido. E foi, em boa parte, com essa bandeira do referendo que ganhou as eleições em 2015. Depois envolveu-se numa arriscada negociação política com a UE para obter um conjunto de condições especiais para o seu país, caso contrário não faria campanha a favor da permanência. A Europa, depois de dificílimas rondas de negociação, respondeu sim, senhor ministro. Mas na verdade, Cameron envolveu-se pouco na campanha e os apelos dos dirigentes europeus e do Obama a favor da permanência não foram suficientes para demover os britânicos da saída. Os refugiados e a forte corrente migratória dos últimos meses foram um outro fator que contribuiu para este desfecho. A população, sobretudo a mais idosa, votou com a convicção de que a saída vai travar o fluxo de migrantes para o país. Como se dos imigrantes não dependessem setores inteiros do país, como a saúde, onde trabalham tantos enfermeiros e médicos Portugueses.

O resultado, conhecido no dia 24, foi um sismo que abalou o mundo, com epicentro em Londres. Porque apesar da incerteza, havia a convicção de que o não à saída iria vencer, tal como as últimas sondagens apontavam. Mas estavam erradas. A decisão deixou os pobres dos mercados muito nervosos, que caíram como já não se via desde a hecatombe de 1929. Mas mais grave do que isso são os precedentes e as consequências políticas e sociais resultantes da decisão de saída. O país está em maus lençóis e corre o risco de se transformar num Reino Desunido, pois na Escócia, Irlanda do Norte e Gales (onde o voto na permanência venceu) já estão a fervilhar os movimentos independentistas. Sobretudo na Escócia, onde o referendo à independência do ano passado foi chumbado com a ameaça de que se os escoceses votassem a favor da independência, sairiam da UE. E que impacto poderá ter uma eventual independência da Escócia noutros territórios que têm idênticas aspirações, como a Catalunha, o País Basco ou a Lombardia? Depois há a austeridade e a incerteza que o país vai ter que adotar para fazer face às consequências económicas da saída e à desvalorização da libra. Aliás, as agências de notação financeira, que andam de dente aguçado, já vieram cortar o rating do país de Sua Majestade. E por fim as consequências sociais, com o agudizar do sentimento anti-europeu, da xenofobia e do racismo, nomeadamente contra os imigrantes. E, nos últimos dias, há já relatos de diversos ataques e perseguições a estrangeiros na Inglaterra.

Na Europa, a decisão de saída do Reino Unido, a quinta economia do mundo, corresponde a abrir a caixa de pandora. Receia-se um efeito dominó e diversos líderes europeus já vieram a público tomar posições muito diferentes, o que não augura nada de bom. Fala-se já de referendos idênticos na Holanda, Suécia e na própria França. Um pouco por toda Europa, os partidos populistas e de extrema-direita estão a ganhar uma força como já não se via desde a década de 1930. Os movimentos racistas e nacionalistas ganham adeptos, à boleia da ameaça terrorista, dos refugiados e de uma Europa mal construída, que não sai do marasmo económico. Os europeus têm uma memória muito curta, pois foram estes ideais que conduziram a Europa a duas guerras mundiais, que ceifaram muitos milhões de vida e semearam a destruição completa. Se excetuarmos a guerra na Jugoslávia, os últimos 50 anos foram de paz na Europa, algo que nunca aconteceu na histórica deste continente, cheio de antigos impérios com orgulhos feridos. Esse longo período de paz e de prosperidade deveu-se ao projeto europeu, que foi criado em 1957 para unir os povos desavindos pela Guerra. Agora, a UE desune-se e corre o risco de se fragmentar e o Euro de implodir. Na fronteira mediterrânica, a pressão dos refugiados é enorme, há guerras na Síria, na Líbia e a Rússia já demonstrou vontade de querer reconquistar territórios que já estiveram sobre a sua influência e que têm população russa. A tensão da Rússia com a Turquia e, consequentemente, com a NATO atingiu níveis alarmantes. A hegemonia económica e a influência que a Europa sempre teve transferiram-se para a Ásia-Pacífico. E perante este cenário, que recomendava maior coesão, a UE dá sinais de desmoronamento. A Europa está a ficar perigosa, demasiado perigosa. E se o Trump ganha as eleições americanas deste ano? E, em 2017, se a Le Pen ganha as presidenciais Francesas? Avizinham-se tempos sombrios. Irá a história repetir-se de novo? 



terça-feira, 31 de maio de 2016

O arco na Festa das Cruzes

Ao fim de muitos, muitos anos (tantos que a memória já nem enxerga qual foi a última vez), a freguesia de Palme apareceu representada nos arcos de romaria da Festa das Cruzes. Estes arcos que se encontram dispostos em redor do campo da feira, na cidade de Barcelos, têm por objetivo representar a identidade e as tradições de cada uma das freguesias que compõem o município. A diversidade dos arcos é grande, considerando os materiais, o tamanho e os elementos representados. Mas normalmente aparecem engalanados com elementos patrimoniais das freguesias, por peças de artesanato e pelos santos padroeiros. A Câmara de Barcelos dá, inclusivamente, apoios às freguesias para a construção e transporte dos arcos até à cidade. Alinhados em redor do campo da feira como uma muralha, os arcos despertam a curiosidade de muitos, principalmente dos forasteiros e não é raro verem-se pessoas a fotografar ou a tirar selfies juntos aos arcos. Mas nem todas das antigas 89 freguesias estão representadas. Algumas delas sempre tiveram o seu arco na Festa das Cruzes, enquanto outras andam arredadas destas lides há muito tempo, como era o caso de Palme.

Para Palme, o jejum terminou este ano e o arco da freguesia foi colocado defronte à Avenida dos Combatentes onde se ergue, pomposo, entre os arcos de Oliveira e de Aldreu. Está construído em madeira de pinheiro aparelhada, tem 4 pilares centrais e um fuste central suspenso, que se ergue da estrutura, sendo encimado pela cruz de Cristo. A estrutura está apoiada em diversas travessas horizontais que ligam os 5 pilares. No topo, entre os fustes central e os laterais surgem dois losangos decorados com fitas com as cores da freguesia (amarelo e azul). Nos retângulos centrais formados pela estrutura foram colocadas duas películas alusivas à freguesia: a da esquerda é a imagem de Santo André, a da direita corresponde ao brasão da freguesia. Sob estas imagens surge a placa identificadora da freguesia, com as letras esculpidas a fogo na madeira. Entre os pilares centrais surgem diversas estruturas em X, que são alusivas ao símbolo do brasão da freguesia que, por sua vez, representa a cruz em X em que Santo André foi martirizado. No entanto, o elemento que mais ressalta à vista são as gamelas de madeira, que foram dispostas em U à volta das figuras e que rematam os pilares centrais. Como todos sabem, as gamelas são a peça de artesanato mais representativa da freguesia, havendo ainda pessoas na terra que trabalham nesta arte. Talvez muitos não saibam mas Palme não é a única freguesia com tradições neste artesanato na região do vale do Neiva, mas a discussão deste assunto vai ficar para depois. Segue-se que o arco está decorado com 19 gamelas, que condizem muito bem com a estrutura, pois são feitas a partir do mesmo material (pinho). Por cima das figuras centrais, estão também alguns utensílios utilizados na produção das gamelas: um machado, um serrão de corda para cortar ao comprido os rolos de pinho, e as enxós para escavacar as peças de madeira. Por último, surge ainda a referência ao rancho das Gamelinhas de Palme, que esteve na base da execução do projeto. De uma forma geral, o arco é elegante, sóbrio, gracioso e dignifica bem a freguesia. Talvez só faltasse algum elemento alusivo à origem do nome da nossa terra, que vem de “palmeira”. Mas isto trata-se apenas de um pormenor, de questões de feitio e não de defeito. E como, ainda por cima, anda por aí uma praga estuporada de escaravelhos a dar cabo das palmeiras, até se percebe que a pobre da árvore esteja em declínio acentuado e que já ninguém se lembra dela...

Por isso há que louvar a Junta e o Rancho pela iniciativa de, ao fim de tantos anos de esquecimento e abandono, a freguesia, as suas tradições e património estarem novamente representadas na cidade e nas festas das Cruzes através do respetivo arco de romaria. Espera-se, pois, que esta iniciativa seja para continuar nos próximos anos.


Arco de romaria de Palme na Festa das Cruzes - 2016

sábado, 30 de abril de 2016

O maio ou maias e as giestas

Na noite de hoje, manda a tradição que se coloque o “maio”. O maio, como é conhecido aqui por Palme e, de uma forma geral, no Minho, é um enfeite florido à base de giestas amarelas que as pessoas colocam à entrada das casas. Há uma grande diversidade de enfeites, desde o simples ramo florido da giesta, aos ramalhetes compostos com outras flores até às coroas, onde as giestas são entrelaçadas com outras flores da época. Para além das portas, algumas pessoas colocam também o maio nas janelas, nas paredes das casas, nas cortes do gado, nas grelhas dos automóveis, dos tratores, nas motorizadas, etc. Em Palme, esta tradição está muito enraizada e continua muito viva, sendo poucas as casas que não surgem enfeitadas com as giestas amarelas na manhã do primeiro dia de maio. Mas afinal de onde provém esta tradição e o que significa?

A colocação do maio é uma tradição com origem pagã ligada à natureza e ao culto da fertilidade. Em tempos remotos, a explosão de seiva e de flores que ocorre em maio, numa espécie de apogeu da primavera, levou a que os nossos antepassados festejassem efusivamente este novo ciclo da natureza que se iniciava. Durante a Idade Média, há relatos de que as pessoas dançavam e cantavam durante toda a madrugada do dia 1 de maio. Ainda hoje estas tradições estão bem presentes nalgumas regiões do país. Na Estremadura e no Alentejo, as “Maias” são raparigas vestidas de branco com coroas de flores amarelas na cabeça, que se passeiam pelas ruas. No Algarve há locais onde todos os anos é eleita a mais bela maia. Na região de Trás-os-Montes, as maias estão associadas ao consumo de castanhas. Diz a tradição que as pessoas devem guardar castanhas para as comerem neste dia, caso contrário, ao passarem por um burro, serão atacadas por ele. Daí o ditado popular: quem não come castanhas no primeiro de maio, monta-o o burro”. Uma outra tradição de Trás-os-Montes é o “maio-moço”. Neste caso, as raparigas adornam com flores de giesta um rapaz (o “moço”), em torno do qual dançam e cantam. Esta tradição foi imortalizada por Miguel Torga no livro “Contos da Montanha”. Um desses contos intitula-se precisamente “Maio-Moço” e conta a história de um jovem pastor (o Gonçalo), sem eira nem beira, que cometeu a proeza de matar um lobo à paulada. Depois de tamanho feito, a sua vida transfigurou-se na pacata aldeia e, no primeiro de maio, acabou rodeado por um bando de raparigas que “carregadas de flores de giesta, rodearam-no e puseram-se a adorná-lo como um deus. Submisso, deixou-se vestir e coroar por aquelas mãos carinhosas e devotadas do oiro que a imaginação há muito lhe prometia e agora lhe era finalmente entregue. E assim, feliz e festivo, entrou em Dornelo”.

A colocação do maio nas portas e janelas tal como se faz em Palme reveste-se também de motivos supersticiosos. Havia a crença de que as giestas à entrada das casas as defendiam do mau-olhado, das bruxas e dos espíritos maus, personificados nos pobres dos burros, tal como acontecia em Trás-os-Montes. Mas, à semelhança do que sucedeu com outras festas pagãs, a igreja intrometeu-se e procurou dar à tradição um cunho religioso. Primeiro, pela condenação das práticas de culto de pessoas ou objetos que eram transformados em divindades e mais ainda por ser uma tradição com motivações supersticiosas. Durante a Idade Média, surgiram mesmo decretos a proibir as celebrações públicas e os cantares associados às maias por irem manifestamente contra a lei de Deus. A este respeito veja-se, por exemplo, a Carta Régia de 14 de agosto de 1402. Em segundo lugar, o maio foi ligada a uma história religiosa que se tornou popular sobretudo no Minho, onde a igreja sempre foi mais influente. Durante a fuga para o Egipto, o rei Herodes teve conhecimento da aldeia em que a Sagrada Família pernoitaria e tomou a decisão de liquidar todas as crianças que viviam nessa terra, para assim eliminar aquele que, segundo lhe constara, iria ocupar o seu trono. Para evitar novo banho de sangue, um informador seu (uma espécie de Judas II) prontificou-se a identificar a casa onde a família de Jesus estava abrigada, através da colocação de um ramo de giesta na porta. Porém, na manhã em que os soldados partiram em busca do menino Jesus encontraram todas as casas da aldeia com um ramo florido de giesta. Este milagre é obviamente uma lenda, porque tal passagem não é mencionada em nenhum documento bíblico. Mas ficou a história que perdura até hoje.

Apesar das vicissitudes que sofreu ao longo do tempo, a tradição do maio ou das maias sobreviveu até aos nossos dias. Apenas este ano há um problema. Por causa da chuva e do frio tardio que entrou pela primavera dentro, as giesteiras ainda não têm as flores abertas, pelo que arranjar o maio não vai ser tarefa fácil. Em Palme, apenas nos locais mais abrigados se veem os primeiros botões, timidamente e com receio do frio, a abrirem. Mas pode ser que na noite de 30 de abril aconteça novo milagre e que, no dia a seguir, as giestas por esses montes fora estejam floridas como andores. Já não vinham a tempo do maio, mas o acontecimento ia dar que falar...



Giestas por abrir em Palme I

Giestas por abrir em Palme II

quinta-feira, 31 de março de 2016

Curso de produtos fitofarmacêuticos

Em Palme, durante o mês que agora termina, decorreu um curso de aplicação de produtos fitofarmacêuticos (PFF) dirigido à população local que trabalha na agricultura ou que, pelo menos, aplica este tipo de produtos. A realização desta formação é obrigatória por lei para quem quiser comprar e aplicar este tipo de produtos. Uma vez que em Palme há muita gente que aplica os PFF, a iniciativa da Junta é de louvar, pois permitiu aos interessados no curso poupar tempo e dinheiro com deslocações para outros locais. A obrigatoriedade deste curso têm suscitado acesa discussão relativamente aos objetivos e à utilidade da formação. E é precisamente sobre este tema que eu hoje trago aqui algumas reflexões.

A obrigatoriedade deste curso decorre da aplicação de uma lei aprovada pela Assembleia da República (Lei n.º26/2013 de 11 de abril) que, por sua vez, transpõe para Portugal uma Diretiva da União Europeia (Diretiva n.º2009/128/CE). Portanto, a aplicação desta lei em Portugal, assim como nos restantes países europeus, decorre de uma lei europeia. O objetivo desta lei é a de que a aplicação e manuseamento destes produtos se faça em segurança e tenha o menor impacto no ambiente e na saúde das pessoas. Os PFF são, genericamente, produtos químicos que se destinam a prevenir e a tratar pragas e doenças das plantas, tendo muitos deles a função de eliminar insetos, fungos ou ervas daninhas. As suas substâncias ativas podem permanecer no ambiente por períodos de tempo prolongados e contaminar os alimentos, risco que aumenta se as doses do produto forem excedidas ou os intervalos de segurança não forem respeitados. Muitos estudos mostram que a agricultura intensiva, que recorre abundantemente à utilização de produtos químicos, é responsável por inúmeros impactos ambientais, nomeadamente pela poluição dos solos e da água e pela perda de biodiversidade. O aumento da prevalência de doenças oncológicas, como o cancro, é também associada à contaminação dos alimentos por produtos químicos, sejam eles fitofarmacêuticos ou de outra origem. Por isso faz todo o sentido que os agricultores que produzem tanto para consumo próprio, como para comercialização, estejam conscientes do que estão fazer e estejam minimamente habilitados para aplicar estes produtos.

Uma boa parte da discussão prende-se com a desinformação e com a contrainformação que existe sobre o assunto. Governantes e jornalistas têm a sua quota-parte de responsabilidade ao veicularem informações contraditórias, nomeadamente em relação aos prazos para a realização do curso, às faixas etárias a que se destinam e à sua obrigatoriedade ou não para uso profissional. No que respeita aos prazos, a Lei n.º26/2013 determina que, a partir de 26 de novembro de 2015, apenas as pessoas que façam prova que já concluíram um curso de aplicação de PFF possam adquirir e aplicar estes produtos nas suas culturas. Relativamente às faixas etárias, a lei prevê duas situações distintas: para os que, em 11 de abril de 2013, tinham 65 ou mais anos de idade basta fazer uma prova de conhecimentos para terem o certificado que lhes permite adquirir e aplicar os PFF. Os de idade inferior ficam abrangidos pela formação de 35 horas. Aqui a lei é discriminatória e beneficia claramente os mais idosos, pois para além do menor tempo, o custo da creditação através de uma prova é substancialmente menor. Como até à data de 26 de novembro de 2015 se estimava que largos milhares de pequenos agricultores não tivessem frequentado o curso, o Governo publicou um Decreto-lei (DL n.º254/2015 de 30 de dezembro), que estabelece um regime especial e transitório. De acordo com este decreto, os agricultores podem continuar a comprar e aplicar PFF até ao final de maio de 2016 desde que, entretanto, se inscrevam num curso de aplicação de PFF e concluam o primeiro módulo dessa formação.

Por último, a referida lei destina-se à utilização profissional de PFF, pelo que o uso não profissional não é abrangido pela necessidade da formação. A utilização dos produtos não profissionais é regulada pelo Decreto-Lei n.º101/2009, de 11 de maio. Existe uma lista de de produtos de uso não profissional que pode ser consultada em: www.dgv.min-agricultura.pt/portal/page/portal/DGV/genericos?generico=3666233&cboui=3666233, mas deve-se ressalvar que estes produtos, além de mais difíceis de encontrar, são substancialmente mais caros. Mas a grande dúvida que se coloca aqui é: o que é um uso “não profissional”? Alguém que cultive 100 m2 de batatas para autoconsumo poderá ser considerado um “agricultor não profissional”? O referido Decreto-Lei nº 101/2009 considera como sendo não profissional a aplicação doméstica de produtos fitofarmacêuticos em plantas de interior, jardins e hortas em áreas não superiores a 500 m2 cuja produção se destina exclusivamente ao consumo do agregado familiar e jardins familiares. Podem ser adquiridos e aplicados para estes fins, produtos fitofarmacêuticos que contenham a menção 'uso não profissional', não sendo necessária habilitação com qualquer ação de formação. Ou seja, por uso não profissional entende-se uma utilização doméstica, exclusivamente em regime de autoconsumo e que abranja áreas de pequena dimensão (até 500 m2). Fora deste âmbito, considera-se uma utilização “profissional”.

Muita da contestação à volta deste curso decorre do tempo perdido, dos custos e das dúvidas que as sucessivas leis têm gerado. Muitos dos agricultores são pessoas idosas, que não têm transportes e para quem os cerca de 150€ que custa a formação fazem diferença. Uma outra fonte de discórdia é os mais velhos terem mais facilidade no acesso ao certificado e ao cartão, quando os restantes passam três semanas ou um mês em formação e gastam seis vezes mais. Outros ainda porque consideram um manifesto exagero a formação, tendo em conta a pequena escala das culturas. Há quem refira que isto é o mais recente filão de ouro das empresas de formação profissional, à custa da exploração dos mais pobres: os pequenos agricultores. E depois há os que argumentam que a experiência é um posto, que toda a vida aplicarem estes produtos sem que daí resultasse morte de alguém, nem acidente ambiental.

Embora alguns destes argumentos façam sentido e mostrem que a lei tem incoerências, este último ponto de vista não faz sentido. Não é por se cometer um erro repetidas vezes sem causar danos visíveis que isso se transforma numa boa prática. A aprendizagem é sempre útil e necessária, nunca somos os donos absolutos da verdade. Por isso, acho que no final de contas, esta formação será útil para as pessoas, quanto mais não seja para as alertar e sensibilizar para os riscos que a má utilização e aplicação destes produtos podem causar. Em Palme não faltam por aí maus exemplos. Pessoas a aplicar os produtos como se estivessem na praia, de calções e havaianas, embalagens vazias amontoadas pelos caminhos ou a flutuar nos ribeiros, utilizações incorretas que dão cabo das pragas e das culturas. Pode ser que com estas formações as coisas melhorem um pouco. Para bem de todos nós e do nosso futuro!

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Candeeiros LED

Como já devem ter reparado, as lâmpadas e os candeeiros de iluminação pública de Palme foram substituídos ao longo das últimas semanas. Esta iniciativa que para já abrange apenas a iluminação ao longo da estrada nacional 305 enquadra-se no projeto “Mais Eficiência Energética na Iluminação Pública do Cávado” que foi celebrado entre a Câmara Municipal de Barcelos e o Fundo de Eficiência Energética. Em Barcelos, a concretização deste projeto tem um custo de 828 000 Euros e visa reduzir a fatura do município com a iluminação pública. Em 2012, por causa da subida da eletricidade e do respetivo IVA para 23%, a estratégia de poupança energética foi outra. O município decidiu simplesmente desligar a iluminação pública entre as 02:00H e as 06:00H da manhã, deixando todo o concelho às escuras, com exceção do perímetro urbano da cidade. Este período de trevas noturnas foi alvo de um coro de críticas por parte de muitos autarcas, cidadãos e da oposição ao executivo municipal, nomeadamente por questões relacionadas com a segurança. E em finais desse mesmo ano, a Câmara aboliu a medida, referindo que o apagão lhe rendera cerca de 400 mil Euros de poupança.

A decisão tomada pela Câmara Municipal é agora a de substituir as lâmpadas de sódio da iluminação pública pelas modernas lâmpadas de LED, que consomem menos 60% que as equivalentes lâmpadas tradicionais. Além disso, acendem mais rapidamente que as de sódio, que precisavam de alguns minutos para a iluminação atingir todo o seu brilho. E as lâmpadas LED têm uma maior longevidade. Porém, a substituição é uma operação cara porque para além da substituição das lâmpadas, é também necessário trocar os candeeiros. Aquelas campânulas retangulares ou cónicas de alumínio deram lugar a uns candeeiros, mais estreitos e esguios, de aparência mais atraente e moderna. Os elevados custos envolvidos nesta operação fazem com que o retorno do investimento com a poupança energética só se consiga daqui por cinco ou seis anos. Mas a medida é, obviamente, positiva uma vez que Portugal tem uma grande dependência energética do exterior e, uma boa parte da eletricidade é ainda produzida a partir de fontes não renováveis. Portanto, é uma medida positiva do ponto de vista económico e ambiental.

A luz dos novos candeeiros é mais branca e deslavada que a das lâmpadas antigas, que era mais amarelada. Há quem diga que a iluminação dos LED causa um maior desconforto visual e que, em áreas residenciais, pode até provocar perturbações no sono, porque a luz branco-azulada interfere na hormona que regula o sono. E a mudança vai requerer algum tempo para habituação à nova tonalidade da luz. Em algumas curvas da estrada nacional o feixe de luz emitido pelos candeeiros dá a sensação que vem em sentido contrário um carro com faróis LED. Mas ao dobrarmos as curvas logo nos apercebemos que se trata de uma falsa sensação criada pelos novos candeeiros.

Independentemente dos aspetos negativos, a modernização da iluminação pública é uma iniciativa que promove um desenvolvimento socioeconómico mais sustentável, sendo portanto mais um bom exemplo do contributo que o desenvolvimento tecnológico pode acarretar para o ambiente e para a qualidade de vida das populações.

Antigos candeeiros com lâmpadas de sódio


Novos candeeiros com lâmpadas LED



domingo, 31 de janeiro de 2016

Eleições presidenciais 2016

No passado domingo fomos chamados a eleger o novo Presidente da República. A campanha eleitoral foi morna e desinteressante. Os debates desenxabidos e sonolentos. Esgrimiram-se acusações pessoais (você chamou Léle da Cuca ao Pinto Balsemão!), levantaram-se dúvidas sobre a formação dos candidatos, competiu-se para ver quem era mais independente, deram-se informações inesperadas sobre o número do calçado e a altura dos candidatos. Tudo questões relacionadas com o “superior interesse nacional”. 

Ao Marcelo, dominicalmente em campanha eleitoral há mais de 10 anos, bastou-lhe fazer de morto e manter uma distância higiénica a Passos Coelho. Distribuiu sorrisos e palmadinhas nas costas, piscou o olho à esquerda, elegeu a simpatia como bandeira da sua presidência e geriu (e encenou) como ninguém os aparecimentos televisivos, mesmo no dia das eleições. A estratégia resultou e conquistou 52% dos votos, evitando os dissabores de ir a uma segunda volta. 

Os candidatos da área do PS, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, envolveram-se numa luta fratricida, uma espécie de segundas primárias entre Costa e Seguro. À semelhança do que sucedeu em 2006, o PS não foi capaz de unificar o apoio em torno de um único candidato, facilitando a vida ao candidato da direita. Maria de Belém, com uma campanha oca de ideias e de projetos, foi abalroada pelo escândalo das subvenções e acabou por obter uma votação vergonhosa. Por isso, Costa apesar de ter perdido novamente umas eleições, teve mais uma vitória, pois afastou definitivamente a oposição interna segurista. 

A Marisa Matias foi uma das surpresas positivas das eleições. A tal “candidata engraçadinha” de que o Jerónimo falou, impôs-se com ideias claras, marcou a agenda dos debates, fez uma campanha séria e passou a imagem de uma mulher de raízes humildes, que chora, comove-se e bate-se pela defesa dos mais vulneráveis. Conseguiu uma votação histórica. Pelo contrário, Edgar Silva obteve um resultado muito magro, que deve ter deixado o Jerónimo apreensivo quanto à estratégia a seguir. O PCP, ao contrário do Bloco, continua amarrado a um passado que se auto-implodiu e a defender o indefensável. Por exemplo, não se percebem as hesitações e os circunlóquios do Edgar Silva, quando lhe perguntaram se a Coreia do Norte é uma ditadura. É uma ditadura horrenda que oprime o povo e ponto final. Só não vê quem não quer. 

Os restantes candidatos eram os peixes miúdos, desalinhados do sistema, em busca de protagonismo. O Tino de Rans, com aquela sua boa disposição e simplicidade que a gaguez ainda acentua mais, teve uma votação expressiva, ficando a escassos 50 mil votos da experiente Maria de Belém. O voto no Tino foi um voto de protesto dos que se opõem ao sistema instituído e que viam no calceteiro a possibilidade de se auto-elegerem para Belém. O Paulo Morais parecia um disco riscado sempre a martelar na tecla da corrupção. E daí não saía mesmo que lhe perguntassem sobre o estado do tempo (está a chover porque corromperam o S. Pedro…). Com aquele discurso repetido até à exaustão, cansou e desmobilizou os eleitores. Agora, Paulo Morais deve estar a pensar que a maioria dos portugueses foi corrompida pelo Marcelo. O Henrique Neto é um caso de psiquiatria ou de mudança de personalidade. O empresário que vinha da esquerda, assumiu-se com um discurso neo-liberal de direita, populista e com laivos fascistas. Como se não bastasse, assumiu-se como um visionário que foi capaz de antever muitos acontecimentos, como a crise de 2008 e o estado islâmico. Nem a Maya! Só não previu a sua derrota estrondosa. Os outros dois candidatos disputaram os últimos lugares, um vai ficar conhecido pelos óculos extravagantes, o outro por desconfiar que todos têm diplomas falsificados.

Com semelhante painel de candidatos e, em tais circunstâncias, o Marcelo não precisou de se esforçar muito para que os portugueses lhe dessem um claro voto de confiança. E assim vai suceder ao mais medíocre presidente que tivemos no pós 25 de Abril que, ao longo de 10 anos viveu acantonado no Palácio de Belém, refém das suas ideologias e das suas manobras nos bastidores, denegrindo o cargo presidencial e traindo reiteradamente as funções que jurou cumprir e fazer cumprir. Um presidente acanhado, irritado, desconfiado, continuamente a gerir silêncios e tabus, que sempre que falava, geralmente se enterrava. Não vai deixar saudades! É praticamente impossível que Marcelo não seja um presidente melhor.

Em Palme, os resultados não diferiram muito dos registados a nível nacional. Conservadores, os eleitores da freguesia votaram massivamente em Marcelo, que teve mais votos que todos os outros candidatos juntos. Mais que Marcelo, só mesmo a abstenção. Do total de inscritos nos cadernos eleitorais da freguesia, 460 não foram votar. Ainda assim, a abstenção em Palme (47%) foi inferior à média nacional que superou novamente os 50%. Se a abstenção contasse e não tivesse limite de mandatos, sucederia a si mesmo no Palácio de Belém, que ficaria novamente sem inquilino. Em Palme, o segundo candidato mais votado foi o Sampaio da Nóvoa, ao que se seguiu o Tino de Rans, que amealhou mais votos que candidatos do sistema, como Marisa Matias, Maria de Belém e Edgar Silva. O Jorge Sequeira, com aquele discurso motivacional, não convenceu nenhum palmense a votar nele. E pronto, está tudo dito. O palácio de Belém já tem inquilino para os próximos 10 anos. Em 2026 chegará a vez de outro.

Resultados das eleições presidenciais 2016 em Palme