segunda-feira, 3 de junho de 2019

Volfrâmio

1 de setembro de 1939. A Alemanha invade a Polónia, dando início à Segunda Guerra Mundial, que se haveria de prolongar por seis longos anos de miséria, desgraças, tortura e morte. Ao todo, mais de 60 milhões de pessoas perderam a vida no sangrento conflito, que se alastrou por todo o mundo. Portugal, mal a guerra rebentou, anunciou logo a sua neutralidade: o país não estava ao lado do Eixo (Alemanha/Itália), nem dos Aliados. Mas Portugal tinha um recurso natural que foi muito cobiçado e que Salazar usou como moeda de troca para assegurar o abastecimento de bens essenciais ao funcionamento do país. Esse recurso era o volfrâmio (ou tungsténio). Na indústria do armamento, o volfrâmio era utilizado como endurecedor de ligas metálicas para a construção de armas, nomeadamente para revestir projéteis, obuses e granadas. Ou seja, o volfrâmio era procurado para os Alemães e os Aliados se matarem uns aos outros nos campos de batalha. Mas Portugal não estava preocupado com o fim a que destinava o volfrâmio, mas sim nas receitas que poderia arrecadar com a sua venda.

A elevada procura e os altos preços do volfrâmio originaram uma autêntica corrida ao minério. As populações em redor de locais com minério abandonaram os campos e tentaram a sua sorte nos montes, pedreiras e minas à procura das pedras pretas. Para evitar a especulação, controlar a exploração e evitar uma fuga maciça do campo para os montes, o Governo criou em 1942 a Comissão Reguladora de Comércio de Metais e fixou o preço do volfrâmio em 150$00 por kg. Nessa altura, no mercado livre, o preço do minério já andava pelos 500$00 o kg. Em termos práticos, esta medida do Governo estimulou o contrabando e os candongueiros, ou seja, o mercado paralelo onde os preços chegaram a atingir os 1000$00 por kg. Ora 1000$ na década de 1940 era uma pequena fortuna. O trabalho do campo, de estrelas a estrelas era pago a 2,5$00 ou menos ainda. Portanto, uma única pedra de volfrâmio de 1kg correspondia a anos e anos de duro trabalho no campo. Por isso mesmo, muitas pessoas deixaram as terras ao abandono e encaminharam-se para os locais onde havia este autêntico ouro negro que alimentava a indústria da guerra. No terreno instalam-se empresas com concessão própria, exploradores com contrato ao serviço dos concecionários e um sem número de aventureiros e exploradores, que esventraram o solo à procura das preciosas pedras negras. Outros dedicavam-se simplesmente ao furto do minério nas explorações já demarcadas, ao roubo do volfrâmio nas próprias minas, ou através de emboscadas aos camiões de transporte. Outros ainda dedicavam-se à tarefa de “martelar” o volfrâmio, que era impingido a compradores menos experientes. Uma das técnicas consistia em fritar em azeite e petróleo escórias do volfrâmio ou pirites, que depois se assemelhava a volfrâmio verdadeiro. Os compradores menos experientes pagavam fortunas por estas traficâncias, que depois não valiam nada, levando-os à ruína. Pelo porto de Viana do Castelo, seguiu muito do volfrâmio clandestino, sendo transportado em pequenos barcos para cargueiros ingleses. Em 1942, os preços do volfrâmio em Viana do Castelo foram mais elevados que os praticados na cidade do Porto, para onde convergia muito do minério da região norte e centro do país.

O estatuto de país neutral permitiu a Portugal vender volfrâmio tanto à Alemanha de Hitler, regime pelo qual Salazar tinha alguma simpatia e estava ideologicamente próximo, como aos Aliados, nomeadamente à Inglaterra, país com o qual Portugal mantinha uma velha Aliança. Por isso, Portugal envolveu-se em duras e prolongadas negociações com os blocos beligerantes para fixar a quantidade de minério a fornecer e as contrapartidas a receber. E por causa do volfrâmio, o país sofreu enormes pressões de ambos os lados e esteve, inclusivamente, em risco de ser invadido. O primeiro acordo foi assinado com a Alemanha em 1942 ao abrigo do qual Portugal se comprometia a enviar 2800 toneladas/ano ao  preço de 150$00 por kg. Em contrapartida, a Alemanha comprometia-se a enviar para Portugal diversas toneladas de bens para a indústria e agricultura (ferro, vagões de comboios, sulfato de amónio, etc.). O acordo luso-alemão provocou enorme desagrado aos ingleses que decretaram um bloqueio económico a Portugal. Por isso, Salazar teve também que negociar um acordo com os Aliados (ingleses e americanos) para o fornecimento de 4000 toneladas de volfrâmio/ano, em troca de produtos diversos. Portugal, porém, não tinha capacidade para entregar tais quantidades de minério e, por isso, ambos os acordos foram renegociados em 1943. Com o recuo dos Alemães nas diversas frentes a partir de 1943, a pressão dos Aliados para que Portugal deixe de fornecer volfrâmio à Alemanha intensifica-se. Salazar, procura sempre adiar qualquer decisão, pois sabe que as receitas do volfrâmio são fundamentais para a economia do país. Até que em 1944, a Inglaterra apela à Aliança e às obrigações contratuais de Portugal como velho aliado da Inglaterra. Salazar fala de um prejuízo de 10 milhões de libras por ano para a economia nacional, mas já não havia qualquer margem de manobra. E assim, em 12 de junho de 1944, 6 dias depois do desembarque das tropas aliadas na Normandia, o Governo português publica o Decreto-Lei nº33 707, que suspende a exploração e a comercialização do volfrâmio. Terminava assim uma dura batalha da diplomacia portuguesa e o sonho de muitos novos ricos, traficantes e candongueiros, que tentavam fortunas fáceis à custa do minério.

No concelho de Barcelos, o volfrâmio foi também explorado, mas de uma forma geral em pequena escala. Foram três as minas concessionadas para a exploração do volfrâmio, estando atualmente todas elas desativadas e abandonadas: a mina do Lugar da Pena em Vila Frescaínha de São Martinho, a mina do Carqueijoso em Oliveira, e a mina da Castanheira, em Courel e Paradela. Para além destas minas legais e concessionadas, houve muitas outras explorações de caráter furtivo e ocasional, que nasceram da forte procura e da alta de preço, onde a extração não obedecia a qualquer plano ou projeto. Foi o caso das explorações feitas no monte de Fragoso, que ficaram conhecidas como “minas do minério”. Sobre as minas de volfrâmio em Fragoso, infelizmente não há quase nada escrito sobre o tema. Sabe-se a sua localização (Figura 1) e das galerias que vale a pena explorar com auxílio de uma lanterna. O tema foi pretexto para uma música do grupo “Colheita Alegre”, que conta a história das pessoas da freguesia que abandonaram as leiras, foram para o monte à procura do “ouro negro”, e regressaram novamente às terras quando o Governo decretou o fim da exploração. Pela tradição oral, os mais velhos contam ainda que os seus pais ou irmãos mais velhos se dedicaram à dura tarefa de esventrar o monte em busca do minério negro. A perfuração era manual com auxílio de picaretas, marretas, guilhos, brocas e pás. Este trabalho bem como o transporte do entulho até ao exterior da mina era dedicado exclusivamente aos homens. Muitas mulheres e crianças vaguearam e trabalharam neste duro ofício de garimpar o volfrâmio em Fragoso. Dedicavam-se à lavagem e crivagem do minério extraído das galerias, para separar o minério do resto do entulho. Isso podia incluir também uma espécie de britagem, que consistia em partir pedaços de rocha grande, para deles extrair o minério. Mas a maior parte destas pessoas já morreram e as suas experiências e conhecimentos perderam-se para sempre. Uma pena! 

Alguns dos que se aventuraram pelo monte de Fragoso em busca de minério eram de Palme. Homens, mulheres e crianças que há 75 anos atrás tiveram a ténue esperança de que o volfrâmio lhes permitiria forrar o estômago, trazer alguma fartura à mesa e encarar o futuro com um pouco mais de confiança. Tive inclusivamente familiares que por lá andaram de picareta na mão à cata da pedra negra e de crivos na mão a separar o entulho do minério. Tudo em vão, porque a febre do volfrâmio rapidamente passou e as pessoas regressaram tão pobres como partiram às duras lidas do trabalho do campo. Para quem se interessar pelo tema, há alguns livros que contam as aventuras e desventuras das gentes que partiram dos campos para o monte à procura do ouro negro. Recomendo particularmente três livros: “Volfrâmio” de Aquilino Ribeiro; “As Minas de São Francisco” de Fernando Namora; e “Alegria Breve” de Vergílio Ferreira. No próximo mês fica desde já prometido novo regresso à década de 1940.

Fig.1 Localização de mina de volfrâmio em Fragoso



Fig.2 Aspeto do interior da mina