sexta-feira, 3 de maio de 2019

A greve dos motoristas de matérias perigosas

A semana da Páscoa de 2019 foi tudo menos Santa, pelo menos nos postos de abastecimento de combustível. A greve dos motoristas de transportes de matérias perigosas provocou o caos e ameaçou paralisar completamente o país. O povo, desvairado e alarmado pelos jornalistas sensacionalistas, acorreu em massa às bombas para atestar e assim se precaver da míngua de combustível. Esta paralisação e a forma como as pessoas reagiram dá que pensar:

1) Os funcionários públicos, permanentemente em greve, devem ter ficado verdes de inveja. Uma classe que nem se julgava existir e representada por um sindicato constituído há apenas alguns meses, com meia dúzia de dezenas de motoristas, sobressaltou o país e ameaçou paralisá-lo completamente e em poucas horas. Uma greve que obrigou a sentar à mesa sindicatos, patrões, empresas, sob a mediação do Governo. Uma greve sem sobressaltos de maior e sem recurso a fontes manhosas de financiamento. Uma greve que em três dias levou a um acordo. Ai se o Sr. Mário Nogueira ou a Srª Bastonária dos Enfermeiros andassem com cisternas de combustível às costas, era num instante que conseguiriam os seus intentos corporativistas…

2) A greve demonstrou a extrema dependência da economia em geral e do setor dos transportes em particular aos combustíveis fósseis e ao diesel em particular. Enquanto a produção de eletricidade se tem vindo a descarbonizar, o setor dos transportes está ainda praticamente todo dependente do petróleo. Isto é tanto mais grave num país onde 60% das pessoas usam o automóvel para as suas deslocações diárias. Logo, se o combustível falhar, o país não tem outro remédio senão parar…

3) Cerca de 80% das viaturas do parque automóvel nacional são movidas a gasóleo. O diesel foi o combustível mais procurado e o primeiro a esgotar-se nos postos de abastecimento. É o preço a pagar pela não diversificação. Nessa semana, quem tinha carros a gasolina e, sobretudo, veículos elétricos, olhava com desdém para os condutores de veículos diesel. Ficou evidente mais uma fragilidade dos carros a diesel, a somar às restantes, nomeadamente à poluição, principalmente de partículas (PMs), que estão na origem de políticas europeias que pretendem erradicar os motores a diesel no médio prazo. Aliás, vários construtores automóveis já anunciaram o fim para breve dos motores a diesel. Há dúvidas que quem comprar um carro a diesel agora vai perder mais do que perderia se o comprasse há 10 ou 15 anos?

4) Em momentos de crise e de aperto, o pior do povo vem ao de cima. Portugal teve dois dias à “venezuelana”, com longas filas de carros para atestar. Mesmo com meio depósito ou mais, o sentimento da “Maria vai com as outras” funcionou, e as pessoas lá se sujeitaram a horas em filas de espera intermináveis. Pelo meio há notícias de quem ficasse sem combustível à procura de uma bomba, de zaragatas por causa de saber quem amarrou primeiro a mangueira, de pessoas que saíam de uma bomba e se enfiavam noutra longa fila para acabar de atestar o tanque por causa da limitação de litros. Houve filas de dia e de noite, tanto nos grandes postos de combustível, como nas bombas mais recônditas das terriolas mais pequenas. O gasóleo simplesmente evaporou-se! No meio da confusão, alguns empresários, sem escrúpulos, subiram artificialmente os preços para lucrar à custa do desespero do povo ressequido. Se houvesse gasóleo a 5€ o litro, não faltaria quem abastecesse!

5) Solidariedade e respeito pelo outro foi coisa que, portanto, não se viu. As pessoas assanhadas e em pânico, quando deitavam a mão à almejada mangueira, era às boladas de 60€ e 80€ de combustível. É para atestar! Os outros que se lixassem. O gasóleo transformou-se por estes dias num bem tão ou mais precioso que o pão ou a água. Recurso esse que aos poucos está a matar o planeta e é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas alterações climáticas. Coisa esquisita esta a de as pessoas se submeteram aos maiores sacrifícios e pagarem a peso de ouro por uma substância que está a envenenar o planeta e os seus habitantes aos poucos….Mas que é que isso importa agora, é para atestar!!

A corrida às bombas foi algo sem precedentes e deixou o país entretido durante alguns dias com esta novela à moda tuga. Como muitos automobilistas passaram por autênticas sagas para abastecer os seus sequiosos veículos, deixo-vos um tema a preceito. Inspirado no tema que os Da Vinci levaram ao festival da canção, senhoras e senhores aqui fica a música: “Não há abastecedor”, orientada sob a batuta de Thilo Krassman. Toca a cantar!


Era um carro novo
Um sonho do Tonecas
Acelerar até ao fim
Espoliçar os pneus nas giratórias
Ultrapassar as chocolateiras
Assapar com bebedeiras
Foram mil ponteiras
Com garinas à boleia
Queimei litros com fervor

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Total
Curvão e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Tinha um motor novo
Que me deu tantos troféus
Era sempre prego a fundo
A cegar com os faróis
E sem nada à cintura
Queria lá saber da temperatura
Foram mil ponteiras
Com garinas à boleia
Queimei litros com fervor

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Total
Curvão e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Total
Curvão e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Foram dias e dias
E meses e anos a assapar
Percorrendo km e km de estradas
A fumegar

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Total
Curvão e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Curvão
Total e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Não há abastecedor
Não há abastecedor
Não há abastecedor