quinta-feira, 30 de junho de 2016

Brexit, e agora Europa?

O 23 de junho de 2016 vai ficar para a história como o dia em que um país decidiu sair, pelo próprio pé, da União Europeia. Essa ameaça de desmembramento já há muito que pairava no ar. No verão passado esteve iminente o "Grexit" ou, pelo menos, a saída da Grécia do Euro. Mas o risco era demasiado alto e o colapso do país mais que certo. Por isso, o governo grego teve que engolir mais um sapo e ceder à chantagem da Europa que a pretexto de desbloquear mais uma “ajuda financeira", exigiu mais austeridade, sempre mais. Se recuarmos um pouco mais, no tempo do Pasok, o governo grego chegou também a propor a realização de um referendo sobre a continuidade do país na moeda única. Caiu o Carmo e a Trindade, os dirigentes europeus assanharam-se logo, houve ameaças e o referendo não foi avante. A Grécia continua a definhar, mas continua no clube do Euro. 

O referendo no Reino Unido tem uma história diferente. É sobejamente conhecido que os britânicos são e sempre foram eurocéticos e sempre mantiveram uma distância higiénica à Europa continental, que a sua condição de ilha favorece. E, por isso mesmo, sempre foram um povo diferente. Não usam o sistema métrico, não usam litros nem quilogramas, conduzem pela esquerda, os carros têm o volante à direita. Como seria lógico, o Reino Unido não fez parte dos países fundadores da União Europeia (UE), nem aderiu à moeda única, mantendo-se fiel à libra esterlina. A história do referendo à permanência na UE nasce da mediocridade política do atual primeiro-ministro, que por sinal está demissionário. A única forma que encontrou para se manter à frente do partido conservador foi a de propor o referendo, silenciando dessa forma as vozes críticas que se faziam ouvir no seio do seu próprio partido. E foi, em boa parte, com essa bandeira do referendo que ganhou as eleições em 2015. Depois envolveu-se numa arriscada negociação política com a UE para obter um conjunto de condições especiais para o seu país, caso contrário não faria campanha a favor da permanência. A Europa, depois de dificílimas rondas de negociação, respondeu sim, senhor ministro. Mas na verdade, Cameron envolveu-se pouco na campanha e os apelos dos dirigentes europeus e do Obama a favor da permanência não foram suficientes para demover os britânicos da saída. Os refugiados e a forte corrente migratória dos últimos meses foram um outro fator que contribuiu para este desfecho. A população, sobretudo a mais idosa, votou com a convicção de que a saída vai travar o fluxo de migrantes para o país. Como se dos imigrantes não dependessem setores inteiros do país, como a saúde, onde trabalham tantos enfermeiros e médicos Portugueses.

O resultado, conhecido no dia 24, foi um sismo que abalou o mundo, com epicentro em Londres. Porque apesar da incerteza, havia a convicção de que o não à saída iria vencer, tal como as últimas sondagens apontavam. Mas estavam erradas. A decisão deixou os pobres dos mercados muito nervosos, que caíram como já não se via desde a hecatombe de 1929. Mas mais grave do que isso são os precedentes e as consequências políticas e sociais resultantes da decisão de saída. O país está em maus lençóis e corre o risco de se transformar num Reino Desunido, pois na Escócia, Irlanda do Norte e Gales (onde o voto na permanência venceu) já estão a fervilhar os movimentos independentistas. Sobretudo na Escócia, onde o referendo à independência do ano passado foi chumbado com a ameaça de que se os escoceses votassem a favor da independência, sairiam da UE. E que impacto poderá ter uma eventual independência da Escócia noutros territórios que têm idênticas aspirações, como a Catalunha, o País Basco ou a Lombardia? Depois há a austeridade e a incerteza que o país vai ter que adotar para fazer face às consequências económicas da saída e à desvalorização da libra. Aliás, as agências de notação financeira, que andam de dente aguçado, já vieram cortar o rating do país de Sua Majestade. E por fim as consequências sociais, com o agudizar do sentimento anti-europeu, da xenofobia e do racismo, nomeadamente contra os imigrantes. E, nos últimos dias, há já relatos de diversos ataques e perseguições a estrangeiros na Inglaterra.

Na Europa, a decisão de saída do Reino Unido, a quinta economia do mundo, corresponde a abrir a caixa de pandora. Receia-se um efeito dominó e diversos líderes europeus já vieram a público tomar posições muito diferentes, o que não augura nada de bom. Fala-se já de referendos idênticos na Holanda, Suécia e na própria França. Um pouco por toda Europa, os partidos populistas e de extrema-direita estão a ganhar uma força como já não se via desde a década de 1930. Os movimentos racistas e nacionalistas ganham adeptos, à boleia da ameaça terrorista, dos refugiados e de uma Europa mal construída, que não sai do marasmo económico. Os europeus têm uma memória muito curta, pois foram estes ideais que conduziram a Europa a duas guerras mundiais, que ceifaram muitos milhões de vida e semearam a destruição completa. Se excetuarmos a guerra na Jugoslávia, os últimos 50 anos foram de paz na Europa, algo que nunca aconteceu na histórica deste continente, cheio de antigos impérios com orgulhos feridos. Esse longo período de paz e de prosperidade deveu-se ao projeto europeu, que foi criado em 1957 para unir os povos desavindos pela Guerra. Agora, a UE desune-se e corre o risco de se fragmentar e o Euro de implodir. Na fronteira mediterrânica, a pressão dos refugiados é enorme, há guerras na Síria, na Líbia e a Rússia já demonstrou vontade de querer reconquistar territórios que já estiveram sobre a sua influência e que têm população russa. A tensão da Rússia com a Turquia e, consequentemente, com a NATO atingiu níveis alarmantes. A hegemonia económica e a influência que a Europa sempre teve transferiram-se para a Ásia-Pacífico. E perante este cenário, que recomendava maior coesão, a UE dá sinais de desmoronamento. A Europa está a ficar perigosa, demasiado perigosa. E se o Trump ganha as eleições americanas deste ano? E, em 2017, se a Le Pen ganha as presidenciais Francesas? Avizinham-se tempos sombrios. Irá a história repetir-se de novo?