sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A proposta de reorganização administrativa para Barcelos da Unidade Técnica


Depois do Tribunal Constitucional ter chumbado a proposta de referendar a RATA do Relvas (soa mal mas é assim mesmo a sigla da Reforma Administrativa Territorial Autárquica…e reparem que eu disse Relvas e não Dr. Relvas, que é o pai da RATA) em Barcelos e depois da Assembleia Municipal se ter pronunciado pela manutenção das actuais 89 freguesias, o processo seguiu para a designada Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território, que assim passou a ter a incumbência de fazer chegar à Assembleia da República uma proposta de reorganização administrativa. E acabadinha de sair, aí está a proposta da Unidade Técnica para Barcelos. Numa primeira abordagem, a proposta é muito lacónica, tem a secura de um depoimento e uma repetição enjoativa de “considerandos” que percorrem o texto do princípio ao fim. Mas deixando para trás a forma estandardizada que deve ter sido utilizada para compilar as dezenas de relatórios que a Unidade Técnica se viu obrigada a produzir, a proposta surpreende por ficar aquém do que era esperado e por propor algumas soluções improváveis. Como se referiu em posts anteriores, a transposição cega dos critérios da Lei nº22/2012, de 30 de Maio, levaria a uma razia no mapa administrativo, pois nenhuma freguesia cumpria os requisitos populacionais estipulados. Agora, a Unidade Técnica apresenta duas propostas: a solução A que corresponde à aplicação dos critérios da referida Lei; e a solução B que a mesma equipa considera ser mais consentânea com a realidade do território. Na proposta A, a unidade técnica propõe a fusão das seguintes freguesias:

- Barcelos, Vila Boa, Vila Frescaínha de São Martinho e Vila Frescaínha de São Pedro;
- Alvelos e Barcelinhos;
- Alvito S. Pedro, Alvito S. Martinho e Couto;
- Creixomil e Mariz;
- Chorente, Góios, Courel, Pedra Furada e Gueral;
- Alheira e Igreja Nova;
- Viatodos, Grimancelos, Minhotães e Monte de Fralães;
- Sequeade, Bastuço de S. João e Bastuço Stº Estêvão;
- Gamil e Midões;
- Areias de Vilar e Encourados;
- Vila Cova e Feitos;
- Campo e Tamel S. Fins;
- Quintiães e Aguiar;
- Milhazes, Vilar de Figos e Faria;
- Vilar do Monte e Stª Leocádia;
- Durrães e Tregosa;
- Negreiros e Chavão;
- Carreira e Fonte Coberta.

A proposta B mantém todas as fusões anteriores com excepção de Alvelos/Barcelinhos e acrescenta ainda a fusão de:
- Silveiros com Rio Covo Stª Eulália,

No total, as propostas prevêem a extinção de 46 freguesias, o que corresponde a cerca de metade das actualmente existentes. No entanto, da proposta ressurgirão 18 novas freguesias às quais é proposto o estapafúrdio nome de “União das freguesias de…”. Se esta proposta de designação fosse mantida, um actual residente em Barcelos passaria a morar na “União das freguesias de Barcelos, Vila Boa, Vila Frescaínha de São Martinho e Vila Frescaínha de São Pedro”! Já imaginaram o número de linhas que seria preciso acrescentar nos documentos oficiais para acomodar tão longas e pomposas(?) designações? Sem comentários…Seque-se que feitas as contas do deve e do haver, Barcelos perderá um total de 28 freguesias, passando então a contar com 61.
Como já aqui se expressou, a reorganização administrativa não é um erro em si mesmo, bem pelo contrário, e justifica-se até em muitos casos, como em Barcelos. O que está errado é o pressuposto economicista que lhe está subjacente e a forma como o processo político foi conduzido, quer a nível central (de imposição e à revelia da autonomia do poder local), quer a nível municipal, onde houve um alheamento propositado para atrasar o processo e para evitar penalizações nas próximas eleições autárquicas. Já para não falar que o presidente da Unidade Técnica (Manuel Porto) referiu publicamente que não era entusiasta desta reforma administrativa. Por isso, a reforma nasceu torta, o processo decorreu de forma inquinada e a proposta enferma da falta de legitimação das entidades locais. E evitavam-se propostas descabidas como a de agregar Barcelos, uma das duas freguesias urbanas do município, a um conjunto de freguesias de características mais rurais. Nos restantes casos, as soluções propostas são mais naturais, algumas delas vão ao encontro de algumas aproximações feitas nos últimos meses (Chorente, Góios, Courel, Pedra Furada e Gueral; Vila Cova e Feitos), mas resta esperar pela reacção das Juntas e das populações para se aferir o seu grau de concordância com o desenho proposto. E obviamente, a posição da Câmara Municipal.
Agora o que não deixa de ser surpreendente é o número de freguesias que escaparam de forma ilesa ao crivo utilizado pela Unidade Técnica. Neste lote de sobreviventes surge a nossa freguesia, bem como muitos outros casos como a freguesia de Aldreu que, com 904 habitantes, mantém intactas as suas fronteiras. Como também se referiu oportunamente, nenhuma destas freguesias tinha dimensão demográfica suficiente para se manter como tal, sendo que o cenário mais previsível seria a diluição de Palme, Aldreu e Fragoso. Porém, a proposta da Unidade Técnica mantém o estatuto destas e de muitas outras freguesias de Barcelos. Resta saber porquê. Por falta de tempo para uma reforma mais aprofundada? Por incompetência técnica de interpretação dos critérios? Por suavização dos critérios considerados? Por orientações do Relvas para não criar ainda mais ruído em torno da já de si depauperada imagem? Por acção de lobbies instalados nas freguesias? Ou será que foi pelas recomendações deixadas neste blogue? (improvável). Qualquer que seja o motivo parece que Palme vai continuar a existir como tal, o que acarreta algumas desvantagens, mas também diversas vantagens, nomeadamente para aqueles que têm pretensão de fazer carreira política na Junta. E evita outros transtornos menores, como a necessidade de mudar o nome deste blogue de referência (já viram se o blogue fosse uniãodasfreguesiasdePalmeAldreueFragoso@blogspot.pt), era de fugir!). Por agora resta esperar pelas reacções das pessoas, dos autarcas e dos partidos e pelo desfecho que este processo vai ter. Ficam desde já prometidas para breve novas intervenções sobre este assunto assim que se justificar. Comentários, sugestões, críticas: freguepalme@hotmail.com




Proposta A de Reorganização Administrativa de Barcelos da Unidade Técnica



Proposta B de Reorganização Administrativa de Barcelos da Unidade Técnica

terça-feira, 30 de outubro de 2012

História e acontecimento marcantes da freguesia de Palme (I)


Os seguidores mais atentos deste blogue deverão recordar-se que, num dos posts passados, ficou a promessa de trazer aqui uns apontamentos sobre a história de Palme. Adverte-se desde já que por este blogue não milita nenhum historiador, arqueólogo ou qualquer outro cientista social afim pelo que, se alguém mais entendido detectar alguma imprecisão ou equívoco, deverá pronunciar-se para bem do rigor histórico (os comentários serão bem-vindos assim como mensagens para o email: freguepalme@hotmail.com). O trabalho que se segue resulta de uma breve investigação e na compilação de informação dispersa por vários documentos, com o objectivo de explicar quão tão antiga é a presença humana na nossa terra e de desvendar alguns dos momentos e dos episódios mais significativos do seu passado. Daí o sugestivo (ou nem por isso) título de “História e acontecimentos marcantes da freguesia de Palme”. Para o texto não se tornar demasiado longo e fastidioso, optou-se por fraccioná-lo em três partes: (i) da pré-história à Idade Média; (ii) da Idade Média ao século XIX; (iii) do século XIX à actualidade. Assim, cada um dos três posts assumirá a forma de um pequeno fascículo sobre cada um daqueles períodos. Espera-se desta forma contribuir para um melhor entendimento da presença humana no território e para a necessidade de preservar o legado que os nossos antepassados nos deixaram sob a forma do património material e imaterial, que se reflecte na nossa memória colectiva e naquilo que somos. Nesta primeira viagem, a partir dos vestígios que chegaram aos nossos dias, recuámos ao período mais distante que nos é possível determinar e que constitui o ponto de partida para esta digressão à história de Palme.


Parte I

Da Pré-história à Idade Média
A ocupação humana no território que corresponde à actual freguesia de Palme remonta a tempos muito recuados, havendo vários vestígios que comprovam a presença humana desde a pré-história, nomeadamente na zona correspondente ao planalto da Figueiró. Até à abertura da EN 103, no século XIX, o planalto da Figueiró era uma área relativamente remota e de difícil acesso. Nessa zona foram encontrados vários vestígios pré-históricos, que são difíceis de determinar, mas que Almeida (1993) situa no contexto do Megalitismo do Norte de Portugal (nos III e II milénios a.C.). Mas fora desta zona também foram encontrados artefactos muito antigos. Por exemplo, nas imediações do Mosteiro de Palme foi encontrado um sílex com cerca de 6000 anos. Outras peças de pedra trabalhadas em quartzite foram encontradas nos montes de Fragoso e de Carapeços, assim como vários restos arqueológicos da Idade do Bronze e do Ferro. Deste modo pode concluir-se que o Homem se fixou no território correspondente à actual freguesia de Palme e na sua envolvência há muitos milhares de anos atrás. Os testemunhos deixados pelos nossos antepassados são, por isso, de inegável valor histórico e patrimonial. Os mais importantes, alguns dos quais ainda podem ser observados nos locais originais, são constituídos pelas mámuas e pelos menires (Figura 1). O maior número destes monumentos, que remontam à Idade do Bronze e do Ferro e que se integram na chamada Civilização Castreja, foi encontrado, precisamente, no planalto da Figueiró.
As mámuas são monumentos funerários, têm uma forma circular e convexa, que resulta do topo ter sido fechado por lages de pedra, as quais eram depois cobertas por terra. Apresentam uma dimensão muito variável, que pode ir de alguns metros de diâmetro até várias dezenas de metros. A crença de que as mámuas tinham escondidas riquezas que foram sepultadas com os mortos, levou à sistemática violação destes monumentos funerários, pelo que muitas delas foram destruídas ou vandalizadas ao longo do tempo.
No perímetro de Palme são conhecidas quatro mámuas, embora existam mais algumas nas imediações, nomeadamente nos Feitos (Poço do Vintém) e em Fragoso (nas proximidades do Monte de S. Gonçalo). Uma das mámuas conhecidas está localizada no Souto de Cerquido, perto da EN103. Trata-se de um monumento funerário pequeno, com câmara violada, com um “tumulus” e um corredor voltado para Nascente. Nos limites de Palme com Vila Cova está também implantada junto à EN uma mámua com características idênticas, sendo conhecida por “mámua do Sobreiro do Rei” (Almeida, 1993). Está localizada a curta distância da berma da EN103, a escassos metros do entroncamento do acesso a Vila Cova. Junto ao caminho que liga a referida EN a Bustelo, no lugar conhecido por Vilar, encontram-se mais duas mámuas (Oliveira, 1982). A primeira delas surge do lado esquerdo no sentido da EN 103 para Bustelo, numa bouça, a escassos metros de uma moradia que ali foi construída (Figura 2). É um monumento largo, de planta circular, com cerca de 20 metros de diâmetro por 1 metro de altura. Tem uma cratera de violação não muito profunda mas muito abrangente. A segunda delas está distanciada a 950m da primeira, encontrando-se a cerca de 15m do muro do caminho que vai de Bustelo ao lugar de Sião. É bastante mais pequena, tendo 8m de diâmetro por 1,5m de altura. Tal como a anterior, esta mámua apresenta uma cratera de violação, mas menos profunda. A curta distância destas, mas já na vizinha freguesia de Feitos, localiza-se a mámua do Poço do Vintém, também ela de pequenas dimensões e com sinais de vandalização: as pedras do interior foram retiradas e a câmara do túmulo passou a ser utilizada como depósito de lixo. Nesta área de Vilar/Bustelo/Feitos, Almeida (1993) refere que existiam mais duas mámuas que entretanto foram totalmente destruídas. Mais para Nascente, nas imediações do Monte de S. Gonçalo (Fragoso), existem mais duas mámuas. Uma delas localiza-se no lugar conhecido por Ferração, na encosta pedregosa do referido monte que está virada a Sul. A outra corresponde ao local onde está implantado o marco geodésico, que foi colocado sobre a câmara de uma mámua de pequenas dimensões. Fora desta área, na extremidade Sul dos terrenos pertencentes ao Mosteiro de Palme (Aldreu) existe outra mámua (Figura 4). O conhecimento desta mámua não é novo, pois já em 1873 foi colocado sobre o túmulo uma inscrição que diz: “aqui e no monte do Crasto há indícios e ruínas da decadência dos romanos. Tudo passa.” (Teotónio, 1987). Esta inscrição permite concluir que, pelo menos na segunda metade do século XIX já era conhecida a natureza do pequeno montículo que resguardava o monumento, bem como das ruínas do monte do Crasto. O erro foi o de atribuir estas construções aos romanos, uma vez que a sua origem é mais recuada. A cerca de 200m a poente desta última está localizada outra mámua de dimensões ainda maiores. Tem uma configuração cónica, um diâmetro de 55m e uma altura de 8m. De todas é a única que aparenta não ter sido violada (Maciel, 1997). Por esta razão, o lugar onde está implantada (consiste numa pequena mancha florestal) é conhecido por “Mámua”.
Quanto aos menires, o seu conhecimento e identificação ficou a dever-se aos trabalhos do Dr. Penteado Neiva, que levou a cabo um conjunto de prospecções arqueológicas no planalto da Figueiró, na década de 1970. O estudo permitiu identificar a existência de dois menires, que estavam localizados na divisória de Palme com Feitos, tendo sido posteriormente ambos deslocados. Os menires correspondem a blocos rochosos, em regra de forma fálica, que eram erigidos pelos povos do Megalítico em homenagem ao culto da fertilidade. De acordo com Almeida (1993), estes dois menires em conjunto com os existentes no vizinho concelho de Esposende (S. Paio Antas, Forjães e S. Bartolomeu do Mar) formam o mais importante núcleo megalítico deste tipo de monumentos de todo o Norte de Portugal. Um dos menires é conhecido por “Marco da Zarelha” (Figura 5). Inicialmente estava localizado na Bouça do Quinhão, a escassos metros de uma das mámuas situadas no caminho para Bustelo. Em 1989, com as obras de alargamento deste caminho, o menir foi removido e foi colocado no largo defronte à sede da Junta dos Feitos, onde foi implantado numa espécie de vaso de tijolo e betão (atentado maior seria difícil de perpetrar!). Originalmente, o menir tinha 1,80 metros de altura, dos quais 0,40 metros estavam enterrados) e encontrava-se ligeiramente inclinado para Sul. Como é comum neste tipo de monumentos, o menir tem uma forma fálica, que foi conseguida pelo adelgaçamento da sua parte superior e pela inclinação dada. Foi construído em granito grosseiro, o que explicará a maior erosão detectada na sua parte superior. Nesta há um chanfro rectangular que foi mais tarde esculpido para dependurar uma cruz de madeira, com a qual o menir era decorado sempre que no caminho passava uma procissão a caminho de um calvário situado junto a Bustelo.
O outro menir é conhecido por “Pedra do Coelho” (Figura 6) e estava também localizado na divisória entre Palme e Feitos. A descoberta deste menir foi algo fortuita, pois ficou a dever-se à informação de um morador de Bustelo, aquando dos preparativos da remoção do Marco da Zarelha. Nessa altura, o previdente habitante informou os Serviços da Câmara que uma pedra idêntica havia sido enterrada ali próximo, na sequência das mesmas obras de alargamento do caminho. Com base nesta informação, os Técnicos do município resgataram o menir enterrado, que foi levado para o Museu Arqueológico de Barcelos, onde ainda hoje pode ser observado. A Pedra do Coelho tem características muito idênticas às do outro menir (dimensão, forma fálica, inclinação, existência de um chanfro), distinguindo-se por ter sofrido uma menor erosão e por possuir uma cruz esculpida na parte superior numa tentativa, como refere Almeida (1993) de “cristianizar a pedra”. O que não é possível determinar é se estes dois menires faziam parte de um conjunto mais amplo (de um alinhamento ou de um cromeleque), que foi destruído com o passar do tempo, ou se a sua proximidade era uma mera coincidência.
No extremo Norte da freguesia, no limite com Aldreu, à face de um caminho de acesso florestal, encontra-se um menir de pequenas dimensões (Figura 7). Está inserido num muro numa curva de ângulo muito fechado, pelo que tem sofrido diversas escoriações provocadas pela passagem dos tractores, estando por isso em risco. Tem cerca de 1m de altura e 0,35m de largura. Apresenta um truncamento junto ao topo, bem como aquilo que parecem ser dois fossetes, numa tentativa aparente de decorar esta peça (Maciel, 1997).
Um outro local onde se encontram diversos vestígios da Civilização Castreja é o monte do Crasto (Figuras 8 e 9). Este monte que actualmente está integrado na freguesia de Aldreu mas que, em tempos, pertenceu à antiga freguesia de S. Salvador de Palme, guarda ainda o topónimo de um povoado castrejo da Idade do Ferro, que esteve implantado neste cabeço. Embora o tempo e a acção humana se tenham encarregado de apagar a maior parte dos seus vestígios, algumas prospecções permitiram detectar vestígios de vários períodos, desde a Idade do Ferro à Idade Média. De acordo com Carvalho (2008), este castro era constituída por duas muralhas e um fosso, que estava localizado no exterior da muralha, a Nascente e que, actualmente, está atulhado. O povoado era dominado por uma pequena acrópole cuja defesa era assegurada pelas muralhas de pedra. No interior desta muralha são ainda visíveis o que resta das antigas casas de forma circular e rectangular. É no espaço delimitado pelas muralhas que se têm encontrado vestígios de várias épocas, incluindo a tégula, o imbrex e a cerâmica castreja, mas também a olaria medieva (olas, potes, fundos de alguidares, etc.). A ligação do Mosteiro de Palme ao monte do Crasto, de acordo com Almeida (1993) surge num documento medieval onde é descrito que um tal de “Alfe Tamiel” foi doado em testamento ao referido Mosteiro. Almeida (1993) acredita que este “Alfe Tamiel” é precisamente o monte do Crasto. Apesar, como se disse, deste monte não estar no perímetro da actual freguesia de Palme, esteve-o em tempos, nomeadamente quando a freguesia de S. Salvador de Palme foi extinta e o seu perímetro (onde se incluía este monte) foi anexado a Stº André de Palme. Ainda hoje, a recente toponímia adoptada nas ruas da freguesia guarda a memória deste monte, havendo um caminho baptizado por “Calçada do Cresto” (“Cresto” é uma variação errada de Crasto que os residentes locais insistem em manter).
Em suma, a histórica presença humana no território correspondente à actual freguesia de Palme, como não poderia deixar de ser, não foi um fenómeno isolado e enquadra-se no contexto da ocupação verificado na região envolvente. Esta mesma conclusão é defendida por Almeida (1993) quando refere que “os sectores que presidiram à ocupação do espaço geográfico do planalto Figueiró/Vilar, do alvéolo dos Feitos e das encostas do Monte de São Gonçalo, são as mesmas que estiveram subjacentes às zonas limítrofes que se estendem de Vila Chã a S. Bartolomeu, S. Paio e Forjães. Em toda esta zona, que vai do mar até às encostas dos montes de S. Gonçalo e de S. Mamede, não faltavam áreas com aptidão agrícola e pastagens, capazes de garantir o sustento de homens e de animais para uma zona de baixa densidade populacional”. As características da área correspondente ao planalto da Figueiró (território isolado, com abundância de água e de solos férteis, nas proximidades de montes elevados) foram, na verdade, determinantes para a fixação dos nossos antepassados, pelo que a Figueiró e Bustelo poderão ter sido os sectores onde se instalaram os primeiros e os mais importantes povoados da actual freguesia. O próprio topónimo “Bustelo” deriva do baixo latim “bustellum”, que significa pastagem. O pastoreio de gado miúdo (cabras e ovelhas), que se fazia normalmente de forma comunitária através do sistema de vezeiras, deverá ter tido muito importante para a sobrevivência destas comunidades humanas. Ainda no século XVIII surgiam referências às “Besseiras” de Bustelo e aos diversos pastos de gado existentes na Figueiró e no Monte de S. Mamede (Feitos), como descreve o Padre Gomes nas memórias paroquiais de 1758.

Figura 1: Distribuição das mámuas e do menir em Palme

Figura 2: Mámua de Bustelo 1

Figura 3: Mámua de Bustelo 2

Figura 4: Mámua do Mosteiro de Palme

Figura 5: Menir Marco da Zarelha (Junta Freguesia de Feitos)

Figura 6: Menir Pedra do Coelho (Museu Arqueológico de Barcelos)

Figura 7: Menir do Barreiro

Figura 8: Monte do Crasto - cabeço do monte

Figura 9: Monte do Crasto



Bibliografia
Almeida, C (1993) “O aro megalítico do Planalto da Figueiró-Vilar”. In Barcelos Património, Nº1, pp.19-32.
Capela, J., Borralheiro, R (1998) Barcelos nas memórias paroquiais de 1758, CMB, Barcelos.
Maciel, T (1997) O povoamento proto-histórico do Vale do Neiva, Tese de Mestrado, FLUP, Porto.
Carvalho, H (2008) O povoamento romano na fachada ocidental do Conventus Bracarensis, Tese de Doutoramento, UM, Braga.
Teotónio, A. (1987) O Concelho de Barcelos Aquém e Além Cávado, Boletim do Grupo Alcaides de Faria, Barcelos.
Oliveira, V (1982) Megalitismo do Norte de Portugal: o distrito do Porto – os monumentos e a sua problemática no contexto europeu, Tese de Doutoramento, FLUP, Porto.

terça-feira, 12 de junho de 2012

O corta-relvas

Durante as últimas semanas, o cidadão anónimo ficou a saber que os serviços secretos que supostamente deveriam estar ao serviço dos interesses e da defesa do Estado são, afinal, utilizados para servir os interesses particulares de quem lá trabalha (ou trabalhou). Fomos ainda informados que os espiões se entretém a escutar e a fazer relatórios sobre jornalistas e empresários, não por constituírem uma ameaça para o Estado, mas unicamente com o objectivo de alimentar tricas pessoais e guerras de poder. Por isso, não é de estranhar que quando estes elementos saem dos serviços secretos têm as portas escancaradas das empresas às quais cederam informações confidenciais. 

Como se esta história não fosse funesta o suficiente, ficámos ainda a saber que há uma grande promiscuidade entre os serviços secretos, o poder político e o empresarial. Os protagonistas desta história são o ex-espião Jorge Silva Carvalho (JSC) e o ministro Miguel Relvas (MR). A investigação de uma jornalista revelou que JSC enviava SMS’s e emails para o ministro com sugestões e recomendações de pessoas para determinados cargos sensíveis. MR não gostou da investigação da jornalista e é aqui que toda esta história se torna mais nauseabunda, com o ministro a pressionar a jornalista via telefone, a ameaçar fazer um “black out” ao jornal por parte do Governo e a prometer que revelaria informações da sua vida pessoal na Internet, caso ela continuasse com a investigação. MR é, em boa verdade, uma das figuras mais sinistras do actual Governo e nesta história revelou todo o seu carácter, a arrogância, a ira e a covardia que mantém para com os seus opositores, mas que consegue camuflar nos debates públicos. É uma das típicas personagens do aparelho partidário que trepou na vida à custa da politiquice, esmagando aqueles que aparecem no seu caminho. Pelo meio, administrou uma empresa que está a ser investigada por fraude e evasão fiscal. Neste caso, não foi tão sagaz como de costume e deixou-se enredar num mar de contradições e de mentiras, que são mais do que suficientes para se perceber que está enterrado até ao pescoço. Ao não ter apresentado a demissão, conclui-se que não tem um pingo de humildade; ao não ter sido demitido, percebe-se que o primeiro-ministro é fraco, pactuando agora com comportamentos que vilipendiava quando era líder da oposição. O ministro, embora chamuscado, vai continuar no seu posto. Rolaram apenas as cabeças dos elos mais fracos desta história: a da jornalista que se demitiu por considerar que não foi devidamente protegida pela Direcção do jornal e a do adjunto político do ministro. E a coisa parece que vai ficar por aqui. 

Mas nestas histórias de espionagem à Portuguesa, mesmo aqueles que julgam controlar tudo e todos, não se livram de ver a sua vida escrutinada nas situações mais inesperadas. Foi o que sucedeu a MR que, durante a sua estadia numa unidade hoteleira de Barcelos, viu interceptada uma conversa que manteve com JSC. O autor desta proeza foi o antigo agente do KGB, Viktor Gasparovsky, que está radicado em Portugal há 20 anos. Com o desmantelamento da URSS, este ex-agente perdeu o emprego e emigrou para Portugal, onde trabalhou como ajudante de pedreiro. Em 2009, com a crise no sector, caiu no desemprego e, desde então, faz biscates de detective, de segurança privada e de espionagem. Depois de ter conhecimento da presença do ministro em Barcelos, instalou-se num quarto ao lado e, por artes próprias do ofício, entrou clandestinamente nos aposentos ministeriais, onde instalou um auscultador no telefone. Depois pôs-se à escuta e gravou as conversas no seu velho ITT, comprado em Leipzig, na antiga RDA, na esperança de arranjar algum dinheiro com a venda das cassetes. Foi assim que tivemos acesso à conversa entre MR e JSC, que transcrevemos de seguida, e que contém referências surpreendentes sobre Barcelos e Palme (estes homens controlam mesmo tudo!). A compra da gravação foi complexa devido ao valor exorbitante pedido por Gasparovsky, mas depois de três encontros e de duas garrafas de Stolichnaya no bucho, conseguimos não só um preço muito razoável (5000 rublos), como ainda uma preciosa ajuda na descodificação de alguns termos indecifráveis para um leigo (ver notas finais). Então, a conversa reza assim:
  
MR: Alô, sou eu! 
JSC: Ora viva! Não estava a identificar esse número! 
MR: A praia está limpa? (1) 
JSC: Afirmativo, as gaivotas estão em mar alto. (2) 
MR: Mas parece que estou a ouvir corvos marinhos?! (3) 
JSC: Negativo, é o som da telefonia que tenho aqui ao pé. A costa está livre… 
MR: Ufa! Um gajo já nem pode falar ao telemóvel descansado, pá! Por isso estou a ligar-te deste número fixo…Vasculharam-me as SMS’s e agora até tenho receio de ter o telefone sob escuta. Andam todos em cima de mim por causa da conversa que tive com aquela fulana. O que ela precisava era de uma ensinadela…não tinha nada que investigar a minha vida! Já tens o relatório pronto? 
JSC: Posso assegurar-te que o teu telemóvel é transparente (4). Quanto ao dossier, sim, já está concluído. Não faltam aspectos comprometedores sobre a vida privada dela. Depois passo-te a informação. É uma galdéria que anda metida com aquele badameco da oposição!... 
MR: Por isso é que ela me quer entalar! Estou farto desta tropa-fandanga de jornalistas que andam todos no meu encalço. A começar no Pedro Rosa Mendes, o Ricardo Costa, o Miguel Sousa Tavares e até esses esquerdistas que estão na ERCS. Era metê-los a todo num contentor e despachá-los para o Tarrafal. A velha é que tinha razão quando disse que o melhor era suspender a democracia! 
JSC: Mas por essa e por outras é que ela perdeu as eleições... 
MR: Deixá-la que é uma rancorosa cadavérica que anda para aí. Até foi bom ter perdido. Assim, o Sócrates enforcou-se pelas próprias mãos e estendeu-nos uma passadeira para o poder. Se ela tivesse ganho era a tralha cavaquista que tinha sido convidada para o Governo. Assim estamos nós! 
JSC: E o big boss tem-te maçado muito com este caso? (5) O teu lugar está em risco? 
MR: Não, essa hipótese nunca se colocou sequer. Ele tem noção que o PSD chegou ao Governo pela minha acção enquanto secretário-geral e pelo meu papel na elaboração do programa do Governo. Se eu saísse quem é que mantinha na ordem aqueles inúteis do Álvaro ou da Cristas? Mas está aborrecido com tanta fuga de informação sobre as secretas, que envolvem pessoas do PSD e grupos económicos amigos, o que o vai obrigar a agir. A estratégia agora é a de envolver o PS no caso, afinal muitas das nomeações nas secretas vêm do tempo do Sócrates. Mas as coisas parecem já estar a acalmar… 
JSC: Mas ainda tens em mãos dossiers sensíveis, como a privatização da RTP e a reforma administrativa… 
MR: Está tudo sob controlo, não há ondas. Aliás, até me deviam agradecer, porque o que estava previsto no acordo com a Troika era a redução do número de municípios, como fizeram na Grécia. Mas eu dei-lhes a volta, acaba-se com metade das freguesias e pronto. Se me fosse meter com os municípios ia abrir uma guerra mais difícil de travar com o Ruas e o partido ia perder muitas mais câmaras nas próximas eleições. Assim, é só aguentar o tipo da ANAFRE e os presidentes de junta, que nem falar sabem! 
JSC: Não é bem assim. Tenho informações de que em alguns municípios estão a constituir-se movimentos de resistência popular à extinção das freguesias. Eu até queria falar contigo por causa disso… 
MR: Ah sim? E que municípios são esses? 
JSC: Os vermelhos da margem sul e alguns revolucionários aí de cima. Um dos que estamos a acompanhar com mais cautelas é Barcelos. O presidente da câmara é frontalmente contra e aprovaram uma proposta bloquista para referendar a fusão das freguesias. O que eles querem é ganhar tempo e legitimar, com base no veredicto popular, o não à reforma. 
MR: Eu estou cá a medir o pulso à situação e essa história do referendo não vai passar do papel. Vê lá, Barcelos que até há pouco tempo era um município tão ordeiro e respeitador da doutrina social-democrata. Não admira, agora tem à frente um gajo com o mesmo nome do marechal que se sublevou em 1926. (6) Tens que me enviar um relatório com o nome dos revolucionários para ver o que se pode fazer. 
JSC: É verdade, no tempo do Reis estas coisas não aconteciam, por maior que fosse o dislate que ele dissesse, os munícipes, humildes e mansos, logo baixavam as orelhas. Mas o filho é da mesma têmpera do pai. Em Barcelos diz ser contra a reforma administrativa e no parlamento vota ao lado do seu partido. Pode ser que um dia ainda venha a ocupar o lugar do pai e a ter busto… 
MR: Sim, é um bom deputado esse Nuno Reis. Terá um futuro promissor certamente…e que mais é que sabes sobre a situação aqui de Barcelos? 
JSC: O principal problema é o grande corte que as freguesias vão levar, o que está a indignar a maior parte dos autarcas e muitos populares. Repara que são cerca de 40 freguesias que vão de vela! 
MR: E deviam ir todas! No Conselho de Ministros em que se discutiu a suavização dos critérios inicialmente previstos eu manifestei-me contra, mas os tipos do CDS começaram a estrebuchar por causa da lavoura, dos idosos, de outras coisas e loisas e acabaram por fazer vingar a deles. Mas se fosse comigo ia tudo raso… 
JSC: Pois, mas ainda assim há concelhos em que vão haver autênticas razias, como é o caso aí de Barcelos, onde já constituíram um movimento de luta contra a fusão das freguesias, que foi subscrito por um grande número de presidentes de Junta…no dia 10 de Junho até fizeram um grande alarido numa manifestação convocada para o efeito… 
MR: Que façam o que entenderem. Se na data prevista o município não tiver uma proposta de reordenamento, cortamos-lhe as transferências de verbas e fazemos nós a reforma a régua e esquadro. Depois, as pessoas que não se venham queixar que preferiam ficar com a freguesia a ou b. Que não fossem na conversa fiada da Câmara… 
JSC: A questão não é assim tão simples. Há freguesias que, desde tempos imemoriais, têm uma convivência muito difícil com as vizinhas, o que pode complicar a fusão. Em Barcelos há vários exemplos. O mais flagrante é o da freguesia de Palme, que não se dá com os vizinhos. Não gramam os Feitos porque tiveram a desfaçatez de se desanexarem de Palme há 100 anos atrás. Como se isso não bastasse, acalentam a ambição imperialista de um dia anexarem Bustelo, um lugarejo na extrema de Palme. Com Aldreu nem se fala, por causa da contenda com a posse do Mosteiro e do histórico conflito com o limite entre as duas freguesias. Os de Palme não perdoam o ar asseado e janota dos de Aldreu e estes roem-se de inveja pela dimensão e pelo dinheiro que julgam haver em Palme. De modos que não se tragam uns aos outros. Com Carapeços, é a geografia que impede a possibilidade. Com Vila Cova é a rivalidade de se saber quem é maior, com Palme a dizer que o seu território vai para além da EN 103, o que é refutado pela outra parte. E os restantes vizinhos são de outro concelho… 
MR: Palme, não estou a ver! Mas isso assim é uma grande balbúrdia! E como é que se vai resolver o problema? 
JSC: O que eles querem é continuar com a freguesia como está. Pelo menos é essa a pretensão de um grupo de resistentes que se auto intitula MAMA-P (Movimento Associativo da Manutenção da Aldeia de Palme). Já temos os seus cabecilhas debaixo de olho… 
MR: Que desgraçados! E qual é a posição da Junta? 
JSC: A Junta é das nossas, mas é contra a extinção. O presidente é um dos signatários do movimento contra a fusão das freguesias em Barcelos e também pertence ao grupo do MAMA-P (aliás é um dos que faz mais jus ao acrónimo). Mas, em boa verdade, como está em final de mandato, a extinção da freguesia é um assunto que não o apoquenta muito (como todos os outros assuntos, aliás). Mas, neste momento, o que nos preocupa mais é a actividade dos líderes do MAMA-P. 
MR: Então porquê, têm cadastro? 
JSC: Não, mas são duros e perigosos. Reúnem-se pela calada da noite a conspirar contra o regime. Têm ideias subversivas e angariaram alguns fundos para subsidiar as actividades conspirativas. Um deles, disfarçado de trabalhador da construção civil, desloca-se com frequência ao País Basco, onde tem uma rede de contactos duvidosos. Recentemente, interceptamos uma compra em larga escala de utensílios agrícolas, que suspeitamos poderem vir a ser utilizados num eventual levantamento popular: 22 forquilhas, 18 gadanhas, 28 foicinhões, 16 machados e 7 alviões. 
MR: Mas isso não estará relacionado com os trabalhos agrícolas próprios da época? 
JSC: Não, que a agricultura em Palme é totalmente mecanizada. Além disso, detectámos a compra invulgar de 3 sacos de sal-gema. Como sabemos que têm em sua posse meia dúzia de arcabuzes, desconfiamos que a mercadoria seja para disparar tiros de sal contra as forças de ordem, que são mais letais que os de chumbo. Têm um arsenal bélico de respeito. É uma corja de facínoras mal intencionados! 
MR: Então vocês estão preocupados com meia dúzia de gatos-pingados armados com forquilhas e bacamartes do tempo dos afonsinhos? Eu falo com o Macedo que manda lá uma força de intervenção rápida e arruma com eles. Vai tudo para o chilindró! 
JSC: É melhor não menosprezar as forças populares. Quando foi a questão do aterro, fizeram marchas lentas com cortes de estrada, cordões humanos, protestos à porta da Câmara. E tinham na calha acções mais violentas se a coisa fosse para a frente…olha ainda há pouco tempo um homem foi mortalmente baleado nos montes de Palme...
 MR: Ai são esses os de Palme? Já me recordo de ver umas reportagens na televisão. Realmente alguns tinham ar de trogloditas… 
JSC: Os minhotos, em geral, quando lhes chegam a mostarda ao nariz, perdem o tino. Não te esqueças que a Maria da Fonte, que era dessa zona, varreu o país a estadulho até Lisboa. 
MR: Eu não tenho medo de ninguém e até os como de cebolada…só um momento, tenho aqui o telemóvel a tocar…deixa-me ver quem é…eh pá, vou ter que desligar, é o José Eduardo dos Santos, deve ser por causa de uns projectos da Finertec no Lubito. Olha, logo que possas envia-me o relatório desses energúmenos de Barcelos e lá da tal freguesia, de preferência com ementa completa. (7)
JSC: Ok, entendido. Bons negócios aí com o chefão (a filha dele é que é um traço)! (8) 
MR: Mas não é para o teu dente! Mas olha, não mandes o relatório para o meu email institucional, envia para o Viking por via das dúvidas. (9) Adeus! Adeus! 

 Descodificação das frases ambíguas segundo a interpretação do ex-agente do KGB Viktor Gasparovsky: 
1) MR pergunta se podem conversar à vontade, se não há ninguém à escuta (se “a praia está limpa”). 
2) JSC responde que os espiões (“as gaivotas”) estão de folga, que é seguro falarem. 
3) MR ouve ruídos na chamada (“corvos marinhos”) e suspeita que a conversa esteja mesmo a ser escutada. (Gasparovsky acha que esses ruídos eram provocados pelo velho auscultador de fabrico soviético que instalara no telefone do quarto do ministro. Os 5000 rublos vão dar para comprar um novo dispositivo). 
4) O telemóvel do ministro nunca esteve sob escuta (está “transparente”). 
5) O “big boss” é o primeiro-ministro (para decifrar esta não era preciso ter curso de espião)! 
6) Aqui o ministro revela ignorância histórica: o nome do general era Gomes da Costa e não Costa Gomes. E era general, não marechal (bem visto Gasparovsky!) 
7) O relatório deve incluir o que fazer para eliminar a actividade dos reaccionários (detenção, deportação, eliminação…). É esse o significado de “ementa completa”. 
8) JSC descreve a filha do José Eduardo dos Santos como sendo boazona (oh Gasparovsky, nós essa tínhamos percebido, não era preciso descodificação…) 
9) Viking é o endereço de email alternativo do ministro. Mas porquê Viking? matutou Gasparovsky. Por analogia aos nórdicos espadaúdos, feios e maus? Não, que eles têm a cabeça enfeitada e isso não tinha lógica a não ser que o ministro…mas não! E já no final da segunda garrafa de Stolichnaya, Gasparovski deu uma palmada na coxa: Já sei! Viking é uma marca de corta-relvas! É pela coincidência da actuação, ambos cortam: um corta nomes, pessoas, empresas, freguesias, etc.; e o outro corta mesmo relvas e outras herbáceas.

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quarta-feira, 4 de abril de 2012

O grande incêndio de Palme

O dia 28 de Março de 2012 vai ficar na história de Palme como um dia fatídico. À semelhança do que aconteceu em 5 de Junho de 2006 e em 6 de Setembro de 1995, a floresta de Palme foi reduzida a cinzas e a troncos carbonizados. Mas, ao contrário dos dois últimos grandes incêndios, desta vez o fogo propagou-se descontroladamente e sem que ninguém o detivesse por áreas que nunca tinham sido atingidas: Sobreiros, Goldrez, Figueiró e Balança. Uma verdadeira catástrofe ambiental e económica, num período que tem sido tão fértil em desgraças, más notícias e inquietações.


Ao longo dos últimos seis anos, o monte foi-se transformando numa bomba relógio pronta a explodir, bastando para tal acender-lhe o rastilho. E os pirómanos, como bons conhecedores do ofício, são pacientes e sabem esperar pela ocasião certa para que não haja lugares a falhas. Por isso, os incêndios nesta zona atingem sempre grandes dimensões e são altamente destrutivos. E as condições estavam uma vez mais reunidas, não tendo sido necessário esperar pela abertura da época oficial dos incêndios. O Outono foi uma espécie de prolongamento do Verão e o Inverno até tinha passado despercebido, não fosse o frio que se fez sentir durante algumas semanas. Chuva nem vê-la, de modo que não havia humidade no solo. As temperaturas, apesar de não serem invulgares para o mês de Março, favoreceram a expansão do fogo, que teve na baixa humidade do ar outro aliado de peso. Nestas condições, só faltava esperar que soprasse uma brisa do Norte ou do Nascente para tanger as labaredas pelo monte fora, como de facto uma vez mais sucedeu. Para além das condições atmosféricas, os pirómanos têm que ser bons conhecedores das condições da vegetação, o que também se parece confirmar. O monte estava repleto de matéria combustível, uma vegetação densa, praticamente impenetrável, que cresceu espontaneamente desde 2006. Nalgumas zonas, os matos, os tojos, as giestas e os codessos atingiam mais de 2m de altura; os eucaliptos medravam pelo monte fora como se estivessem em alfobres de um descuidado silvicultor. Nestas condições só um milagre poderia evitar a catástrofe, mas a mão divina não deteve os intentos do pirómano… e o pior aconteceu.


Já há alguns dias que o fogo farejava o monte de Palme. O cheiro a queimado andava no ar, houve alguns ensaios preparatórios nas redondezas, como o fogo de Vila Cova e, no fim de semana anterior, deram-se início às hostilidades de maior envergadura, com o fogo de Quintiães. Na terça-feira, o fogo lavrava já em Carapeços e daí ao monte de Fragoso e de Palme foi um ápice. Já com o sinistro invasor às portas de Palme, o sinal de alarme partiu do alto da torre da Igreja, de onde, num acto de tragicomédia, o sino dobrou a finados em plena madrugada. Estremunhadas e confundidas, as pessoas que despertavam para o pesadelo, a princípio, interrogavam-se sobre a identidade da alma que trespassara, certamente alguém muito importante para ser assinalado em plena madrugada. Porém, o clarão que iluminava o campo de batalha e o zunido devorador do fogo deixaram claro que o toque do sino era para mobilizar a população contra o inimigo que se aproximava. E na verdade, muitos populares, com os meios que tinha ao seu alcance, acorreram à frente de combate, determinados a derrotar o fogo. Mas o sucesso da operação estava comprometido, quer pela desproporção das forças para fazer face a uma frente de fogo tão extensa, quer pelo facto do inimigo ter actuado a coberto da noite, dificultando ainda mais as acções de combate. Já à luz do dia e ao invés do que sucedeu em incêndios anteriores, desta vez verificou-se um menor envolvimento das pessoas no combate ao fogo. Na Balança, por exemplo, estavam magotes de pessoas, mas poucas eram aquelas que tentavam apagar as chamas. As pessoas como que foram assistir a um espectáculo de fogo de artificio gratuito, muitos estavam em amena cavaqueira, outros vestiam a pele de jornalistas, relatando os acontecimentos pelo microfone do telemóvel, outros escolhiam o melhor ângulo para a fotografia, alguns esboçavam mesmo sorrisos de satisfação por a bouça de fulano ter ardido por completo e por a de sicrano estar na rota do fogo. Os próprios bombeiros tinham instruções para deixar arder a mata, limitando-se a sua acção a proteger os edifícios. Verdadeira ou falsa, a notícia circulou como tal. Com efeito, os bombeiros foram pouco vistos, sobretudo no período da madrugada e da manhã. Com estas condicionantes naturais e humanas, o resultado está à vista: em pouco mais de 12 horas, o fogo consumiu a maior parte da floresta da freguesia e alastrou-se sem dó nem piedade pelas freguesias vizinhas, deixando um rasto de destruição atrás de si.


Como é do conhecimento de todos, o monte de Palme arde ciclicamente e em intervalos de tempo cada vez mais curtos. Há umas décadas atrás, só as áreas mais distantes e de difícil acesso eram atingidas, mas os fogos não alcançavam grandes proporções. Nessa altura, os matos eram cortados com muita regularidade, destinando-se a fazer a cama para o gado, enquanto a lenha era também muito mais procurada e aproveitada para combustível. Agora poucos são aqueles que têm gado e os poucos criadores não utilizam os matos nas vacarias. Quanto à lenha, aproveitam-se os toros grossos, mas as ramagens deixam-se ficar nos terrenos. Praticamente ninguém faz desbastes, mondas e limpezas na floresta. O monte está transformado numa grande balbúrdia, que reflecte o enorme desinteresse que as pessoas têm em preservar a floresta. As pessoas só se lembram da floresta por conveniência. Quando a freguesia se insurgiu (e bem) contra a localização do aterro sanitário, um dos grandes argumentos utilizados foi o de que iria destruir uma grande mancha florestal. Não faltaram panos pretos, com mensagens a favor da floresta e de repúdio do aterro. Mas o que é que tem sido feito contra esta ameaça bem mais destrutiva e letal e que repetidamente ataca a nossa floresta? Absolutamente nada.


É evidente que este estado de coisas também se deve à ineficiência das políticas e dos governantes. Na verdade, o desordenamento da floresta não é um problema exclusivo de Palme, mas sim um problema extensivo a todo o país, principalmente à região Norte. O principal problema reside no elevado fraccionamento das propriedades, o monte é propriedade de centenas de pessoas, muitos terrenos nem se sabe de quem são e a maior parte dos proprietários não tem o mínimo interesse em rentabilizar a floresta. Nestas condições é extraordinariamente difícil fazer uma gestão adequada da floresta e protegê-la do fogo. Mas o mais caricato é que estão em vigor diversos planos que identificam os problemas e que apontam soluções para a sua resolução. Por exemplo, a floresta de Palme está integrada no Plano Regional de Ordenamento Florestal do Baixo Minho (
http://www.afn.min-agricultura.pt/portal/gestao-florestal/profs/prof-do-baixo-minho). Uma das propostas deste Plano é precisamente a criação de uma Zona de Intervenção Florestal (ZIF) em Palme. Uma ZIF corresponde a uma área contínua e delimitada, constituída maioritariamente por espaços florestais, submetida a um plano de gestão florestal e a um plano de defesa da floresta e gerida por uma única entidade, com uma determinada área, número de proprietários e de prédios rústicos. O problema é que muitos proprietários, por arcaísmo mental, rejeitam liminarmente participar em modelos de gestão comum da floresta, preferindo deixá-la ao abandono e sujeita à ira dos pirómanos e aos interesses daqueles que lucram com a sua destruição. Ao desinteresse dos privados junta-se o alheamento das entidades públicas, que não zelam pelo cumprimento das directrizes dos respectivos planos. Por exemplo, para as áreas onde está prevista a criação de ZIF’s, os proprietários que revelassem resistências deveriam sofrer algum tipo de punição (aumento da contribuição predial, por exemplo) como forma de os pressionar a aderir. O problema é que uma medida deste tipo implicava a existência de um cadastro actualizado e o projecto que estava em curso de criar um sistema nacional de cadastro parece estar suspenso por falta de meios. Portanto, a floresta está mergulhada num grande imbróglio, que será difícil de resolver enquanto os privados e as entidades públicas continuarem a olhar para ela como uma fonte de problemas e não como uma fonte de proveitos.

Neste quadro, não se adivinham melhorias significativas para a floresta de Palme nos próximos tempos. O mais certo é que depois de vender ao desbarato a madeira, os proprietários se alheiem ainda mais da floresta. E assim, o mais provável é que lá para 2015 ou 2016 a tragédia volte a repetir-se, com o fogo a devorar de novo a vegetação que entretanto for espontaneamente reposta. Para tristeza de muitos, mas para o contentamento de alguns…



Aspecto sinistro da floresta recém queimada em Palme



Rochas, cinzas e troncos carbonizados: o espólio deixado pelo fogo

Paisagem lunar em Palme



Cepos em combustão lembrando vulcões em miniatura




Um sobrevivente do holocausto











sexta-feira, 9 de março de 2012

O peditório

Palme é terra de gente humilde e trabalhadora. Nos mais diversos ofícios e paragens, as gentes de Palme mourejam de sol a sol, tal como a formiga previdente, que não descansa durante o verão, para garantir o seu sustento para o Inverno. Além de trabalhadoras, as pessoas são poupadas e relativamente comedidas nos seus gastos, não dando, por norma, um passo maior do que a perna. Esta mentalidade, que vem muito de trás, foi responsável por Palme ser tradicionalmente uma terra de dinheiro invisível, onde a falta de grandes sinais exteriores de riqueza é desmentida pela existência de gordas contas bancárias e até de colchões forrados com notas roxas. Mas, ao longo das últimas duas décadas, a onda consumista que varreu a sociedade portuguesa, atingiu também os hábitos das gentes de Palme, que se tornaram mais esbanjadoras. Basta dar uma volta pelas ruas da freguesia para nos depararmos com moradias aburguesadas, à porta das quais estão com frequência estrebarias metálicas de origem germânica, onde os seus proprietários se alapam para depois se pavonearem pelas ruas da terra. Mas, para além dos teres e dos haveres, as gentes de Palme são também conhecidas pelo seu espírito solidário e pela forma generosa como ajudam os seus semelhantes. Não há instituição ou campanha que passe por Palme e que vá embora de mãos a abanar. Seja através de dinheiro, de roupas, de alimentos, de artefactos, de força braçal ou até de palavras de conforto, se o caso o exigir, Palme está sempre disponível para ajudar os mais carenciados que batem à sua porta. E até para acudir às situações de maior emergência que ocorrem no interior da própria terra. A iniciativa que espontaneamente partiu de um grupo de beneméritos para restaurar a capela do Senhor dos Aflitos é disso um bom exemplo.

Assim, foi sem surpresas que a freguesia ficou condoída com a declaração feita pelo Chefe de Estado no passado mês de Janeiro, quando deu a conhecer ao país a sua precária condição financeira, que resulta do valor que recebe em pensões não ser suficiente para fazer face às suas despesas correntes. Nos dias seguintes vieram a lume mais detalhes sobre a inquietante situação do senhor Presidente, nomeadamente que o valor que declarara ter recebido sob a forma de pensões ser de 10.000€/mês. Os detratores mais ferozes assanharam-se logo contra o senhor Presidente, referindo que aquela declaração era uma ofensa a umas largas centenas de milhares de pensionistas que nem em 3 anos recebem o que o senhor Presidente aufere num único mês. Bem tola e populista é esta comparação! Os pensionistas que recebem 200 e poucos euros têm, habitualmente, poucas despesas e é sabido que muitos deles, que vivem em aldeias, até conseguem juntar boas maquias, pois alimentam-se do que a terra dá. Agora no caso do senhor Presidente, como é que 10.000€/mês poderão dar para viver? Já imaginaram quanto pagará de renda pelo Palácio de Belém, uma casa tão grande e com tantos empregados? Uma fortuna, certamente. E em viagens? A viajar sempre de um lado para o outro como um traga-mundos, há-de ser uma despesa e tanto. E já pensaram nos consumos do bólide presidencial que deve beber para cima de 12L/100km ao preço que os combustíveis estão? Tudo pago do seu bolso. E as jantaradas com outros chefes de estado, diplomatas e outros que tais a comerem e a beberem do melhor à pala do Presidente? Uma pipa de massa. E as estadias em suites de credenciados hotéis de 5* em não menos credenciadas cidades por esse mundo fora? Custam-lhe os olhos da cara. E o guarda-roupa de fino corte italiano que tem que renovar constantemente para os seus compromissos públicos, para não parecer antiquado nem forreta? Um sumidouro de dinheiro (só fraques já foram três este ano). Não contabilizando outras miudezas, estes encargos atreitos ao exercício do cargo presidencial mostram quão tão minguadas são as pensões do Senhor Presidente que, coitado, anda a gastar das suas poupanças para servir o país.

Segue-se que a revelação feita pelo senhor Presidente comoveu as gentes de Palme que, como se sabe, nutrem uma especial devoção pela sua pessoa. Logo no dia a seguir, o caso foi discutido nos cafés como merecia. Não se vendo forma como as gentes da capital, tão endividadas e insensíveis a humanismos poderiam valer ao senhor Presidente, surgiu a feliz ideia de organizar um peditório, cujas verbas e proveitos reverteriam para Belém. Um grupo de notáveis, mais angustiados com os apertos do senhor Presidente, tratou de organizar a forma como se iria processar o peditório e estabeleceu os contactos necessários para que nada faltasse em termos logísticos. Na missa das nove do domingo seguinte, o padre António, por entre tossidelas e assoadelas, anunciou a finalidade do peditório, vociferando contra aqueles que conduziram o país ao ponto a que chegou, onde já nem o cargo presidencial é dignificado. E continuou assim discorrendo contra a sociedade, contra a degradação dos costumes, contra a perdição da carne e sem que ninguém percebesse a ligação, rematou a homilia a falar do dia dos Fieis Defuntos. E para desespero da assembleia, antes de dar a bênção final, puxou novamente o tema à baila, tendo repetido tudo o que dissera antes, que o que dermos neste mundo será devolvido a dobrar no outro, que temos que ajudar os nossos irmãos, que a vida é um vale de lágrimas, etc., etc., o que levou algumas velhotas a concluir que este ano a festa de Santo André ia ser a valer, tal era o empenho que o pároco estava a pôr no peditório.

Equívocos à parte, no fim de semana do Carnaval, o peditório correu as ruas e as ruelas da freguesia. A camioneta do Razão, armada de altifalante, recolheu os víveres que iriam para a mesa do Senhor Presidente, enquanto à frente, apeados, seguiam os beneméritos desta operação, uns a recolherem e a colocarem as oferendas no veículo, outros munidos com sacolas a tiracolo, onde colocavam o dinheirinho que iria engordar a conta presidencial (talvez ainda seja no BPN) e outros a “desarriscarem” as casas que tinham contribuído (os que procuraram esquivar-se foram sujeitos a duas ou mais visitas da comitiva).

O balanço do peditório foi um estrondoso sucesso para gáudio dos organizadores, superando de longe as ofertas que se costumam angariar nas esmolas do S. Miguel. A organização, gentilmente, cedeu-nos a lista dos bens recolhidos e o valor pecuniário obtido com o peditório, informação que, aliás, está afixada na porta da Igreja, onde constam também os nomes das ovelhas negras que não contribuíram (por uma questão de privacidade não vamos revelar aqui o nome desses infaustos). Assim, o resultado do peditório saldou-se no seguinte: 12 arrobas de cebolas (das vermelhas, que fazem chorar); 8 molhadas de bons alhos; 32 arrobas de batata (monalisa, baraka, kennebec, olho de perdiz, entre outras variedades incógnitas); 7 arrobas de centeio sem praganas; 27 arrobas de milho (do miúdo e não daquelas favocas híbridas que vêm de fora); 10 arrobas de feijão (o senhor Presidente, que é grande apreciador de feijoadas, coloca-lhe sempre umas folhas de segurelha, para evitar turbulências intestinais, suscetíveis de manchar indelevelmente a sua reputação nas cerimónias oficiais); 13 abóboras porqueiras de bom porte; 12 dúzias de ovos com gemas como o ouro; 14 frascos de mel natural; 8 litros de bagaço (consta que só um produtor ofereceu 15 litros, pelo que houve aqui uma suspeitosa diminuição no stock desta bebida); 20 pares de galos como cabritos, de crista eriçada e de espora afiada; 37 galinhas das mais variadas condições; 4 patos marrecos; 1 imponente peru com 12kg; 42 coelhos, não contabilizando os que iam dentro das barrigas prenhas das progenitoras; 1 leitão bísaro, que há-de dar ricas fêveras; 2 cordeiros já desmamados; 6kg de chouriças de sangue e 9kg de chouriços de carne, que até fazem crescer água na boca; 1 presunto ainda intacto; 3 broas de milho cozidas em forno de lenha; e 4kg de bolo-rei, que é tão do agrado do senhor Presidente, e que foi especialmente confeccionado para o efeito pelo Luciano.

Para além dos víveres, a coleta rendeu 15750€, cifra muito considerável, tendo em conta a dimensão da terra e a natureza somítica de muitas pessoas, o que só comprova a simpatia e a generosidade dos palmenses para com o senhor Presidente. O acervo do peditório já foi entregue às autoridades da Casa Civil da Presidência, que fizeram deslocar várias furgonetas para recolherem o que de melhor o “chão sagrado” de Palme produz (aqui limitamo-nos a reproduzir a expressão utilizada pelo presidente da Junta, que descreveu dessa forma magistral a boa aptidão agrícola dos solos da freguesia). Apesar da agenda do senhor Presidente o ter impedido de comparecer em Palme, para desilusão de muitos que o queriam ver em carne e osso, o Chefe de Estado, pela boca do representante da Casa Civil, agradeceu a compreensão e o espírito solidário das gentes de Palme, esperando que outras terras por esse Portugal inteiro façam o mesmo.

Os víveres, depois de confirmada a sua qualidade por entidades competentes, foram guardados nas tulhas do palácio de Belém por indicação da Primeira-dama, destinando-se exclusivamente à alimentação da família presidencial. Em relação ao dinheiro, sabe-se que o senhor Presidente já conversou com o seu amigo Oliveira e Costa, que é bastante calejado em engenharia financeira, com a finalidade de aplicar o capital em produtos de elevado retorno, porque os certificados de aforro não dão para a água que se bebe.


De resto, nas últimas aparições públicas, alguns notaram que o senhor Presidente está até mais gordo de cara e que tem uma tez mais rosada, atribuindo tais progressos à alimentação mais rica e folgada que as gentes de Palme lhe proporcionaram. Um bem haja a todos!


PS: Faz hoje um ano que o senhor Presidente tomou posse no seu segundo mandato e decorrem apenas 48H de ter sido entregue no Parlamento uma petição subscrita por 40 000 cidadãos que reclamam a sua demissão. Não valendo a pena determo-nos por mais tempo na análise das insensatas palavras do senhor Presidente, dois acontecimentos ocorridos nas últimas semanas merecem reflexão sobre a lisura do seu comportamento. Um prende-se com a demissão do presidente da República da Alemanha pelo seu envolvimento num escândalo financeiro (um esquema de favorecimento, através do qual conseguiu uma taxa de juro inferior à cobrada a outros clientes). Em Portugal, temos um Presidente que lucrou dezenas de milhares de Euros num negócio pouco claro realizado através de um banco, cuja salvação da bancarrota já custou ao erário público vários milhares de milhões de Euros. Sobre o assunto, o senhor Presidente, sempre muito ofendido, nunca deu cavaco a ninguém. Pelo menos do ponto de vista moral, é um comportamento indecoroso e indigno de um Chefe de Estado. Mais recentemente, o senhor Presidente protagonizou outro episódio ao ter cancelado uma visita a uma escola, onde o esperava um grupo de adolescentes em protesto. Há umas décadas atrás tivemos um candidato à Presidência da República que ousou enfrentar e demitir o ditador que liderava os destinos do país. Ficou conhecido como o “general sem medo”e pagou com a própria vida a sua ousadia. Agora temos um presidente que receia enfrentar as pessoas que, inquestionavelmente, têm razões para protestar e que, mais grave do que isso, é refém dos seus próprios medos, das suas contradições e do seu passado. Mas dos fracos não há-de rezar a história...



terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Santo André, o padroeiro

Isto de ter um padroeiro que se celebra em pleno Inverno tem que se lhe diga. Uma coisa é uma festa celebrar-se em pleno estio, quando até apetece a um santo sair da igreja e apanhar um banho de sol sob o palio azul do arco celeste. Uma coisa bem diferente é um santo festejar-se nos dias incertos e carrancudos do Inverno, como sucede no caso do infeliz Stº André, que se comemora no dia 30 de Novembro. Se a cerimónia se resumisse às práticas dentro de portas, menos mal. Está certo que, mesmo para um santo, há programas mais aliciantes que os circunlóquios intermináveis do pároco da freguesia ou dos sermões com que o pregador de serviço, ora com arrancos cavernosos, ora com sussurros inaudíveis, esmaga a assembleia com o poder da sua retórica, pese embora o discurso ser sempre o mesmo.


O pior é que a freguesia não abdica da procissão e aqui é que começam os problemas. Estranhamente ainda ninguém reparou que a indumentária que os santos envergam não é adequada para grandes passeatas neste altura do ano. Em dias de chuva e com o madeiro ensopado, o Senhor dos Passos tem que alombar, à vontade, com mais duas arrobas às costas (e nesta contabilidade não entra o peso dos pecados dos paroquianos). A gente só de o ver nestes apertos sente-se perdida. O pobre do S. João, que é achacado a problemas de garganta, apanha sempre uma laringite na procissão, pois as peles de camelo que traz a cingir-lhe o corpo, de pouco lhe valem. Isto sem falar dos vários cordeiros que já lhe morreram, com os resfriados resultantes da lã encharcada. Para o S. Sebastião, como se já não lhe bastasse andar com o corpo cravejado de setas, o contacto com o ar contaminado do exterior da igreja provoca-lhe sempre infeções e complicações bacterianas nas chagas mais expostas. O próprio padroeiro não escapa a estas calamidades. Embora a túnica comprida o proteja das aragens mais frias, nos dias de chuva fica alagado até aos ossos. Para além de lhe agravar os problemas reumáticos próprios da idade já avançada, secar a túnica no corpo tem-lhe custado alguns dissabores mais graves. De uma vez, se não é a intercessão do seu irmão Pedro, bem que tinha lerpado com uma broncopneumonia e com um cáustico que lhe rebentara no peito. Esteve por um fio!


Por isso, na corte celestial, já ninguém nutre grande simpatia pelo velho Stº André. E nem mesmo entre as criaturas do mundo terreno. Tolhidos em casa pelo frio e pela chuva, só os mais afoitos ousam deslocar-se à igreja, seja para assistir à parte profana da festa (o cartaz também não costuma ser muito convidativo), seja para participar nas cerimónias religiosas. Por isso, os paroquianos procuram esgueirar-se às suas responsabilidades contributivas para a festa. Nos peditórios, os nós dos dedos dos festeiros batem com frequência em portas mudas, de casas momentaneamente desabitadas. E quando aparece alguém com a mísera nota de 5€ estendida na mão:
- Então, não pode dar mais um bocadinho?
- Tende paciência, a vida está ruim e a festa é pequena e se calhar até vai chover. Nem sei para que andais com isso…é o mesmo que botar o dinheiro fora!
- Àgora! Não diga isso que o santo até a pode castigar!...
Com o objetivo de aumentar as receitas, já houve quem sugerisse a abertura do bar de Stº André, revertendo as receitas para a festa. Mas esta ideia foi prontamente desaconselhada pela Senhora dos Remédios que, como se sabe, aos sábados e domingos, tem honras de bar aberto – e sem consumo mínimo obrigatório. Consta que o principal motivo invocado pela santa é a grafonola do bar que toca de manhã à noite sem parar. Para além de complicações auditivas (que a tem levado ao consultório de um reputado especialista dos ouvidos da Maia), diz-se que a passagem até à exaustão do José Malhoa, está a causar-lhe enjoos e quadros depressivos. Se um gira-discos a tocar desenfreadamente já lhe causa tantos transtornos, imaginem o que seria com dois! Porém, em surdina, diz-se que a Senhora o que não quer é perder receitas com mais concorrência…

Não valendo a pena alongarmo-nos nestas quezílias celestiais, fica claro que por míngua de fé dos paroquianos e por falta de previdência divina na marcação dos festejos do santo e no próprio acautelamento das condições atmosféricas, a festa de Stº André fica muito aquém do que seria desejado para um padroeiro desta envergadura. Mas, afinal, quem foi o santo que a nossa terra escolheu para patrono?

Stº André foi um dos apóstolos de Jesus, surgindo várias referências à sua existência nos quatro evangelhos canónicos e em outros documentos. Assim, de acordo com o novo testamento, André é descrito como sendo irmão de Pedro. Ambos eram pescadores no mar da Galileia e as escrituras referem que foram os primeiros discípulos a seguir Jesus. Em Mateus (4-18) e em Marcos (1-16-18) é referido que Jesus encontrou André e Pedro a lançar as redes ao mar, tendo-lhes dito para deixarem o seu trabalho e para o seguirem, o que eles fizeram de imediato com o objetivo de se tornarem “pescadores de homens”. A narrativa do apóstolo S. João é diferente, mas mostra que André foi também um dos primeiros discípulos de Cristo. Segundo este evangelho, André era um seguidor de João Baptista (João, 1-35) que, mal viu Jesus nas margens do Jordão onde batizava, anunciou a chegada do “cordeiro de Deus”. Depois de escutar as palavras de Jesus, André seguiu-o de imediato (João, 1-40), tendo sido ele que levou mais tarde o seu irmão Pedro à presença do Senhor (João, 1-42).
Por se aferir que era irmão de Pedro, pode concluir-se que André era filho de João (João, 1-42) e que ambos eram naturais da cidade de Betsaida (João, 1-44). A descrição de Marcos (1, 21-29) parece indicar que André em conjunto com outros discípulos, partilharam a mesma casa em Cafarnaúm, nos primeiros dias da vida pública de Jesus.
Depois ao longo dos textos, as referências a Stº André diluem-se e surgem mais pontualmente, como no milagre da multiplicação dos pães (João, 6-7) ou no prenúncio feito por Jesus no Monte das Oliveiras sobre a destruição do templo de Jerusalém (Marcos, 13-3). Contudo, no livro dos Atos dos Apóstolos há apenas uma referência a Stº André (Atos, 1-13).
Diversos documentos da Antiguidade relatam que a missão de evangelização de Stº André se desenvolveu em várias regiões da Europa oriental, nomeadamente na Roménia, Ucrânia e Rússia. Não se conhecendo com rigor a data da sua morte como sucedeu com seu irmão Pedro que foi executado no ano 64, sabe-se que Stº André foi crucificado em Patras (atual Grécia), perto do mar Negro, onde trabalhava entre os scitianos. A tradição refere que Stº André foi executado numa cruz em forma de X a pedido do próprio mártir, por não se sentir digno de morrer numa cruz idêntica à de Cristo (a cruz latina em forma de T). A partir de então a cruz em forma de X passou a ficar conhecida como “cruz de Stº André”, a qual figura em muitas bandeiras e brasões de países/cidades que têm este apóstolo por padroeiro (como é o caso do brasão da nossa freguesia). O que não deixa de ser curioso é que o sinal X foi historicamente considerado pela igreja como um símbolo herético, pois representa a união dos símbolos masculinos (^) e feminino (v). O X foi, portanto, um símbolo associado à união carnal e ao pecado e ainda hoje a tradição perdura, uma vez que o X continua s ser utilizado como indicativo de erro, de incorreto. Não deixa, pois, de ser curioso que o brasão da nossa freguesia ostente um símbolo considerado luxurioso e herético pela igreja.
Na cidade de Patras, onde Stº André morreu, foi erigida aquela que é a maior igreja da Grécia. A igreja de Stº André de Patras levou 66 anos a construir e foi inaugurada em 1974. Nesta igreja estão guardadas parte das relíquias do apóstolo, que foram enviadas da Basílica de S. Pedro, por ordem do Papa Paulo VI. Estas relíquias, compostas por parte do crânio e dos dedos do apóstolo e por pedaços da cruz, haviam sido levadas de Patras para Constantinopla a mando do imperador romano Constantino II no ano de 357, onde foram depositadas na Igreja dos Santos Apóstolos. Mais tarde, em 1461, as relíquias foram doadas pelas autoridades do império bizantino ao Papa Pio II, que as colocou na Basílica de S. Pedro, onde permaneceram até 1964, quando o Papa Paulo VI ordenou que fossem devolvidas à proveniência. Em diversos outros países, como Itália e Polónia, estão localizados outros relicários associados a Stº André.
Apesar de não se conhecer com rigor a data de nascimento nem a idade que Stº André tinha quando se tornou apóstolo de Jesus, os artistas sempre representaram o apóstolo como um dos mais velhos dos doze. No famoso mural que retrata a última ceia pintado por Leonardo da Vinci, André é um homem já calvo e com longas barbas brancas. Esta interpretação é extensiva a muitas outras pinturas e estátuas do apóstolo, como a estátua existente na Basílica de S. Pedro ou o busto da igreja de Patras. Neste último, Stº André é representado com um livro e um peixe (alusão à sua antiga profissão e ao seu papel de evangelizador) e com a cruz em X, símbolo do seu martírio.




Busto de Santo André no relicário da Igreja de Patras


Santo André na última ceia de Leonardo (figura no extremo esquerdo)


Pormenor do Santo André de Palme