segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Castanhas quentes e boas

O início do outono é a época em que aparecem as primeiras castanhas. Num destes dias, andava a deambular pelos campos da nossa terra e calhou passar por baixo de um castanheiro. Confesso que nem tinha reparado nele se não fossem as castanhas e os ouriços espalhados no chão. Foi então que reparei na frondosa árvore que ali estava, coalhada de ouriços, a maior parte ainda verdes, mas com alguns já maduros e abertos no chão. Diante deste cenário não estive com meias medidas e enchi dois bolsos de castanhas gordas e brilhantes que, depois de cozidas com um ramo de funcho e acompanhadas por um copo de Quinta dos Carvalhais, me regalaram como a Diógenes. O generoso castanheiro não me repreendeu, espero que o seu dono também não o faça.

O castanheiro é uma das árvores mais nobres que podemos encontrar na nossa floresta. Em Palme está, infelizmente, pouco representado e a sua presença reduz-se a alguns belos exemplares espalhados por quintais e pelos terrenos da agra. Mas, na verdade, o castanheiro a par do carvalho, do sobreiro e de outras quercíneas, é uma das espécies que fez parte da floresta autóctone portuguesa, que se instalou durante a última glaciação (Wurm) há cerca de 40 mil anos. Portanto, os primeiros seres humanos que viveram nesta região tiveram a companhia, refrescaram-se à sombra, protegeram-se e alimentaram-se do que estas árvores davam. No caso do castanheiro, há alguma discussão se a sua colonização foi natural e acompanhou a das restantes quercíneas ou se foi muito mais tarde introduzido pelo homem. A este respeito, Jorge Paiva, porventura o maior botânico português da atualidade, refere a existência de pólen fossilizado de castanheiro no interior de Portugal muito anterior à presença humana, o que confirma, segundo ele, a sua expansão de forma natural no nosso país.

Os primeiros povos que habitaram este território estavam muito dependentes desta floresta. Os lusitanos, por exemplo, utilizavam as bolotas e as castanhas na sua alimentação. Estrabão, um historiador da Antiguidade, refere que os lusitanos secavam as bolotas, esmagavam-nas e com a farinha faziam um pão que se aguentava muito tempo. Ainda nestes dias foi notícia um pasteleiro alentejano que está a ter grande sucesso com uns pastéis de nata feitos com farinha de bolota. É tudo uma questão de inovação. Também as castanhas foram parte integrante da alimentação destes povos, tendo apenas perdido importância com a introdução da batata que foi trazida da América pelos navegadores portugueses. No entanto, a castanha nunca foi esquecida e continuou a ser utilizada na alimentação das populações sob variadas formas, como os pães de castanha (falachas) e pratos à base de castanha (como os paparotes). Ainda hoje o castanheiro é a única árvore da nossa floresta em torno da qual subsiste importante convívio social – o magusto. 

Aqui por Palme, os magustos faziam-se assando as castanhas em caruma de pinheiro. Começava-se por ir ao monte onde se apanhava uma quantidade considerável de faúlha. Com a caruma fazia-se depois uma pilha, cortavam-se as castanhas, colocavam-se no meio da caruma, petiscava-se lume e assavam-se. Era necessário ir remexendo com uma vara e tirar as que assavam primeiro. Apesar de rudimentar e de muitas castanhas ficarem queimadas e do pessoal se enfarruscar, este processo era um ritual de festa e de convívio à volta da fogueira. Depois, para amolecer o fruto farináceo, bebia-se água-pé ou jeropiga. Alguns sob o pretexto de terem o esófago mais estreito e, portanto, sujeito a fácil entupimento, bebiam à razão de um copo de jeropiga por cada três castanhas emborcadas, fazendo do estômago um tanque de destilação e de fermentação prestes a rebentar.  Excessos à parte, é uma pena que esta tradição esteja a perder-se em Palme, há imenso tempo que não se faz um magusto e já nem caruma se arranja, pois o monte está transformado num eucaliptal abandalhado. E mesmo que houvesse parece faltar vontade de as assar desta forma. Já há por aí, inclusivamente, quem as asse no micro-ondas, não dá trabalho nenhum nem se suja nada. E castanhas assadas no micro-ondas devem ser boas de verdade!

Ao longo dos últimos anos tem-se assistido a uma redescoberta da castanha e a versatilidade do fruto presta-se a um grande número de pratos e de receitas. É mesmo possível ter um menu completo em que o ingrediente principal é a castanha. Então aqui vai uma sugestão (não recomendável a pessoas mais propensas a turbulências intestinais):

Entrada: patê de castanhas
Sopa: sopa de castanhas
Prato: carne de porco com castanhas acompanhada com cogumelos
Sobremesa: creme doce de castanhas e pudim gelado de castanhas
Bebida: licor de castanhas

Nos restaurantes mais requintados, a castanha também não tem sido esquecida. Uma das ementas mais inusitadas que vi foi esta:

Tosta de salmão sobre aveludado de castanha
Lombinho de porco braseado com creme de castanha
Bombom tépido de castanha

Os nomes dos pratos são finos e tentadores, mas não me posso pronunciar sobe a comestibilidade dos mesmos porque, infelizmente, não tive oportunidade de os degustar. Por isso, vou-me contentando com umas castanhas assadas ou cozidas à boa maneira tradicional, que são sempre muito bem-vindas!! 



Castanheiro carregado de ouriços em Palme


Castanhas cozinhas com funcho acompanhadas por uma pinga de estalo

BPP, BPN e BES: Banqueiros, trapaceiros e ratoneiros

Neste post proponho um quebra-cabeças para entreter os meus ilustres leitores de Palme e arredores e que vem a propósito do tema quente do passado mês de Agosto: a queda do BES. A charada é a seguinte: na imagem em baixo surgem três cavalheiros, que se destacaram pela forma virtuosa como conduziram três bancos à falência. É um currículo de que poucos se podem gabar, sobretudo porque as maroscas e os desfalques foram feitos debaixo das barbas das entidades reguladoras, dos órgãos supervisores e até, num dos casos, do olhar cirúrgico da Troika! Estes cavalheiros, que apresentam o ar mais angelical do mundo (veja-se como Ricardo Salgado citou abundantemente o papa Francisco numa recente entrevista a um jornal), são verdadeiros mestres na arte da dissimulação, tendo engendrado esquemas por onde desapareceram montantes que escapam à compreensão do cidadão comum. E as teias foram de tal forma bem urdidas que não é fácil à justiça perceber como foi possível desbaratar tão avultadas somas, nem qual é o seu paradeiro. O resultado saldou-se em grandes perdas para os investidores e num pesado fardo para os contribuintes, que não tiveram culpa nenhuma da forma danosa e criminosa como estes bancos (BPP, BPN e BES) foram geridos. O desafio que lanço é o de tentarem descobrir qual das seguintes 10 opções relacionadas com os cavalheiros em causa está correta (no final do post apresenta-se a solução do problema).














Opção 1: São três devotos de S. Dimas
Há provas concludentes de que todos eles são devotos de S. Dimas: João Rendeiro guardava um calendário do santinho na carteira; Oliveira e Costa tinha uma litografia do santo sobre a sua mesa de trabalho; Ricardo Salgado, o mais fervoroso devoto dos três, mandou até erigir uma capela em honra de S. Dimas na sua residência, na Quinta da Armada onde, diariamente e prostrado de joelhos, pedia a proteção do santo para as suas negociatas. Ora como os três bancos faliram, das duas uma: ou as preces dos ex-banqueiros não foram suficientes ou o santo não foi em conversas fiadas…

Opção 2: São os três novos heróis do conto “Ali Babá e os 40 ladrões”
Na reedição deste famoso conto, o enredo da história passa-se em Portugal. Ali Babá descobre um tesouro nos pisos subterrâneos do BES, na Avenida da Liberdade, que supõe resultar dos desfalques e dos branqueamentos de capitais perpetrados pelos três ex-banqueiros com a ajuda de mais 37 compinchas amigos do alheio. De entre eles contam-se personagens como Dias Loureiro, Duarte Lima, Arlindo de Carvalho, Vítor Raposo, Luís Caprichoso, José Mascarenhas, entre outros. Ao contrário do conto original, onde Ali Babá resolveu roubar os ladrões, nesta nova versão decidiu denunciar os meliantes à justiça. Os ex-banqueiros acabaram por montar uma cilada a Ali Babá, que é liquidado com três tiros num descampado (o homem do gatilho foi Duarte Lima), enquanto a justiça perde-se num emaranhado de pistas sobre a origem do tesouro. Um best seller à venda em qualquer livraria do país.

Opção 3: São os três novos atores do filme “Tudo bons rapazes 2”
Martin Scorsese dá continuidade à saga iniciada na década de 1990, com um novo elenco e com o filme a ser rodado em Lisboa. Ricardo Salgado reencarna a personagem de Robert de Niro, Oliveira e Costa faz de Ray Liotta e João Rendeiro de Joe Pesci. Neste novo filme não há assaltos a camiões nem roubos em aviões, mas a ascensão dos gangsters à custa de trapaças, negócios obscuros, falsificações de documentos, fugas aos impostos, branqueamentos de capitais, investimentos com informações privilegiadas, subornos, jogos de influência, deslealdades e traições, tendo como pano de fundo requintados palacetes, carros superdesportivos, iates e prostitutas de luxo. Um retrato do submundo da alta finança portuguesa deste início de século, sem paralelo desde o famoso Alves dos Reis. Filme muito apregoado pela crítica, encontra-se já nomeado para os Óscares nas categorias de melhor ator (Ricardo Salgado), melhor argumento e melhores efeitos especiais.

Opção 4: São três futuros consultores da Goldman Sachs
Com a interdição decretada pelo Banco de Portugal de exercerem cargos de administração bancária durante os próximos 10 anos, os três ex-banqueiros concorreram e foram admitidos para consultores na Goldman Sachs pelo seu mérito curricular. É com quadros com estas qualificações que o banco de investimento continua a ser o mais lucrativo e o mais influente do mundo. Seguirão, desta forma, as pegadas de outros conterrâneos portugueses que por lá trabalham ou já fizeram carreira, como Luís Arnaut, Moreira Rato, Carlos Moedas, entre outros destacados políticos e homens de negócios.

Opção 5: São os fundadores do grupo “Trio Ó-desvia”
É uma faceta que poucos conhecem, mas os três ex-banqueiros têm queda para a música e fundaram o primeiro grupo de fado em Portugal. O vocalista do grupo é Oliveira e Costa, que invariavelmente se apresenta ao público de capa negra traçada, óculos fumados e mão no peito para dar mais sentimento à letra que sai na sua voz quente e húmida. Acompanham-no Ricardo Salgado à guitarra portuguesa e João Rendeiro à viola. Temas como “Ó lorpas da minha terra”, “Povo que lavas na Suíça” e “Milhões em Cabo Verde e Singapura” permitiram ao grupo alcançar rapidamente o estrelato da fama.

Opção 6: Foram membros da Junta de Freguesia de Gatunões
No início das suas carreiras profissionais, os três ex-banqueiros fizeram parte do executivo da Junta de Gatunões. Já na altura a formação da Junta foi complicada, pois os três queriam ser os tesoureiros, tendo sido por sorteio que se achou o presidente (Ricardo Salgado) e o secretário (João Rendeiro). Ficou célebre a promessa de construir uma piscina olímpica na freguesia. O projeto foi financiado em 2 milhões de Euros, mas o dinheiro ficou retido (nunca se soube o motivo) num banco do Panamá, pelo que apenas se fizeram umas terraplanagens no local. Ao fim de 4 anos e com dívidas de 35 milhões de Euros, a freguesia de Gatunões foi extinta, tendo os seus ativos tóxicos sido assumidos pelo Estado e os ativos bons passado para a vizinha freguesia de Finórios (onde residem muitos angolanos).

Opção 7: São os três titulares de vistos de residência nas ilhas Caimão
Recentemente descobriu-se que os três ex-banqueiros têm vistos de residência permanente nas ilhas Caimão. Ao contrário de Portugal, onde apenas são necessários 500 mil Euros para um estrangeiro obter um visto, nas ilhas Caimão o título pressupõe um investimento 30 vezes superior (15 milhões de Euros). Há várias teorias para explicar como foi possível aos três banqueiros amealhar tão gorda maquia. Diz-se que o património de João Rendeiro foi herdado de uma tia solteirona; que o Oliveira e Costa fazia muitas horas extras no BPN, que eram remuneradas a dobrar; e que Ricardo Salgado comprou o visto com o presente de 14 milhões de Euros (uma bagatela) que lhe foi oferecido pelo construtor José Guilherme. 

Opção 8: São três cepos a matemática
O mau desempenho dos três ex-banqueiros a matemática já vem dos tempos da escola primária, altura em que foram colegas de carteira. A Prof.ª Manuela bem se esforçava:
- Ricardinho, quantos são 7x8?
- São 63 senhora professora.
- Burro! São 56, emendava a professora, depois de lhe mandar duas canadas à tola. – Assim nunca vais ser como o teu pai…
- Zezinho, qual é a raiz quadrada de 4?
- Eu não conheço essa planta senhora professora!
- És mesmo um calhau, é 2! Já para o castigo, dizia-lhe a professora depois de colocar umas orelhas de burro em Oliveira e Costa .
Apesar dos chumbos a matemática, os três lá foram passando com muita água benta e com a graxa das famílias. Por isso, não é de estranhar que tenham feito uma gestão ruinosa das instituições por onde passaram.

Opção 9: Fazem parte da Associação Internacional de Ilusionistas
O gosto pela magia é comum aos três ex-banqueiros que, já em crianças, admiravam o Mandrake. Mais tarde frequentaram conceituados cursos de magia, ministrados por David Copperfield e Lance Burton, foram colegas do Luís de Matos e especializaram-se em truques de sumiço. Depois colocaram em prática as noções adquiridas com a suspeita de o fazerem em proveito próprio. Assim, enquanto o Luís de Matos tira moedas de orelhas de pessoas atónitas ou se dedica à meritória tarefa de transformar pedacinhos de uma nota de 5€ em 10€, os três ex-banqueiros dedicaram-se à inquietante prática de fazer desaparecer centenas de milhões de Euros. Assim mesmo, às claras e à frente de todos, sem que ninguém perceba como e para onde foi o guito. Simplesmente esfuma-se, evapora-se, volatiliza-se, perde-se para todo o sempre. O Estado (contribuintes) é que pagam a fatura de repor o desviado. No BPP, a fatura foi de 800 milhões de Euros; no BPN já vai em 2,2 mil milhões; no BES é uma incógnita, mas há quem assegure que poderá ser muito mais. Só no BES Angola sumiram 5,7 mil milhões de Euros (não foram 5 milhões, foram 5,7 mil milhões, um camião de dinheiro que sumiu num estalar de dedos). São ou não são grandes ilusionistas?!

Opção 10: São os três inocentes do que são suspeitos/acusados
Tudo o que se diz por aí a respeito destes três cavalheiros é uma ignomínia, eles foram alvo de uma cabala por serem poderosos, foram saneados pelos poderes políticos, são os bodes expiatórios das falhas do sistema financeiro e da má supervisão. Estão todos na penúria, são pessoas honestas que têm vivido do seu soldo, tomaram as suas decisões com a convicção de que eram as mais adequadas, foram cumpridores das leis, se as coisas deram para o torto foi por causa da desgraça em que o país se encontra, se as pessoas pagassem os créditos contraídos, nada disto teria sucedido. Têm a imagem estraçalhada, a vida familiar destruída (veja-se os Espírito Santo que andam às turras uns com os outros), a sanidade mental comprometida, o futuro hipotecado num mar turbulento, onde vão gastar rios de dinheiro com advogados, processos e recursos. Se ainda ao menos a justiça funcionasse? Mas a justiça é lenta e tem os olhos vendados, como poderá ver que são os três inocentes?

Nota final:
Recentemente soube-se que estas três individualidades financiaram a campanha eleitoral de 2006 do atual Presidente da República com grossos donativos financeiros, pelo que se conclui que este seria o presidente que mais convinha aos três ex-banqueiros. É sem dúvida mais uma notícia incómoda para o senhor presidente, pois três dos maiores financiadores da sua campanha andam a braços com a justiça e/ou já foram condenados por desfalques volumosos e por diversas habilidades financeiras...
Em jeito de conclusão lembra-me citar aqui Fernando Pessoa a respeito de um dos protagonistas (Ricardo Salgado) desta trágica história para o país:

Ó mar Salgado, quanto do teu sal
são lágrimas de Portugal!