quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Cogumelos Amanita

Depois de semanas de chuva contínua e inclemente, o sol dos últimos dias tem sido um bálsamo. Aproveitei a oportunidade e meti pés ao caminho. Câmara às costas, manual no bolso, botas impermeáveis nos pés. O destino foram algumas áreas de pinhal e de carvalhos de Palme ainda não totalmente ocupadas pelos eucaliptos. O objetivo desta missão foi o de encontrar e fotografar cogumelos, nomeadamente do género “Amanita”, que compreende muitas espécies, algumas comestíveis, outras altamente tóxicas e até letais. A tarefa revelou-se mais simples que o inicialmente previsto e, em pouco mais de uma hora de passeio, dei de caras com quatro respeitosos amanitas.

Dei de caras com vários exemplares de Amanita muscaria. É popularmente conhecido por “mata-moscas” (muscaria vem de mosca) e é um dos cogumelos mais vistosos e bonitos, sendo repetidas vezes utilizado para ilustrar livros de contos infantis e capas de livros dedicados a cogumelos. Apresenta um chapéu vermelho (às vezes alaranjado), coberto por restos do véu branco, que se dispõem de forma mais ou menos regular pelo chapéu. As lâminas do chapéu são brancas e o pé, de cor branca também, é maciço, bulboso e está recoberto de escamas procedentes da volva. No pé encontra-se um anel bem visível, descendente. Apesar da sua beleza, este cogumelo não é comestível, pelo contrário é tóxico. Entre outras substâncias, o Amanita muscaria contém alcaloides que são responsáveis por causar efeitos alucinogénios tais como sensação de euforia, excitação, delírio, alterações da visão, para além de outros transtornos neurológicos. Ou seja, o seu consumo causa efeitos idênticos aos da embriaguez. Por isso, muitas pessoas usam este cogumelo em chás para apanharem grandes mocas, correndo o risco de sofrerem intoxicações. Devido a estas propriedades alucinogénias, este cogumelo está associado a certos ritos religiosos e pagãos desde tempos imemoriais. Por exemplo, conta-se que os pastores da Sibéria não só bebiam a água de cozer este cogumelo, como bebiam depois a própria urina, porque as propriedades excitantes do cogumelo não eram destruídas pela sua passagem pelo corpo. O motivo era o de combaterem o frio…


Colónia de Amanita muscaria


Amanita muscaria ainda em forma de ovo

Encontrei ainda alguns exemplares de Amanita rubescens, também conhecido por amanita vinoso. Esta designação deve-se ao facto deste cogumelo, principalmente o pé, adquirir uma cor avermelhada (cor de vinho) quando é cortado. Apresenta um chapéu de cor acastanhada, contendo restos do véu sob a forma de diversas placas dispersas. As lâminas do chapéu são brancas, podendo ter tons rosados que sobressaem com a idade. O pé é robusto, com anel descendente, e termina num bolbo grosso em forma de nabo. Este cogumelo é comestível e até apreciado pelo seu sabor, mas a sua preparação obriga a alguns cuidados. Deve ser cozido durante a 15 minutos a mais de 70ºC, rejeitar-se a água da cozedura e depois confecioná-lo normalmente. O calor destrói algumas toxinas deste cogumelo que, consumido em cru ou mal confecionado, pode originar anemias.


Chapéu de Amanita rubescens

Lâminas e pé de Amanita rubescens

Durante o passeio deparei-me ainda com um exemplar de um respeitável Amanita phanterina (cogumelo pantera). É idêntico ao Amanita rubescens, mas muito mais tóxico, podendo até, em certas doses, provocar a morte. Apresenta igualmente chapéu castanho, mas mais aplanado e com a superfície algo viscosa, com placas do véu de cor branca. O pé é igualmente branco, com anel descendente, terminando numa volva branca. A principal diferença face ao Amanita rubescens reside no facto da sua carne permanecer branca depois do corte. A confusão entre estes dois amanitas pode sair cara pelo que, na dúvida, mais vale ficar pela observação e fotografia que não faz mal nenhum!...

Amanita pantherina

O quarto exemplar que encontrei foi o Amanita gemmata, que deve o seu nome à bonita cor do seu chapéu (amarelo cor de gema de ovo). O cogumelo tinha um chapéu pequeno (cerca de 8 cm), com escamas brancas do véu espalhadas na sua superfície. As lâminas eram brancas, o pé também branco, com anel descendente e volva na base. O Amanita gemmata também não é comestível dada a sua toxicidade.


Chapéu de Amanita gemmata

Lâminas e pé de Amanita gemmata

Apesar do Amanita rubescens  ser comestível mediante alguns cuidados na sua preparação, não recolhi nenhum deles. Nunca é demais relembrar que quando não se conhece ou não se tem a certeza da comestibilidade de um cogumelo, mais vale não arriscar e deixá-lo ficar no campo. Vale também a pena lembrar que algumas espécies de amanitas são mortais, como o Amanita phalloides, o Amanita verna ou o Amanita virosa. Mas estas temerosas espécies não as encontrei durante o passeio. Talvez o solo de Palme esteja abençoado e não permita o crescimento de espécies ruins que ponham em perigo os seus pacíficos habitantes...

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Miguel Torga - Contos da Montanha e Novos Contos da Montanha (1)

Miguel Torga foi um dos maiores escritores Portugueses do século XX. É autor de vários livros de contos, nomeadamente dos “Contos da Montanha” e dos “Novos Contos da Montanha”. A beleza literária dos contos de Torga é única: as suas palavras têm cheiro, paladar, sons, cores, entram-nos pelos sentidos dentro e regalam-nos até às entranhas. Estes dois livros foram escritos na já distante década de 1940 e retratam a difícil vida na região de Trás-os-Montes e do Douro (Montanha). 

Os contos passam-se em ambiente rural e descrevem a situação de pobreza, fome, miséria, e abandono em que se vivia nessa região. As personagens destes contos de Torga são, muitas vezes, pedintes, indigentes, órfãos, ladrões, cavadores, pastores, jornaleiros, pessoas ostracizadas pela sociedade do seu tempo. Numa das edições, Torga diz que estas personagens são almas penadas deste mundo. Nos contos de Torga, não há lugar ao relativo: tudo é absoluto. As personagens debatem-se com um dilema muitos simples: ou resistir (à doença, à miséria, aos atropelos da vida) ou sucumbir. E depois há o profano e o religioso que andam sempre de mãos dadas nesse caminho ziguezagueante para a morte e para a esperança de uma vida eterna. O padre, o sacristão, os mordomos e as festas são personagens e acontecimentos que marcam indelevelmente os contos de Torga. Nas relações titubeantes entre o profano e o religioso, as capelas e as ermidas no meio do monte foram o pretexto para Torga se inspirar em três contos: “O desamparo de São Frutuoso”, “Um roubo” e “Natal”, que para mim é o mais belo de todos. Hoje proponho uma viagem por estes três contos.

A primeira história envolve uma personagem tão indigente que mal se poderia considerar uma pessoa humana. No conto, Torga nem nome lhe dá! Foi criada sabe Deus como e vivia do triste ofício de pedir. Sem eira nem beira, dormia no redil das ovelhas de qualquer um ou no forno do povo, onde se gelava como ao relento. Num inverno em que o céu se desfazia em água e que a fome apertava ainda mais, o remédio foi ir pedir para terras mais distantes. E quando regressava duma dessas peregrinações caridosas, abrigou-se de um chuveiro mais forte na capela de São Frutuoso. E foi aí que reparou que o santo estava ensopado. O telhado da capela estava roto e a água caía a prumo sobre a cabeça descoberta do desamparado santo. Com tanta água, as suas vestes estavam a perder a cor e o borrão de tinta furta-cores alastrava-se pelo santo abaixo e pela toalha do altar. Um nojo! Apesar de não dever favores especiais ao santo, que nunca a atendeu nas suas preces, ficou condoída com aquele desamparo. E falou com quem de direito para resolver o problema. O padre mijou sentenças e disse que não havia nada que andasse mais ao jeito de Deus que o tempo. O mordomo assobiou para o ar, o santo que se governasse. E face ao alheamento de todos, resolveu tomar uma atitude. Teceu uma caroça de junco e colocou-a sobre São Frutuoso. O santo com a nova vestimenta parecia um pastor, mas a partir desse momento nem mais uma gota de chuva lhe entrou no corpo. Garantidamente. E depois quando o tempo amainasse, quem quisesse que lhe tirasse a caroça!

O segundo conto retrata a vida de um casal miserável. Faustino, a personagem principal, é cesteiro de profissão, mas só de longe a longe e por desfastio é que fazia cestos. Nas alturas de fome, em que não havia nada para enganar o estômago, a não ser uma água deslavada com couves, o remédio era ir buscá-lo onde houvesse. Sim, Faustino era ladrão e assaltava para matar a fome. O problema é que naquele inverno todos dormiam de porta bem trancada e a chuva e o vento tolhiam os passos ao mais destemido para assaltar as aldeias vizinhas. Isto já para não falar que um dos últimos assaltos correra mal e para além de cinco costelas partidas, o Faustino malhou com os ossos na cadeia. Depois de muito matutar no caso, o Faustino só vislumbrou uma saída: assaltar a isolada capela da Senhora da Saúde. A mulher desaprovou logo a ideia sacrílega, mas Faustino nem a ouviu. E foi a meio de uma noite de muita água e de vento que se meteu por trilhos de cabra a caminho da capela. À chegada ainda hesitou um instante, pois nunca roubara um lugar sagrado, mas foi a própria intempérie que o empurrou para a frente. Meteu o ombro à porta, entrou, acendeu um castiçal e dirigiu-se à caixa de esmolas. Não estaria ela abarrotar de moedas dos devotos? Arrombou a fechadura à martelada mas, porca de sorte, a caixa estava vazia! Nem um centavo! Ou já não havia fé neste mundo ou então o padre Bento a esvaziara na véspera. A praguejar foi para o altar decidido a levar fosse o que fosse: a cruz, o cálix, o turíbulo. Mas nada de nada, a capela não tinha nada de valor. Desconsolado, bateu com a porta e meteu-se a caminho de casa, onde chegou a meio da madrugada alagado e gelado. No dia a seguir ardia em febre e daí a dias quando o padre Bento foi chamado para lhe dar os óleos, porque a pneumonia não tinha cura, o Faustino ao vê-lo só disse: “prendam, prendam que é ladrão!”

O terceiro conto surge nos “Novos contos da montanha”. É a história de mais um indigente, o velho Garrinchas, que vivia de esmolas e levava uma vida de mendigo. Na véspera de Natal e como as pessoas de Lourosa, a sua aldeia, se aferroavam a dar fosse o que fosse, o pobre Garrinchas não teve outro remédio senão dar à perna e ir pedir para as terras vizinhas. E, talvez por ser véspera de Natal, a ronda tinha-lhe rendido mais que habitual: umas moeditas no bolso e o bornal recheado de iguarias. Embora não tivesse casa nem telha para se abrigar, meteu-se-lhe na cabeça ir consoar à terra-natal. E ali vinha o Garrinchas à sobreposse, a subir a serra para chegar antes do anoitecer a Lourosa. Porém, pelo caminho mais um contratempo: começara a nevar. Coisa ligeira no início, o algodão em rama começa a engrossar e a caiar tudo de branco. E a noite a cair. E o Garrinchas sozinho e no meio da serra. Ali perto ficava a capela da senhora dos Prazeres. E face às circunstâncias, o Garrinchas nem pensou duas vezes: iria pernoitar ali mesmo no alpendre da capela. Arreou o pau com o farnel e tratou de fazer uma fogueira para se aquecer. Mas a lenha estava humedecida da neve e o fogo não pegava. E foi aí que o Garrinchas se lembrou de entrar na capela. A porta estava aberta (seria assalto? descuido?) e foi dentro procurar um papel ou um jornal. Então notou que, a um canto, estava arrumado o andor do ano anterior. E teve outra ideia: desmanchar o andor para aproveitar a madeira seca para a fogueira. E daí a pouco, o Garrinchas tinha no alpendre da capela uma lareira que fazia inveja à de qualquer casa abastada. Quente e abrigado foi ao bornal buscar a broa, o presunto e o chouriço que lhe deram. E nesse preciso momento teve um rebate de consciência. Dirigiu-se novamente ao interior da capela e trouxe as figuras do menino Jesus e da senhora, colocou-as à volta da fogueira e disse: “A senhora faz de quem é, o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José”.



segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Aniversário

Faz hoje precisamente 10 anos que este blogue nasceu! Como o tempo passa! Foram 10 anos a publicar regularmente, a escrever sobre os temas mais diversos. Quando esta ideia nasceu, nem em sonhos imaginava que o blogue fosse estar tanto tempo ativo e no ar. Pois bem, já que o blogue está de parabéns, impõe-se fazer uma retrospetiva e um balanço do que foram estes dez anos do blogue dedicado à freguesia de Palme... e não só.

O projeto nasceu na sequência da ameaça da instalação do aterro sanitário na nossa freguesia. Estávamos em vésperas das Autárquicas de 2009 e o aterro foi o tema que mobilizou a freguesia, motivou protestos, catapultou as manifestações para a comunicação social e foi o principal tema e arma de arremesso das eleições para a Assembleia de Freguesia de 2009. Depois do concorrido ato eleitoral, a Junta que estava venceu, mas passou a contar com oposição na Assembleia. No entanto, a grande mudança ocorreu na Câmara de Barcelos, onde se assistiu à derrota de Fernando Reis. O novo presidente acabou por encontrar uma solução alternativa para a localização do aterro sanitário, o que serenou os ânimos na freguesia e permitiu que esta tenebrosa ameaça que pairava sobre Palme se dissipasse por completo. Volvida uma década, é caso para perguntar: se Fernando Reis tivesse sido eleito para o seu último mandato, teria o aterro vindo para Palme como ele pretendia ou não? E se sim, como estaria hoje a freguesia? A resposta a estas questões é uma incógnita, faz parte do domínio da mera especulação. No entanto, um dos grandes cavalos de batalha da altura (a preservação da mancha florestal da freguesia na zona da Figueiró) acabou por se perder com o grande incêndio de 2016. Entretanto, aquela zona é atualmente alvo de estudos preliminares para a instalação de uma central fotovoltaica…como as coisas mudam em tão pouco tempo!

Segue-se que depois de resolvido o problema do aterro, o blogue foi-se mantendo. E foram muitos os assuntos aqui tratados. Política, história, cultura, ambiente, religião, agricultura, pessoas, calamidades, histórias verdadeiras, outras ficcionadas ao sabor dos acontecimentos da freguesia, mas também do concelho, e mais raramente do país e do mundo. A liberdade na abordagem dos temas foi total e essa é uma das vantagens de quem gere um blogue: escrever ao sabor do que lhe apetece ou lhe vai na alma. Ao longo deste tempo, ataques pessoais, mexericos e linguagem caluniosa estiveram ausentes do blogue. Críticas, às vezes incisivas, tem-nas havido e até com alguma frequência. Mas foram sempre dirigidas às instituições e às políticas e não às pessoas, principalmente no que diz respeito a assuntos caseiros. O mesmo não se aplica a alguns políticos nacionais e municipais (e clérigos), que foram alvo de algumas bojardas mais ou menos caricaturadas e certeiras. Mas que não causam mossa de maior em comparação com o que se vê por aí, nomeadamente nas redes sociais, onde grassa toda a casta de falsidades e de maquinações. São as famigeradas “fake news”…

Ao longo destes 10 anos foram feitas 104 publicações. É evidente que alguns posts despertaram mais interesse que outros. De uma forma resumida, o blogue já foi citado em teses de mestrado, houve textos integrais copiados e reproduzidos em alguns sites, como no da Junta de Freguesia, que publicou as três publicações sobre a história e os acontecimentos marcantes da nossa freguesia (sem que tenha pedido qualquer autorização para o efeito, pese embora citar o blogue). Diversas publicações foram também reproduzidas e comentadas nas redes sociais de uma forma mais ou menos calorosa, como a polémica questão do mosteiro de Palme pertencer a Palme ou a Aldreu. O blogue recebeu visitas de pessoas espalhadas por todo o mundo e regista entradas de locais tão improváveis como o Belize e a Papua Nova Guiné (andarão por lá pessoal de Palme?). Recebi questões de anónimos, advogados, colecionadores, ambientalistas, estudantes, curiosos e estudiosos. A publicação com mais visualizações foi “História e acontecimentos marcantes da freguesia de Palme (II)” e, no total, o blogue já foi visitado cerca de 319 mil vezes.

Feito o balanço da atividade decorrida ao longo dos últimos 10 anos, é tempo de pensar no futuro. Como a Luísa Sobral escreveu no famoso tema que venceu a Eurovisão, o blogue irá persistindo “sem fazer planos do que virá depois”. Tanto poderá durar mais uns meses como, quem sabe, mais uma década? A freguesia é pequena e pouco fértil em temas, não se passa grande coisa por aqui. Isso castra a alimentação do blogue e obriga a um esforço redobrado de imaginação e de atenção. A freguesia é farta em intrigas, insidias e fofocas, que permitiriam fazer publicações diárias, mas estas continuarão a ficar à porta do blogue, lamento. Resta ao blogue alargar horizontes e tratar de assuntos diversos e improváveis mesmo que estejam completamente fora da ordem do dia e dos holofotes das notícias. Talvez seja este o caminho, olhar para aquilo em que ninguém repara ou passa despercebido. Porque sobre o que está na ordem do dia, toda a gente fala e opina, as redes sociais até ameaçam rebentar pelas costuras. 

Para finalizar resta agradecer a todos aqueles (poucos) que seguem o blogue e a todos aqueles (muitos) que vão consultando e visualizando as publicações. Um agradecimento especial a todos e até à próxima publicação!!



segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Relógio Suíço

O problema não é de agora. Os sintomas são antigos, mas têm-se agravado nos últimos tempos. Pois é, caros seguidores deste blogue, o relógio e o sino da torre de Palme sofrem de uma maleita desconhecida. É caso para dizer que o proverbio “dar, dá o relógio horas” já não se aplica - pelo menos na nossa terra. O relógio remete-se a prolongados períodos de silêncio, quando dá horas, a gente não se pode fiar nelas, porque não seguem o horário-padrão do Observatório Astronómico de Lisboa, o sino anda descompassado e com timbres esquisitos, ora fala grosso, ora parece uma sineta rachada. Ali anda mistério. O povo, desorientado, fala e protesta. Quem anda num sino são os mais críticos do badalo e da religião, que dizem que quem quiser saber das horas ou de quando são as missas, que comprem uma cebola de pulso.

Nestes assuntos de doenças raras e misteriosas, a primeira coisa que se deve fazer, como toda a gente sabe, é ir à bruxa. Ali podem andar tramas de ateus e de pedreiros-livres, que querem descredibilizar a santa religião. Vai daí a fabriqueira recolheu uma farpinha de madeira do suporte do sino e raspa do verdete do bronze do sino e, numa manhã cedo, foram bater à porta do Razão, em Forjães. O bruxo, digo vidente dotado de poderes sobrenaturais, apareceu meio estremunhado e maldisposto por o terem obrigado a sair dos lençóis tão cedo. Depois de posto ao corrente do problema, perscrutou a farripa de madeira envelhecida, escorreu o verdete da palma da mão direita para a esquerda, farejou as amostras e, por fim, deu a sentença no seu mau hálito próprio do jejum e das más fermentações noturnas: 

- O sino e o relógio não têm mau olhado, nem mandingas, podeis estar descansados. Mas tendes que chamar um especialista para reparar o problema, os melhores são os da Suíça. Podeis ir e da consulta são 50€…

Depois da mocada do bruxo, digo vidente dotado de poderes sobrenaturais, e como nem o sino nem o relógio melhorassem com o tempo, mesmo depois de, por precaução, colocar um raminho de arruda com alho na torre, a fabriqueira lá se decidiu a procurar um especialista. Mas onde raio iam arranjar um médico Suíço? E se um labrego, digo vidente dotado de poderes sobrenaturais, cobra 50€ por uma consulta de cinco minutos, quanto não cobraria um especialista Suíço? Por isso, não estiveram com meias medidas e decidiram-se a chamar a especialista da terra. A Drª lá trepou o escadório da torre da igreja e depois de parar três vezes durante a subida, para tomar ar (a idade não perdoa), lá alcançou o sino. Sacou o estetoscópio da malinha preta e auscultou em cima em baixo, inspire, retenha o ar, expire, novamente, isso…retenha o ar mais um pouco, pronto, pode expirar. A cor esverdeada do sino sugeriu-lhe logo problemas biliares ou hepáticos, uma hepatite talvez. Depois com a palma da mão direita, bateu na mão esquerda fechada em tubo, que ia percorrendo o sino de cima a baixo. O toque batia-lhe a oco e dali concluiu que o sino padecia de gases com certeza, alguma gastrite intestinal ou nervosa (sofreria de ansiedade?). Depois mediu as tensões ao sino: 15-8, não estavam más de todo, um pouco altas, seria preciso cortar no sal. Dali passou ao relógio, mas começou a vista a fugir-lhe das alturas e resolveu descer, desculpando-se que só com uma ecografia é que se podia diagnosticar o problema. No final, receitou Guronsan (um tubo de comprimidos de manhã em jejum) para limpar o organismo, Cholagutt, um frasco 20 minutos antes das refeições para regularizar o fígado e vesícula, e Pankreoflat, uma caixa de comprimidos a seguir às refeições, por causa dos gases. Dieta à base de grelhados e cozidos, alguns legumes (poucos por causa dos gases), álcool e café nem pensar. E prometeu a cura em 8 dias. Mas que o melhor seria levar o sino e o relógio à Maria Paula, para fazer uma bateria de exames completos: análises ao sangue, urina e fezes, ecografia ao relógio e eletrocardiograma de esforço ao sino (a tocar a rebate). A fabriqueira lá foi ao Carneiro aviar a receita, mas descartou logo levar os equipamentos ao centro de diagnósticos. Era só o que faltava, a Drª estava maluca! Seria uma trabalheira montar e desmontar aquilo tudo, um camião para transportar, uma despesa e tanto, nem pensar.

O que é certo é que oito tubos de Guronsan e 16 frascos de Cholagutt e 16 caixolas de Pankreoflat depois, não se notaram melhorias de registo. O sino das poucas vezes que badalava horas, fazia-o fora de tempo, tocava para a missa a rebate e para os batizados dava sinal de finados. Uma confusão! Não seriam problemas mentais, interrogava-se a fabriqueira? Convencidos de que santos da casa não faziam milagres (como se comprovou mais uma vez) e como o falatório era cada vez maior na freguesia, a fabriqueira perdeu o amor a outra nota de 50€ e foi bater novamente à porta do Razão. 

- Que desculpasse incomodar novamente por causa daquele assunto desagradável do relógio de Palme , mas conhecia algum médico Suíço?

O bruxo, digo vidente dotado de poderes sobrenaturais, ficou perplexo com a pergunta.

- Médico? Então vocês foram chamar um médico para resolver o problema do relógio e do sino? Quando falei de especialista, queria obviamente dizer um relojoeiro Suíço. Ou vocês não sabem que eles são os melhores relojoeiros do mundo?!
- Aaaahhh…disseram os da fabriqueira, enquanto lhe passavam para a mão mais uma nota castanha.

E foi então que, um famoso especialista Suíço, que trabalha numa empresa de relógios de Braga, por indicação do bruxo, digo vidente dotado de poderes sobrenaturais, veio a Palme ver o que se passava. Depois de devidamente informado e de verificar as engrenagens e os mecanismos, o Suíço, no seu sotaque germânico, diagnosticou logo o mal. O relógio e o sino estavam velhos e a precisar de reforma. E, com uma precisão matemática, referiu que só a dar horas, o sino batia 336 vezes por dia. Ao fim de 30 anos, idade aproximada do atual mecanismo computorizado, o sino tinha dado mais de 3,5 milhões de pancadas só em horas. Se a isso somarmos todos os outros toques, foram para cima de 7 milhões de badaladas. Era muita fruta! E que a torre do sino era um lugar muito inóspito para se viver, estando sujeito a todas as inclemências do tempo. 

- Por isso, meus amigos, se querem ter tudo a funcionar direitinho como um relógio suíço, há que investir num novo. 

E deixou-lhes um cartão com o contacto… 





segunda-feira, 15 de julho de 2019

Condições de vida na década de 1940

Depois da penosa participação de Portugal na I Guerra Mundial, que se traduziu em numerosas baixas e num esforço financeiro insuportável, Portugal declarou a sua neutralidade quando rebentou a Segunda Guerra Mundial em 1939. A política conduzida por Salazar era a de pactuar agilmente com os dois blocos em conflito, sem se comprometer tacitamente com nenhum deles. Dessa forma, Salazar conseguiu que o país não fosse um alvo direto de nenhum dos blocos beligerantes e, ao mesmo tempo, poupou os militares e as suas famílias ao sangrento conflito. Mas não conseguiu evitar que o país sofresse as duras consequências económicas e sociais da guerra. 

A escassez de alimentos e de um vasto conjunto de produtos e de bens que o país não possuía esteve na origem de anos de penúria, de fome e de miséria generalizada, o que foi agravado pelos maus anos agrícolas (seca) vividos nessa altura. A economia e a inflação galopante também não ajudaram. No período de 1939-1945, os preços em Portugal subiram cerca de 142%, ao passo que os salários desceram cerca de 40%. Para fazer face à carência de alimentos e às dificuldades em abastecer as principais cidades do país, Salazar decretou o racionamento dos bens alimentares. Assim, a partir de 1942, os agricultores ficaram obrigados a declarar os cereais que tinham em sua posse. A cada lavrador era fixada a quantidade de cereais com a qual podia ficar para a alimentação do seu agregado, enquanto que o sobrante era requisitado a favor do Estado a um determinado preço de tabela. Esta medida pretendia evitar que os agricultores açambarcassem cereais que faziam falta ao abastecimento das cidades e das regiões onde eles eram insuficientes. A fim de controlar a produção e comercialização dos géneros alimentares, o Governo criou as Comissões Reguladoras do Comércio Local, existindo normalmente uma por concelho, que era chefiada pelo respetivo presidente de Câmara. Nestas Comissões, que assumiram frequentemente a designação de “Grémio” existiam ficheiros organizados por freguesia, de onde constavam todos os núcleos familiares, desdobrados a partir do casamento. De cada núcleo constava o chefe de família (homem) e a lista das pessoas que estavam ao seu encargo: esposa, filhos e netos. Sempre que havia um nascimento no agregado, o chefe de família tinha que informar a Comissão para ter direito a receber mais algumas migalhas. Por outro lado, através das fichas de óbitos eram abatidos os mortos, com o consequente corte na ração.

Era com base nesta ficha familiar que a Comissão Reguladora do Comércio Local passava as senhas com que cada família iria comprar os produtos racionados, obrigatoriamente vendidos nas mercearias, a preços tabelados. Estes produtos eram essencialmente açúcar, arroz, bacalhau (o fiel amigo), massa, azeite, óleo, farinha e sabão. A carne não fazia parte do regime alimentar da altura e só as famílias mais abastadas é que se davam a este luxo. As quantidades a atribuir a cada agregado familiar eram extremamente baixas e dependiam da época do ano e da existência de stocks. Por exemplo, era comum a Comissão racionar para cada agregado/mês: meio kg de arroz, meio kg de açúcar, meio litro de azeite e 0,8 kg de bacalhau; e por cada semana: meio kg de batatas e 300 g de pão por dia. Como é fácil de imaginar, tais quantidades eram manifestamente insuficientes para a alimentação dos agregados. Nos meios rurais, a população procurava que, pelo menos, a broa de milho nunca faltasse no forno. Os agricultores obviamente preferiam ficar com tudo o que colhiam, não apenas para assegurar uma alimentação mais folgada ao seu agregado, como para criar reservas alimentares, para valer a outros familiares ou amigos, ou simplesmente para vender os cereais no mercado negro a um preço mais elevado que o pago pela Comissão. No mercado negro, os preços dos bens alimentares chegavam a ser 500% superiores aos preços de tabela. Porém, como era obrigatório declarar a quantidade de cereais colhidos, os agricultores recorriam a toda a sorte de esquemas e subterfúgios para esconderem os cereais dos olhos dos regedores e dos chamados homens bons que faziam parte das Comissões.

Barcelos foi um dos concelhos que teve Comissão Reguladora do Comércio Local que era responsável pelo racionamento de bens alimentares para a população do concelho e pela emissão das respetivas senhas para o levantamento nas mercearias. Os mais idosos, por vezes, ainda falam no Grémio e nos tempos de penúria por que passaram. As estradas tal como as conhecemos hoje não passavam de caminhos de terra batida e as pessoas deslocavam-se a pé para a cidade. Para os que residiam em Palme, eram caminhadas de cerca de 2 horas para cada lado, por atalhos e caminhos, com alguns perigos. Em Palme, eram três as mercearias onde se podiam trocar as senhas por alimentos: Adães, atual Quintas e Aida. Para além das senhas que se podiam trocar por dadas quantidades de alimentos, nessa altura vendia-se tudo avulso nuns cartuchos de papelão: 100 g de cevada, uma quarta de farinha, etc. O dinheiro não dava para mais. É impensável as condições com que as famílias com numerosos filhos viviam na altura. Isso sim eram tempos difíceis e de crise!...Os mais idosos que passaram pelas agruras desse tempo falam das diversas artimanhas que usavam para esconder os cereais dos olhos dos fiscais. Uma das técnicas utilizadas consistia em fazer medas de palha, com molhos por desfolhar no interior. Isso era válido para a palha milha, mas também para a centeia. Quem olhasse para as medas via apenas palha, mas elas estavam prenhas de espigas no interior. Uma outra técnica era esconder o cereal já debulhado em locais insuspeitos: dentro de pipos de vinho que aparentemente estavam vazios, em fundações dissimuladas no chão das lojas, no interior de paredes falsas, dentro de utensílios do dia a dia destinados a uso agrícola. Quando os lavradores eram apanhados desprevenidos ou os olhos perscrutadores dos fiscais descobriam o esconderijo, alguns lavradores arriscavam subornar os fiscais. Convidavam-nos para “jantar”(almoço) ou então presenteavam-nos com uma boa merenda: presunto, chouriço, pão caseiro e canecas de vinho tinto de espuma a borbulhar. Os fiscais, de estômago forrado e inebriados, fechavam os olhos à transgressão e lá iam à sua vida. Isto passou-se em Palme. Os métodos de suborno não são, pois, novos; os motivos é que são diferentes…

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Volfrâmio

1 de setembro de 1939. A Alemanha invade a Polónia, dando início à Segunda Guerra Mundial, que se haveria de prolongar por seis longos anos de miséria, desgraças, tortura e morte. Ao todo, mais de 60 milhões de pessoas perderam a vida no sangrento conflito, que se alastrou por todo o mundo. Portugal, mal a guerra rebentou, anunciou logo a sua neutralidade: o país não estava ao lado do Eixo (Alemanha/Itália), nem dos Aliados. Mas Portugal tinha um recurso natural que foi muito cobiçado e que Salazar usou como moeda de troca para assegurar o abastecimento de bens essenciais ao funcionamento do país. Esse recurso era o volfrâmio (ou tungsténio). Na indústria do armamento, o volfrâmio era utilizado como endurecedor de ligas metálicas para a construção de armas, nomeadamente para revestir projéteis, obuses e granadas. Ou seja, o volfrâmio era procurado para os Alemães e os Aliados se matarem uns aos outros nos campos de batalha. Mas Portugal não estava preocupado com o fim a que destinava o volfrâmio, mas sim nas receitas que poderia arrecadar com a sua venda.

A elevada procura e os altos preços do volfrâmio originaram uma autêntica corrida ao minério. As populações em redor de locais com minério abandonaram os campos e tentaram a sua sorte nos montes, pedreiras e minas à procura das pedras pretas. Para evitar a especulação, controlar a exploração e evitar uma fuga maciça do campo para os montes, o Governo criou em 1942 a Comissão Reguladora de Comércio de Metais e fixou o preço do volfrâmio em 150$00 por kg. Nessa altura, no mercado livre, o preço do minério já andava pelos 500$00 o kg. Em termos práticos, esta medida do Governo estimulou o contrabando e os candongueiros, ou seja, o mercado paralelo onde os preços chegaram a atingir os 1000$00 por kg. Ora 1000$ na década de 1940 era uma pequena fortuna. O trabalho do campo, de estrelas a estrelas era pago a 2,5$00 ou menos ainda. Portanto, uma única pedra de volfrâmio de 1kg correspondia a anos e anos de duro trabalho no campo. Por isso mesmo, muitas pessoas deixaram as terras ao abandono e encaminharam-se para os locais onde havia este autêntico ouro negro que alimentava a indústria da guerra. No terreno instalam-se empresas com concessão própria, exploradores com contrato ao serviço dos concecionários e um sem número de aventureiros e exploradores, que esventraram o solo à procura das preciosas pedras negras. Outros dedicavam-se simplesmente ao furto do minério nas explorações já demarcadas, ao roubo do volfrâmio nas próprias minas, ou através de emboscadas aos camiões de transporte. Outros ainda dedicavam-se à tarefa de “martelar” o volfrâmio, que era impingido a compradores menos experientes. Uma das técnicas consistia em fritar em azeite e petróleo escórias do volfrâmio ou pirites, que depois se assemelhava a volfrâmio verdadeiro. Os compradores menos experientes pagavam fortunas por estas traficâncias, que depois não valiam nada, levando-os à ruína. Pelo porto de Viana do Castelo, seguiu muito do volfrâmio clandestino, sendo transportado em pequenos barcos para cargueiros ingleses. Em 1942, os preços do volfrâmio em Viana do Castelo foram mais elevados que os praticados na cidade do Porto, para onde convergia muito do minério da região norte e centro do país.

O estatuto de país neutral permitiu a Portugal vender volfrâmio tanto à Alemanha de Hitler, regime pelo qual Salazar tinha alguma simpatia e estava ideologicamente próximo, como aos Aliados, nomeadamente à Inglaterra, país com o qual Portugal mantinha uma velha Aliança. Por isso, Portugal envolveu-se em duras e prolongadas negociações com os blocos beligerantes para fixar a quantidade de minério a fornecer e as contrapartidas a receber. E por causa do volfrâmio, o país sofreu enormes pressões de ambos os lados e esteve, inclusivamente, em risco de ser invadido. O primeiro acordo foi assinado com a Alemanha em 1942 ao abrigo do qual Portugal se comprometia a enviar 2800 toneladas/ano ao  preço de 150$00 por kg. Em contrapartida, a Alemanha comprometia-se a enviar para Portugal diversas toneladas de bens para a indústria e agricultura (ferro, vagões de comboios, sulfato de amónio, etc.). O acordo luso-alemão provocou enorme desagrado aos ingleses que decretaram um bloqueio económico a Portugal. Por isso, Salazar teve também que negociar um acordo com os Aliados (ingleses e americanos) para o fornecimento de 4000 toneladas de volfrâmio/ano, em troca de produtos diversos. Portugal, porém, não tinha capacidade para entregar tais quantidades de minério e, por isso, ambos os acordos foram renegociados em 1943. Com o recuo dos Alemães nas diversas frentes a partir de 1943, a pressão dos Aliados para que Portugal deixe de fornecer volfrâmio à Alemanha intensifica-se. Salazar, procura sempre adiar qualquer decisão, pois sabe que as receitas do volfrâmio são fundamentais para a economia do país. Até que em 1944, a Inglaterra apela à Aliança e às obrigações contratuais de Portugal como velho aliado da Inglaterra. Salazar fala de um prejuízo de 10 milhões de libras por ano para a economia nacional, mas já não havia qualquer margem de manobra. E assim, em 12 de junho de 1944, 6 dias depois do desembarque das tropas aliadas na Normandia, o Governo português publica o Decreto-Lei nº33 707, que suspende a exploração e a comercialização do volfrâmio. Terminava assim uma dura batalha da diplomacia portuguesa e o sonho de muitos novos ricos, traficantes e candongueiros, que tentavam fortunas fáceis à custa do minério.

No concelho de Barcelos, o volfrâmio foi também explorado, mas de uma forma geral em pequena escala. Foram três as minas concessionadas para a exploração do volfrâmio, estando atualmente todas elas desativadas e abandonadas: a mina do Lugar da Pena em Vila Frescaínha de São Martinho, a mina do Carqueijoso em Oliveira, e a mina da Castanheira, em Courel e Paradela. Para além destas minas legais e concessionadas, houve muitas outras explorações de caráter furtivo e ocasional, que nasceram da forte procura e da alta de preço, onde a extração não obedecia a qualquer plano ou projeto. Foi o caso das explorações feitas no monte de Fragoso, que ficaram conhecidas como “minas do minério”. Sobre as minas de volfrâmio em Fragoso, infelizmente não há quase nada escrito sobre o tema. Sabe-se a sua localização (Figura 1) e das galerias que vale a pena explorar com auxílio de uma lanterna. O tema foi pretexto para uma música do grupo “Colheita Alegre”, que conta a história das pessoas da freguesia que abandonaram as leiras, foram para o monte à procura do “ouro negro”, e regressaram novamente às terras quando o Governo decretou o fim da exploração. Pela tradição oral, os mais velhos contam ainda que os seus pais ou irmãos mais velhos se dedicaram à dura tarefa de esventrar o monte em busca do minério negro. A perfuração era manual com auxílio de picaretas, marretas, guilhos, brocas e pás. Este trabalho bem como o transporte do entulho até ao exterior da mina era dedicado exclusivamente aos homens. Muitas mulheres e crianças vaguearam e trabalharam neste duro ofício de garimpar o volfrâmio em Fragoso. Dedicavam-se à lavagem e crivagem do minério extraído das galerias, para separar o minério do resto do entulho. Isso podia incluir também uma espécie de britagem, que consistia em partir pedaços de rocha grande, para deles extrair o minério. Mas a maior parte destas pessoas já morreram e as suas experiências e conhecimentos perderam-se para sempre. Uma pena! 

Alguns dos que se aventuraram pelo monte de Fragoso em busca de minério eram de Palme. Homens, mulheres e crianças que há 75 anos atrás tiveram a ténue esperança de que o volfrâmio lhes permitiria forrar o estômago, trazer alguma fartura à mesa e encarar o futuro com um pouco mais de confiança. Tive inclusivamente familiares que por lá andaram de picareta na mão à cata da pedra negra e de crivos na mão a separar o entulho do minério. Tudo em vão, porque a febre do volfrâmio rapidamente passou e as pessoas regressaram tão pobres como partiram às duras lidas do trabalho do campo. Para quem se interessar pelo tema, há alguns livros que contam as aventuras e desventuras das gentes que partiram dos campos para o monte à procura do ouro negro. Recomendo particularmente três livros: “Volfrâmio” de Aquilino Ribeiro; “As Minas de São Francisco” de Fernando Namora; e “Alegria Breve” de Vergílio Ferreira. No próximo mês fica desde já prometido novo regresso à década de 1940.

Fig.1 Localização de mina de volfrâmio em Fragoso



Fig.2 Aspeto do interior da mina

sexta-feira, 3 de maio de 2019

A greve dos motoristas de matérias perigosas

A semana da Páscoa de 2019 foi tudo menos Santa, pelo menos nos postos de abastecimento de combustível. A greve dos motoristas de transportes de matérias perigosas provocou o caos e ameaçou paralisar completamente o país. O povo, desvairado e alarmado pelos jornalistas sensacionalistas, acorreu em massa às bombas para atestar e assim se precaver da míngua de combustível. Esta paralisação e a forma como as pessoas reagiram dá que pensar:

1) Os funcionários públicos, permanentemente em greve, devem ter ficado verdes de inveja. Uma classe que nem se julgava existir e representada por um sindicato constituído há apenas alguns meses, com meia dúzia de dezenas de motoristas, sobressaltou o país e ameaçou paralisá-lo completamente e em poucas horas. Uma greve que obrigou a sentar à mesa sindicatos, patrões, empresas, sob a mediação do Governo. Uma greve sem sobressaltos de maior e sem recurso a fontes manhosas de financiamento. Uma greve que em três dias levou a um acordo. Ai se o Sr. Mário Nogueira ou a Srª Bastonária dos Enfermeiros andassem com cisternas de combustível às costas, era num instante que conseguiriam os seus intentos corporativistas…

2) A greve demonstrou a extrema dependência da economia em geral e do setor dos transportes em particular aos combustíveis fósseis e ao diesel em particular. Enquanto a produção de eletricidade se tem vindo a descarbonizar, o setor dos transportes está ainda praticamente todo dependente do petróleo. Isto é tanto mais grave num país onde 60% das pessoas usam o automóvel para as suas deslocações diárias. Logo, se o combustível falhar, o país não tem outro remédio senão parar…

3) Cerca de 80% das viaturas do parque automóvel nacional são movidas a gasóleo. O diesel foi o combustível mais procurado e o primeiro a esgotar-se nos postos de abastecimento. É o preço a pagar pela não diversificação. Nessa semana, quem tinha carros a gasolina e, sobretudo, veículos elétricos, olhava com desdém para os condutores de veículos diesel. Ficou evidente mais uma fragilidade dos carros a diesel, a somar às restantes, nomeadamente à poluição, principalmente de partículas (PMs), que estão na origem de políticas europeias que pretendem erradicar os motores a diesel no médio prazo. Aliás, vários construtores automóveis já anunciaram o fim para breve dos motores a diesel. Há dúvidas que quem comprar um carro a diesel agora vai perder mais do que perderia se o comprasse há 10 ou 15 anos?

4) Em momentos de crise e de aperto, o pior do povo vem ao de cima. Portugal teve dois dias à “venezuelana”, com longas filas de carros para atestar. Mesmo com meio depósito ou mais, o sentimento da “Maria vai com as outras” funcionou, e as pessoas lá se sujeitaram a horas em filas de espera intermináveis. Pelo meio há notícias de quem ficasse sem combustível à procura de uma bomba, de zaragatas por causa de saber quem amarrou primeiro a mangueira, de pessoas que saíam de uma bomba e se enfiavam noutra longa fila para acabar de atestar o tanque por causa da limitação de litros. Houve filas de dia e de noite, tanto nos grandes postos de combustível, como nas bombas mais recônditas das terriolas mais pequenas. O gasóleo simplesmente evaporou-se! No meio da confusão, alguns empresários, sem escrúpulos, subiram artificialmente os preços para lucrar à custa do desespero do povo ressequido. Se houvesse gasóleo a 5€ o litro, não faltaria quem abastecesse!

5) Solidariedade e respeito pelo outro foi coisa que, portanto, não se viu. As pessoas assanhadas e em pânico, quando deitavam a mão à almejada mangueira, era às boladas de 60€ e 80€ de combustível. É para atestar! Os outros que se lixassem. O gasóleo transformou-se por estes dias num bem tão ou mais precioso que o pão ou a água. Recurso esse que aos poucos está a matar o planeta e é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas alterações climáticas. Coisa esquisita esta a de as pessoas se submeteram aos maiores sacrifícios e pagarem a peso de ouro por uma substância que está a envenenar o planeta e os seus habitantes aos poucos….Mas que é que isso importa agora, é para atestar!!

A corrida às bombas foi algo sem precedentes e deixou o país entretido durante alguns dias com esta novela à moda tuga. Como muitos automobilistas passaram por autênticas sagas para abastecer os seus sequiosos veículos, deixo-vos um tema a preceito. Inspirado no tema que os Da Vinci levaram ao festival da canção, senhoras e senhores aqui fica a música: “Não há abastecedor”, orientada sob a batuta de Thilo Krassman. Toca a cantar!


Era um carro novo
Um sonho do Tonecas
Acelerar até ao fim
Espoliçar os pneus nas giratórias
Ultrapassar as chocolateiras
Assapar com bebedeiras
Foram mil ponteiras
Com garinas à boleia
Queimei litros com fervor

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Total
Curvão e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Tinha um motor novo
Que me deu tantos troféus
Era sempre prego a fundo
A cegar com os faróis
E sem nada à cintura
Queria lá saber da temperatura
Foram mil ponteiras
Com garinas à boleia
Queimei litros com fervor

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Total
Curvão e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Total
Curvão e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Foram dias e dias
E meses e anos a assapar
Percorrendo km e km de estradas
A fumegar

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Total
Curvão e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Já fui à Repsol
Galp e BP
Cepsa e Curvão
Total e Intermarché
Ai, fui à bomba daquele estupor
Mas já não há abastecedor

Não há abastecedor
Não há abastecedor
Não há abastecedor



segunda-feira, 1 de abril de 2019

O Zé do Telhado

Em meados do século XIX, Portugal vivia um período particularmente conturbado. A guerra civil entre absolutistas e liberais dilaceraram o país e, pouco tempo depois, rebentava a revolta popular conhecida por Patuleia, movimento liderado pela Maria da Fonte, que se insurgiu contra os enterramentos fora das igrejas. No meio desta vida social tumultuosa, muitos sobreviviam à custa do suor e daquilo que a terra dava, outros dedicavam-se à mendicância, enquanto outros se transformaram em assaltantes de caminhos e em ladrões profissionais. Um dos mais afamados e temidos salteadores foi sem dúvida o Zé do Telhado. De seu nome batismal José Teixeira da Silva, o Zé do Telhado nasceu em 1816 na freguesia de Castelões, concelho de Penafiel. Descendente de uma família amiga do alheio, com vasta experiência na arte de roubar e de assaltar, a infância e juventude do Zé do Telhado pareceram querer desmentir o fraco da família. Depois de ser ameaçado por um tio que se recusou a oferecer-lhe a mão da filha, o jovem Zé do Telhado vai para Lisboa, para ganhar a vida e finalmente poder dar o nó com a sua prima. Na capital, assentou praça no Regimento de Cavalaria, jurou bandeira, e rapidamente chegou ao posto de sargento. Lutou ao lado do Duque de Saldanha e mais tarde, na revolução de 1846, acompanhou o visconde Sá da Bandeira a Valpaços, onde se destacou pela bravura demonstrada na batalha, tendo inclusive salvado a vida do visconde. Por este bravo feito, o Zé do Telhado recebeu a condecoração de Torre e Espada, uma das mais altas distinções do Estado. De regresso à sua terra natal, com mulher e um rebanho de cinco filhos para alimentar, Zé do Telhado passa por dificuldades económicas. Pede emprego e ajuda para várias funções, mas não obstante a sua carreira militar e feitos, todos lhe fecham a porta. Desesperado, restava-lhe uma opção: dedicar-se ao ofício da família. Vai daí, junta-se ao gangue do seu irmão, Joaquim do Telhado, e rapidamente passa a chefe da quadrilha. O primeiro assalto liderado pelo bravo militar acontece em dezembro de 1849, tinha então 33 anos. Rapidamente foi responsabilizado e pronunciado pelo crime praticado na freguesia de Macieira. Foge para o Brasil, mas em 1851 regressa a Portugal, onde se torna célebre por uma série de crimes, incluindo o famoso assalto a uma residência abastada em Carrapatelo, onde um dos criados da casa é abatido com golpes de machado e com um tiro na garganta. Com um crime de sangue, as autoridades reforçam a vigilância ao bandoleira e ao seu bando, mas ele escapa-lhes sempre por entre as mãos. Pelo meio pratica mais assaltos, escolhendo sempre casas abastadas e com haveres dados como certos: ouro, joias e dinheiro. No final dos saques, toma nota dos bens subtraídos e reparte-os por todos de forma equitativa. Inclusive doa parte do produto dos roubos aos mais pobres. Foi uma espécie de “Robim dos bosques” à portuguesa. Escapa por diversas vezes, incluindo à traição perpetrada pelo José Pequeno, do qual recebeu um tiro pelas costas. Zé do Telhado procura vingar-se do traidor e, no dia seguinte, envolve-se num duelo à faca com o José Pequeno, acabando por o matar e de lhe cortar a língua com uma tesoura. No entanto, o salteador tinha a cabeça a prémio e foi vítima de nova traição na cidade do Porto, onde as autoridades finalmente lhe deitaram a mão. Foi encarcerado na Cadeia da Relação da cidade. A quantia avultada que detinha quando entrou na penitenciária (600 mil Reis) esfumou-se em dádivas e esmolas pela multidão de presos miseráveis que cumpriam pena. É nesta cadeia que conhece Camilo Castelo Branco, que estava preso por adultério. O grande escritor romântico tinha-se envolvido com Ana Plácido, uma mulher casada com o Conselheiro Pinheiro Alves que moveu logo um processo contra o casal adúltero. Camilo e Zé do Telhado tornam-se amigos na prisão e, mais tarde, o escritor no livro “Memórias do Cárcere” conta vários episódios da vida do bandoleiro, que o ajudam a tornar célebre. É também na cadeia que Camilo escreve “Amor de Perdição, o mais célebre dos seus livros.

Pobre e arruinado, Zé do Telhado nem dinheiro tem para pagar o advogado no seu julgamento que decorre em Marco de Canaveses. Por interferência de Camilo, o advogado Marcelino de Matos defende o salteador gratuitamente e consegue-o salvar da forca. No final, o seu cliente é apenas responsabilizado por uma morte sem premeditação e consegue demonstrar que muitos dos assaltos de que era tido por autor, não passavam de calúnias. A sentença poupa-o da pena capital, mas condena-o a degredo perpétuo com trabalhos públicos. Zé do Telhado é então desterrado para Angola, onde, ao serviço das forças coloniais, acabou por se envolver em várias lutas contra nativos revoltosos. Em Angola ficou conhecido por Quimuezo devido às longas barbas que usava. Ainda veio a ter prole de uma africana mas, acometido pela doença e em extrema miséria, o mais famoso bandoleiro português morre em 1875.


Com o seu raio de ação centrado na região Norte do país, o Zé do Telhado deixou o seu rasto um pouco por todo o lado. Diz-se que o Penedo do Ladrão, nos Feitos, foi um dos seus poisos, de onde se lançava assaltos aos viajantes que seguiam no caminho que ligava Barcelos a Viana, atual EN103. E parece que o temerário ladrão tentou também a sua sorte em Palme. Alguns idosos da freguesia ainda hoje falam esta história. Os pais dos seus avós contavam que o gangue do Zé do Telhado se acercou das Casas Novas, residência rica, de que hoje só restam as ruínas e os umbrais do portão de entrada, no lugar de Paranhos, mesmo à face da rua com o mesmo nome. Segue-se que nessa noite, os ratoneiros cercaram a casa e em voz alta pediram para que abrissem a porta e que entregassem todo o ouro e dinheiro e que não fariam mal a ninguém (o que era habitual acontecer se ninguém causasse resistência aos gatunos). Os proprietários, sabendo da horda que tinham fora da porta, puseram-se a berrar, aqui del rei que nos vão matar. O alarido a meio da noite acordou a populaça e muitos com archotes de palha a arder dirigiram-se para as proximidades do local. O bando é que não queriam companhia por perto e vai daí um dos mais bravos desfechou um tiro com o bacamarte na direção das tochas a arder. Diz-se que o zagalote furou o chapéu de um dos socorristas e a tropa fandanga, atarantada, largou os archotes de palha e tresmalhou-se por onde pôde. No meio da confusão, a dona de casa colocou o dinheiro e o ouro que tinham dentro de um saco de pano, e fez descer o precioso embrulho por uma janela, agarrado a um fio. E assim quando os saqueadores entraram em casa, nada encontraram.



sexta-feira, 1 de março de 2019

Laranja prata

Para aqueles que vivem no campo, o inverno para além de todas as privações próprias da época, corresponde a um período de falta de frutas. Desde que as últimas nozes pingam do alto dos ramos das nogueiras até que as primeiras pinhas de nêsperas comecem a amarelar nas cristas das árvores, há um longo período praticamente sem frutas. As árvores, arrepiadas com os frios do norte, bem sacudidas pelos ventos do sul e encharcadas por bátegas de água que caem a prumo de nuvens negras, despojam-se de tudo. Primeiro das frutas e depois das folhas. Salvam-se desta desgraça coletiva os citrinos e os quivis, estes últimos introduzidos em boa hora há algumas décadas no nosso país. Por isso mesmo, a laranja é o fruto de excelência do inverno e as laranjeiras, carregadas de belos e vistosos frutos, são um oásis de cor e de esperança no triste, cinzento e prolongado inverno.

O povo na sua sabedoria popular refere que “a laranja de manhã é ouro, ao meio-dia é prata e à noite mata”. Este é sem dúvida um dos mais conhecidos ditados populares e sugere que, dependendo da hora do dia em que se come a laranja, ela poderá ser benéfica ou prejudicial à saúde. Contudo não há nenhuma evidência científica de que faça mal comer laranjas à noite, nem tampouco que o consumo de laranjas possa causar a morte a alguém. Talvez o alerta se deva ao facto de a laranja ter propriedades excitantes que, tal como o café ou o chá preto, desaconselham o seu consumo à noite por poderem causar insónia. Mas mesmo neste caso, o efeito varia de pessoa para pessoa, pelo que comer laranjas à noite pode, quando muito, matar o sono, nada mais. O consumo de laranja é recomendado por ser uma fonte de vitamina C, de ferro e por ser uma fruta diurética, rica em água e pobre em calorias. Considera-se que comer uma laranja por dia é suficiente para cobrir as necessidades de vitamina C do corpo humano. No entanto, há frutas, como os já mencionados quivis, que também são fontes muito ricas de vitamina C, pelo que podem ser uma boa alternativa à laranja. Um dos efeitos indesejados do consumo de laranja (ou de outros frutos cítricos, como a tangerina ou a clementina) são as dolorosas aftas na língua e na boca, bem como as alfinetadas por baixo da última costela do lado direito (fígado). Isso resulta do facto da laranja ser um fruto ácido (ácido cítrico), mas esses sintomas só se costumam manifestar após um consumo exagerado desta fruta. Com exceção deste problema, que também não se manifesta em todas as pessoas, o consumo moderado e com regra de laranja (ou do seu sumo natural, que é ótimo) é altamente recomendado.

Há inúmeras variedades de laranja, desde as mais precoces, que ficam doces logo no outono, até às variedades mais serôdias, que se conservam sumarentas até ao final do verão. A laranja de umbigo é uma das variedades regionais mais conhecidas e populares, pela qualidade e precocidade dos seus frutos. Mesmo pelos quintais de Palme há imensos exemplares destas laranjeiras de umbigo. Das variedades regionais mais tardias, temos por exemplo a D. João, que dá laranjas de pequeno porte, mas que se mantém sumarentas pelo verão fora. Uma das variedades regionais mais espetaculares é a laranja prata. Trata-se de uma variedade regional não muito comum, que deve o seu nome ao facto de apresentar a casca amarela e a polpa amarelo-esverdeada à semelhança do limão. Neste caso, a expressão “cor-de-laranja” não se aplica, porque este laranja tem “cor de limão”. Por isso mesmo, os frutos não são assim muito vistosos nem apelativos e quem olha para eles desconfia logo que se trata de uma laranja amarga ou de alguma variedade híbrida de limão. Puro engano! Os frutos não têm qualquer acidez, são doces e mantém-se sumarentos por muito tempo na árvore. Apenas costumam conter algumas sementes, mas nada que belisque a qualidade geral desta laranja, que apresenta frutos de tamanho médio e de casca fina. Uma agradável surpresa. Com a invasão de variedades provenientes do estrangeiro, como a Dalmau, a Navel late ou a Robertson, que estão à venda em qualquer viveiro, era importante preservar estas variedades antigas e tradicionais portuguesas, como a laranja prata, que fazem parte do nosso património frutícola. E com esta variedade de laranja prata, o ditado que diz que a “laranja ao meio dia é prata” faz ainda mais sentido! Fica aqui este pequeno contributo à laranja prata e as respetivas imagens a seguir. Experimentem que é saborosa e vale a pena!

Laranja prata

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Freguesias prioritárias no risco de incêndio 2019

No passado dia 17 de janeiro foi divulgado o mapa das freguesias de 1ª e 2ª prioridade para a limpeza no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Essa informação consta do Despacho n.º 744/2019 que determina ainda que a fiscalização da limpeza de terrenos confinantes a edificações (numa faixa 50 metros), a aglomerados populacionais e a áreas industriais (numa faixa de 100 metros) se efetue entre os dias 1 de abril e 31 de maio. O Despacho determina igualmente que a fiscalização da limpeza das faixas de proteção das redes viária e ferroviária e das linhas de transporte e distribuição de energia elétrica seja efetuada entre os dias 1 e 30 de junho. O Despacho considera como áreas prioritárias para efeitos de fiscalização de gestão de combustível as freguesias de 1º e 2º prioridade, as áreas confinantes a edificações, os aglomerados populacionais, as áreas industriais, as redes viária e ferroviária e as linhas de transporte e distribuição de energia elétrica.

A classificação e o mapa das freguesias de 1ª e 2ª prioridades foram feitos pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICN). As freguesias classificadas na 1ª prioridade são aquelas onde é mais urgente e necessário e as ações de limpeza florestal e onde o risco de incêndio é maior. As freguesias de 2ª prioridade surgem imediatamente a seguir na lista do risco de incêndio florestal. No total do país, o ICN colocou 1142 freguesias nestes dois níveis de prioridade de intervenção e de risco, sendo que 703 delas estão no grupo 1, o mais prioritário. O interior Norte e Centro e o Algarve continuam a ser as zonas onde a mancha de territórios marcados a vermelho e laranja (que indica quais as freguesias prioritárias nas intervenções de limpeza e de autoproteção) é maior. Em Barcelos, o ICN identificou oito freguesias, a maior parte delas na área norte do concelho com risco elevado de incêndio. As freguesias classificadas mais prioritárias são Aborim, Carapeços e a UF de Quintiães e Aguiar. As freguesias inseridas na 2ª prioridade são Fragoso, Palme, Panque, UF de Sequeade e Bastuço de S. João e Stº Estevão e UF de Tamel Santa Leocádia e Vilar do Monte.

A freguesia de Palme está, pois, integrada no segundo nível de prioridade de limpeza e de fiscalização e está sinalizada como tendo um risco elevado de incêndio em 2019. O último grande incêndio ocorreu em 2016 e o tempo decorrido entre os dois últimos grandes incêndios foi de apenas 4 anos (2012 e 2016). Desde o fogo de agosto de 2016, considerado na altura como o maior incêndio florestal a devastar o concelho de Barcelos, passaram-se quase três anos. Nesse fatídico verão, a maior parte da mancha florestal da freguesia foi reduzida a cinzas. Na altura houve grandes lamentações, queixas e projetos para evitar que calamidade se voltasse a repetir. O que foi feito deste então para o evitar? Praticamente nada. Tirando as limpezas obrigatórias que os particulares apressadamente fizeram na primavera de 2018 para evitar multas e as ações de desarborização feitas pela Câmara e pelos entidades centrais ao longo das estradas 305 e 103, nada mais se fez. Nem caminhos, nem melhoramentos nos acessos florestais, nem pontos de água, nem corta-fogos, nem ações de ordenamento florestal, nem ações de sensibilização junto dos proprietários. Em muitos casos, nem os proprietários se dignaram a remover as árvores e a lenha queimada, quanto mais a limpar a vegetação que entretanto cresceu. O resultado está a vista: o monte de Palme está novamente transformado numa selva desordenada de eucaliptos, que serão pasto fácil para chamas. Resta saber quando: já em 2019?

O mapa do ICN tem alguns dados preocupantes, mas algumas curiosidades também. É preocupante saber que temos freguesias vizinhas ou próximas na 1ª prioridade de intervenção, pois é nessas que o risco de incêndio é maior. Basta lembrar que os grandes incêndios que devoraram a floresta de Palme nas últimas décadas tiveram sempre origem noutras freguesias. Portanto, há aqui o risco da história se voltar a repetir. Por outro lado, as freguesias identificadas com a 1ª e a 2ª prioridade correspondem àquelas que têm a maior mancha florestal contínua do concelho (alguns chamam-lhe a “Amazónia de Barcelos”). Agora não se percebe o motivo de algumas freguesias incluídas nesta mancha, como os Feitos e Aldreu, terem ficado de fora. Como é sabido, nos grandes incêndios do norte do concelho, os Feitos e Aldreu nunca foram poupados pela voracidade das chamas. Então, por que razão o ICN não as incluiu na lista? Por terem realizado ações significativas de prevenção dos incêndios? Por desconhecimento do ICN? Fica a pergunta.


Freguesias prioritárias para limpeza florestal em Portugal, 2019



Freguesias prioritárias para limpeza florestal em Barcelos, 2019