quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A noite da passagem de ano

Dentro de algumas horas entraremos em 2019. Na prateleira de cima do frigorífico, as garrafas de champagne estão já impacientes, à espera que as mãos agitem o gás carbónico e removam as rolhas para, puuum, darem as boas vindas ao novo ano numa ejaculação de espuma etílica. Em cima da mesa, o saco com as uvas desidratadas e desengrainhadas, estão ávidas de serem engolidas ao som das doze badaladas, para cumprirem desejos recônditos. No cabide do armário, jaz dependurada uma fatiota nova, comprada a crédito, de tecido que em breve vai ficar manchado de espuma de champagne, de cerveja e de secreções corporais diversas. Nas barracas e tendas espalhadas pelas cidades, dão-se as últimas afinadelas aos sistemas de som e de luzes, para que nada falte aos artistas (muitos de meia tigela) para brilharem no momento de subirem ao palco. Os fogueteiros dão os últimos retoques para que, no primeiro segundo, o novo ano seja recebido com estoiros que se desfazem no céu negro numa poalha de mil cores. Está tudo a postos e em contagem decrescente para uma das noites mais aguardadas do ano: a noite da passagem de ano! Para sermos mais corretos, quando em Portugal se festejar a entrada do novo ano, uma boa parte do mundo já se encontra em 2019. E a outra parte do mundo está em que ano? 

- Em 2018, responderá o leitor mais atento, a pensar por exemplo nas Américas, onde a mudança de ano só chega umas horas mais tarde. 

A resposta do caro leitor está meia-certa. Para não dizer errada. Em parte é verdade porque se convencionou, de acordo com o calendário gregoriano, que estamos no ano de 2018. A contagem deste calendário fez-se a partir do nascimento de Cristo que, tal como a data indica, terá ocorrido há 2018 anos. No entanto, como foi dito num post publicado neste blogue em dezembro de 2015, essa contagem de tempo está incorreta. Considera-se que o nascimento de Cristo terá ocorrido há mais tempo, e há diversas evidências históricas e científicas que comprovam que isso terá ocorrido 4 anos antes do dito “ano zero”. Portanto, oficialmente vamos entrar em 2019, mas na verdade esse ano já passou há algum tempo. 

Mas a questão feita mais acima “E a outra parte do mundo está em que ano?” era uma pergunta com rasteira. A resposta não era 2018 nem o facto de esta data estar errada. A resposta correta seria: “o mundo rege-se por vários calendários diferentes e, por isso, muitos países encontram-se em anos  diferentes”. Sim, agora a resposta está certa, 5 valores. Um dos aspetos mais curiosos neste nosso mundo globalizado e conectado, em que tudo é sabido, discutido e partilhado quase ao segundo, é o facto dos países usarem calendários completamente diferentes. E mais estranho ainda é quase não se falar do assunto. No mundo ocidental e na sua esfera tradicional de influência, o calendário gregoriano é o que se encontra em vigor. Mas há milhares de milhões de habitantes desta bolinha de sabão sólida, que é o planeta Terra, que estão noutras épocas. Se quisermos viajar ao passado ou ao futuro é muito simples, basta embarcar para um país com um calendário diferente do nosso. Há dezenas de calendários e muitos povos e comunidades encontram-se em épocas muito distintas. Vejamos alguns casos concretos.

Os judeus não têm por referência o nascimento de Cristo para a contagem do tempo, mas sim o momento descrito no livro “Os Genesis” em que Deus criou Adão e Eva, considerados os primeiros pais da humanidade. Segundo o judaísmo esse acontecimento teve lugar há 5778 anos. Os judeus estão por isso no ano 5778, ou seja, no século LVIII. Se quisermos ver como é o futuro longínquo, bastará pois dar-mos um salto a Israel…

Os muçulmanos tem como referência para a contagem do tempo a evasão de Maomet, o profeta e fundador do Islamismo. Esse acontecimento histórico ocorreu no século VI do calendário gregoriano, pelo que o mundo muçulmano se encontra no ano de 1441. Nessa data, mas no calendário gregoriano, os Portugueses estavam a iniciar os Descobrimentos Marítimos. Portanto, se quisermos recuar mais de cinco séculos, basta dar um salto à Arábia Saudita, por exemplo. Já agora, o calendário muçulmano é solar e lunar, pelo que a mudança de ano nunca ocorre sempre na mesma altura. A próxima passagem de ano será em 31 de agosto de 2019.

O calendário persa encontra-se ainda mais recuado no tempo. Os iranianos, que são na sua maioria Xiitas, encontram-se no ano de 1397 e a passagem de ano para 1398 acontecerá no próximo dia 21 de março (equinócio da primavera).

O novo ano novo chinês é talvez aquele que tem uma maior cobertura mediática, incluindo em Portugal, devido às importantes comunidades deste imenso país que estão espalhadas pelo mundo e à astrologia chinesa. O novo ano chinês celebrar-se-á no próximo dia 5 de fevereiro (astrologicamente será o ano do porco). Considerando que só a China tem cerca de 1,4 mil milhões de habitantes, uma parte significativa da população mundial festeja a mudança de ano numa altura diferente da nossa. Já agora os chineses entrarão no ano 4715, pelo que a China também constitui uma boa opção para se viajar para o futuro. O calendário chinês conta o tempo a partir do tempo em que o primeiro imperador chinês subiu ao trono, o que sucedeu no ano 2697 antes de Cristo.

Na Ásia, há também diversos países (Tailândia, Cambodja, Sri Lanka, Laos, etc.) que se regem pelo calendário budista. Neste caso, o ano mudará em meados de Janeiro para o ano 2563. Depois há milhões de habitantes que se regem pelo calendário hindu, que tem diversas variações de país para país...

Os poucos exemplos descritos anteriormente revelam o quão rico e diverso é o mundo em que vivemos e que a chegada de 2019 às 0.00 horas do próxima dia 1 de Janeiro é um acontecimento relativo. Muitos países e alguns milhares de milhões de pessoas não se regem por este calendário ocidental. Portanto, quando os jornalistas anunciam com pompa e circunstância que o mundo entrou em 2019, isso é uma flagrante mentira. Ou pelo menos revela uma grande falta de rigor. Mas para os foliões, estas curiosidades de calendário pouco interessam, pois o que importa é o forrobodó e a borga. Então, para os foliões mais rijos e endinheirados, fica aqui a dica: por que não fazer um périplo pelas diversas passagens para os diferentes anos, a começar na Ásia e a acabar na América? Só na China, os festejos do novo ano duram 15 dias, bem melhor do que em Portugal, onde só duram uma noite. Fica aqui desafio. As inscrições estão abertas, o pessoal que se comece a alistar…Um bom ano novo para todos, independentemente do ano em que se encontrem!