terça-feira, 30 de outubro de 2012

História e acontecimento marcantes da freguesia de Palme (I)


Os seguidores mais atentos deste blogue deverão recordar-se que, num dos posts passados, ficou a promessa de trazer aqui uns apontamentos sobre a história de Palme. Adverte-se desde já que por este blogue não milita nenhum historiador, arqueólogo ou qualquer outro cientista social afim pelo que, se alguém mais entendido detectar alguma imprecisão ou equívoco, deverá pronunciar-se para bem do rigor histórico (os comentários serão bem-vindos assim como mensagens para o email: freguepalme@hotmail.com). O trabalho que se segue resulta de uma breve investigação e na compilação de informação dispersa por vários documentos, com o objectivo de explicar quão tão antiga é a presença humana na nossa terra e de desvendar alguns dos momentos e dos episódios mais significativos do seu passado. Daí o sugestivo (ou nem por isso) título de “História e acontecimentos marcantes da freguesia de Palme”. Para o texto não se tornar demasiado longo e fastidioso, optou-se por fraccioná-lo em três partes: (i) da pré-história à Idade Média; (ii) da Idade Média ao século XIX; (iii) do século XIX à actualidade. Assim, cada um dos três posts assumirá a forma de um pequeno fascículo sobre cada um daqueles períodos. Espera-se desta forma contribuir para um melhor entendimento da presença humana no território e para a necessidade de preservar o legado que os nossos antepassados nos deixaram sob a forma do património material e imaterial, que se reflecte na nossa memória colectiva e naquilo que somos. Nesta primeira viagem, a partir dos vestígios que chegaram aos nossos dias, recuámos ao período mais distante que nos é possível determinar e que constitui o ponto de partida para esta digressão à história de Palme.


Parte I

Da Pré-história à Idade Média
A ocupação humana no território que corresponde à actual freguesia de Palme remonta a tempos muito recuados, havendo vários vestígios que comprovam a presença humana desde a pré-história, nomeadamente na zona correspondente ao planalto da Figueiró. Até à abertura da EN 103, no século XIX, o planalto da Figueiró era uma área relativamente remota e de difícil acesso. Nessa zona foram encontrados vários vestígios pré-históricos, que são difíceis de determinar, mas que Almeida (1993) situa no contexto do Megalitismo do Norte de Portugal (nos III e II milénios a.C.). Mas fora desta zona também foram encontrados artefactos muito antigos. Por exemplo, nas imediações do Mosteiro de Palme foi encontrado um sílex com cerca de 6000 anos. Outras peças de pedra trabalhadas em quartzite foram encontradas nos montes de Fragoso e de Carapeços, assim como vários restos arqueológicos da Idade do Bronze e do Ferro. Deste modo pode concluir-se que o Homem se fixou no território correspondente à actual freguesia de Palme e na sua envolvência há muitos milhares de anos atrás. Os testemunhos deixados pelos nossos antepassados são, por isso, de inegável valor histórico e patrimonial. Os mais importantes, alguns dos quais ainda podem ser observados nos locais originais, são constituídos pelas mámuas e pelos menires (Figura 1). O maior número destes monumentos, que remontam à Idade do Bronze e do Ferro e que se integram na chamada Civilização Castreja, foi encontrado, precisamente, no planalto da Figueiró.
As mámuas são monumentos funerários, têm uma forma circular e convexa, que resulta do topo ter sido fechado por lages de pedra, as quais eram depois cobertas por terra. Apresentam uma dimensão muito variável, que pode ir de alguns metros de diâmetro até várias dezenas de metros. A crença de que as mámuas tinham escondidas riquezas que foram sepultadas com os mortos, levou à sistemática violação destes monumentos funerários, pelo que muitas delas foram destruídas ou vandalizadas ao longo do tempo.
No perímetro de Palme são conhecidas quatro mámuas, embora existam mais algumas nas imediações, nomeadamente nos Feitos (Poço do Vintém) e em Fragoso (nas proximidades do Monte de S. Gonçalo). Uma das mámuas conhecidas está localizada no Souto de Cerquido, perto da EN103. Trata-se de um monumento funerário pequeno, com câmara violada, com um “tumulus” e um corredor voltado para Nascente. Nos limites de Palme com Vila Cova está também implantada junto à EN uma mámua com características idênticas, sendo conhecida por “mámua do Sobreiro do Rei” (Almeida, 1993). Está localizada a curta distância da berma da EN103, a escassos metros do entroncamento do acesso a Vila Cova. Junto ao caminho que liga a referida EN a Bustelo, no lugar conhecido por Vilar, encontram-se mais duas mámuas (Oliveira, 1982). A primeira delas surge do lado esquerdo no sentido da EN 103 para Bustelo, numa bouça, a escassos metros de uma moradia que ali foi construída (Figura 2). É um monumento largo, de planta circular, com cerca de 20 metros de diâmetro por 1 metro de altura. Tem uma cratera de violação não muito profunda mas muito abrangente. A segunda delas está distanciada a 950m da primeira, encontrando-se a cerca de 15m do muro do caminho que vai de Bustelo ao lugar de Sião. É bastante mais pequena, tendo 8m de diâmetro por 1,5m de altura. Tal como a anterior, esta mámua apresenta uma cratera de violação, mas menos profunda. A curta distância destas, mas já na vizinha freguesia de Feitos, localiza-se a mámua do Poço do Vintém, também ela de pequenas dimensões e com sinais de vandalização: as pedras do interior foram retiradas e a câmara do túmulo passou a ser utilizada como depósito de lixo. Nesta área de Vilar/Bustelo/Feitos, Almeida (1993) refere que existiam mais duas mámuas que entretanto foram totalmente destruídas. Mais para Nascente, nas imediações do Monte de S. Gonçalo (Fragoso), existem mais duas mámuas. Uma delas localiza-se no lugar conhecido por Ferração, na encosta pedregosa do referido monte que está virada a Sul. A outra corresponde ao local onde está implantado o marco geodésico, que foi colocado sobre a câmara de uma mámua de pequenas dimensões. Fora desta área, na extremidade Sul dos terrenos pertencentes ao Mosteiro de Palme (Aldreu) existe outra mámua (Figura 4). O conhecimento desta mámua não é novo, pois já em 1873 foi colocado sobre o túmulo uma inscrição que diz: “aqui e no monte do Crasto há indícios e ruínas da decadência dos romanos. Tudo passa.” (Teotónio, 1987). Esta inscrição permite concluir que, pelo menos na segunda metade do século XIX já era conhecida a natureza do pequeno montículo que resguardava o monumento, bem como das ruínas do monte do Crasto. O erro foi o de atribuir estas construções aos romanos, uma vez que a sua origem é mais recuada. A cerca de 200m a poente desta última está localizada outra mámua de dimensões ainda maiores. Tem uma configuração cónica, um diâmetro de 55m e uma altura de 8m. De todas é a única que aparenta não ter sido violada (Maciel, 1997). Por esta razão, o lugar onde está implantada (consiste numa pequena mancha florestal) é conhecido por “Mámua”.
Quanto aos menires, o seu conhecimento e identificação ficou a dever-se aos trabalhos do Dr. Penteado Neiva, que levou a cabo um conjunto de prospecções arqueológicas no planalto da Figueiró, na década de 1970. O estudo permitiu identificar a existência de dois menires, que estavam localizados na divisória de Palme com Feitos, tendo sido posteriormente ambos deslocados. Os menires correspondem a blocos rochosos, em regra de forma fálica, que eram erigidos pelos povos do Megalítico em homenagem ao culto da fertilidade. De acordo com Almeida (1993), estes dois menires em conjunto com os existentes no vizinho concelho de Esposende (S. Paio Antas, Forjães e S. Bartolomeu do Mar) formam o mais importante núcleo megalítico deste tipo de monumentos de todo o Norte de Portugal. Um dos menires é conhecido por “Marco da Zarelha” (Figura 5). Inicialmente estava localizado na Bouça do Quinhão, a escassos metros de uma das mámuas situadas no caminho para Bustelo. Em 1989, com as obras de alargamento deste caminho, o menir foi removido e foi colocado no largo defronte à sede da Junta dos Feitos, onde foi implantado numa espécie de vaso de tijolo e betão (atentado maior seria difícil de perpetrar!). Originalmente, o menir tinha 1,80 metros de altura, dos quais 0,40 metros estavam enterrados) e encontrava-se ligeiramente inclinado para Sul. Como é comum neste tipo de monumentos, o menir tem uma forma fálica, que foi conseguida pelo adelgaçamento da sua parte superior e pela inclinação dada. Foi construído em granito grosseiro, o que explicará a maior erosão detectada na sua parte superior. Nesta há um chanfro rectangular que foi mais tarde esculpido para dependurar uma cruz de madeira, com a qual o menir era decorado sempre que no caminho passava uma procissão a caminho de um calvário situado junto a Bustelo.
O outro menir é conhecido por “Pedra do Coelho” (Figura 6) e estava também localizado na divisória entre Palme e Feitos. A descoberta deste menir foi algo fortuita, pois ficou a dever-se à informação de um morador de Bustelo, aquando dos preparativos da remoção do Marco da Zarelha. Nessa altura, o previdente habitante informou os Serviços da Câmara que uma pedra idêntica havia sido enterrada ali próximo, na sequência das mesmas obras de alargamento do caminho. Com base nesta informação, os Técnicos do município resgataram o menir enterrado, que foi levado para o Museu Arqueológico de Barcelos, onde ainda hoje pode ser observado. A Pedra do Coelho tem características muito idênticas às do outro menir (dimensão, forma fálica, inclinação, existência de um chanfro), distinguindo-se por ter sofrido uma menor erosão e por possuir uma cruz esculpida na parte superior numa tentativa, como refere Almeida (1993) de “cristianizar a pedra”. O que não é possível determinar é se estes dois menires faziam parte de um conjunto mais amplo (de um alinhamento ou de um cromeleque), que foi destruído com o passar do tempo, ou se a sua proximidade era uma mera coincidência.
No extremo Norte da freguesia, no limite com Aldreu, à face de um caminho de acesso florestal, encontra-se um menir de pequenas dimensões (Figura 7). Está inserido num muro numa curva de ângulo muito fechado, pelo que tem sofrido diversas escoriações provocadas pela passagem dos tractores, estando por isso em risco. Tem cerca de 1m de altura e 0,35m de largura. Apresenta um truncamento junto ao topo, bem como aquilo que parecem ser dois fossetes, numa tentativa aparente de decorar esta peça (Maciel, 1997).
Um outro local onde se encontram diversos vestígios da Civilização Castreja é o monte do Crasto (Figuras 8 e 9). Este monte que actualmente está integrado na freguesia de Aldreu mas que, em tempos, pertenceu à antiga freguesia de S. Salvador de Palme, guarda ainda o topónimo de um povoado castrejo da Idade do Ferro, que esteve implantado neste cabeço. Embora o tempo e a acção humana se tenham encarregado de apagar a maior parte dos seus vestígios, algumas prospecções permitiram detectar vestígios de vários períodos, desde a Idade do Ferro à Idade Média. De acordo com Carvalho (2008), este castro era constituída por duas muralhas e um fosso, que estava localizado no exterior da muralha, a Nascente e que, actualmente, está atulhado. O povoado era dominado por uma pequena acrópole cuja defesa era assegurada pelas muralhas de pedra. No interior desta muralha são ainda visíveis o que resta das antigas casas de forma circular e rectangular. É no espaço delimitado pelas muralhas que se têm encontrado vestígios de várias épocas, incluindo a tégula, o imbrex e a cerâmica castreja, mas também a olaria medieva (olas, potes, fundos de alguidares, etc.). A ligação do Mosteiro de Palme ao monte do Crasto, de acordo com Almeida (1993) surge num documento medieval onde é descrito que um tal de “Alfe Tamiel” foi doado em testamento ao referido Mosteiro. Almeida (1993) acredita que este “Alfe Tamiel” é precisamente o monte do Crasto. Apesar, como se disse, deste monte não estar no perímetro da actual freguesia de Palme, esteve-o em tempos, nomeadamente quando a freguesia de S. Salvador de Palme foi extinta e o seu perímetro (onde se incluía este monte) foi anexado a Stº André de Palme. Ainda hoje, a recente toponímia adoptada nas ruas da freguesia guarda a memória deste monte, havendo um caminho baptizado por “Calçada do Cresto” (“Cresto” é uma variação errada de Crasto que os residentes locais insistem em manter).
Em suma, a histórica presença humana no território correspondente à actual freguesia de Palme, como não poderia deixar de ser, não foi um fenómeno isolado e enquadra-se no contexto da ocupação verificado na região envolvente. Esta mesma conclusão é defendida por Almeida (1993) quando refere que “os sectores que presidiram à ocupação do espaço geográfico do planalto Figueiró/Vilar, do alvéolo dos Feitos e das encostas do Monte de São Gonçalo, são as mesmas que estiveram subjacentes às zonas limítrofes que se estendem de Vila Chã a S. Bartolomeu, S. Paio e Forjães. Em toda esta zona, que vai do mar até às encostas dos montes de S. Gonçalo e de S. Mamede, não faltavam áreas com aptidão agrícola e pastagens, capazes de garantir o sustento de homens e de animais para uma zona de baixa densidade populacional”. As características da área correspondente ao planalto da Figueiró (território isolado, com abundância de água e de solos férteis, nas proximidades de montes elevados) foram, na verdade, determinantes para a fixação dos nossos antepassados, pelo que a Figueiró e Bustelo poderão ter sido os sectores onde se instalaram os primeiros e os mais importantes povoados da actual freguesia. O próprio topónimo “Bustelo” deriva do baixo latim “bustellum”, que significa pastagem. O pastoreio de gado miúdo (cabras e ovelhas), que se fazia normalmente de forma comunitária através do sistema de vezeiras, deverá ter tido muito importante para a sobrevivência destas comunidades humanas. Ainda no século XVIII surgiam referências às “Besseiras” de Bustelo e aos diversos pastos de gado existentes na Figueiró e no Monte de S. Mamede (Feitos), como descreve o Padre Gomes nas memórias paroquiais de 1758.

Figura 1: Distribuição das mámuas e do menir em Palme

Figura 2: Mámua de Bustelo 1

Figura 3: Mámua de Bustelo 2

Figura 4: Mámua do Mosteiro de Palme

Figura 5: Menir Marco da Zarelha (Junta Freguesia de Feitos)

Figura 6: Menir Pedra do Coelho (Museu Arqueológico de Barcelos)

Figura 7: Menir do Barreiro

Figura 8: Monte do Crasto - cabeço do monte

Figura 9: Monte do Crasto



Bibliografia
Almeida, C (1993) “O aro megalítico do Planalto da Figueiró-Vilar”. In Barcelos Património, Nº1, pp.19-32.
Capela, J., Borralheiro, R (1998) Barcelos nas memórias paroquiais de 1758, CMB, Barcelos.
Maciel, T (1997) O povoamento proto-histórico do Vale do Neiva, Tese de Mestrado, FLUP, Porto.
Carvalho, H (2008) O povoamento romano na fachada ocidental do Conventus Bracarensis, Tese de Doutoramento, UM, Braga.
Teotónio, A. (1987) O Concelho de Barcelos Aquém e Além Cávado, Boletim do Grupo Alcaides de Faria, Barcelos.
Oliveira, V (1982) Megalitismo do Norte de Portugal: o distrito do Porto – os monumentos e a sua problemática no contexto europeu, Tese de Doutoramento, FLUP, Porto.