sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Combatentes da Primeira Guerra Mundial

No passado dia 11 de novembro comemorou-se o centésimo aniversário da assinatura do Armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Portugal à data do início da Guerra, em 1914, era um país pobre, rural, analfabeto e instável. A jovem República tinha ainda quatro anos de existência e estava mergulhada numa grande crise política, onde os governos se sucediam sem cumprir os respetivos mandatos. A participação de Portugal na Guerra em tais circunstâncias ficou a dever-se a um conjunto de motivos, nomeadamente: a necessidade de salvaguardar a integridade dos territórios ultramarinos, nomeadamente em África, que eram fortemente cobiçados pela Alemanha e pela própria Inglaterra; a necessidade de afirmar o jovem regime perante as nações europeias, nomeadamente face às monarquias espanhola e inglesa, que consideravam que Portugal tinha caído na completa anarquia. O país, que estava à beira do colapso, não estava minimamente preparado para participar na Guerra: nem do ponto de vista da capacidade bélica, nem da preparação das tropas, nem para fazer face ao esforço financeiro que a Guerra exigiria. Por isso, a Inglaterra recomendou durante muito tempo que Portugal se mantivesse afastado do conflito. Mas o país estava determinado em participar no conflito ao lado dos aliados e foi até formada uma aliança governamental entre os dois principais partidos políticos (a União Sagrada), que eram favoráveis à entrada de Portugal na Guerra. Com o desenrolar da Guerra, a Inglaterra, velha aliada de Portugal, garantiu que protegeria o país em caso de ataque alemão. E em fevereiro de 1916, depois de Portugal, a pedido da Inglaterra, ter confiscado 70 navios alemães e austríacos que estavam atracados nos nossos portos (44 dos quais foram cedidos à Inglaterra), a Alemanha rapidamente declarou guerra a Portugal. E assim, Portugal entrou formalmente na Primeira Grande Guerra a 9 de março de 1916.

Apesar de até então neutral, Portugal já se tinha envolvido em várias escaramuças com a Alemanha nas colónias africanas. O primeiro desses incidentes ocorreu em agosto de 1914 na fronteira norte de Moçambique, quando as tropas alemãs atacaram o posto fronteiriço de Maziúa e aniquilaram as forças portuguesas lá estacionadas. O incidente levou a que o Governo português mobilizasse muitos soldados para Angola e Moçambique, muito antes de Portugal entrar formalmente na Guerra. Os primeiros soldados chegariam a Angola em outubro de 1914 e a Moçambique um mês depois. Até ao final da Guerra foram enviados para estas duas ex-colónias cerca de 50000 homens. Muitos deles pereceram não tanto pelas balas do inimigo, mas sobretudo por causa das deficientes condições sanitárias e das doenças tropicais. Só em Moçambique estima-se que morreram mais de 2000 soldados enviados de Portugal, não contando com os “soldados indígenas” e com os carregadores africanos, dos quais não se conhece com rigor o número de baixas. 

Depois da declaração de Guerra da Alemanha a Portugal em março de 1916, Portugal enviou as primeiras tropas do Corpo Expedicionário Português (CEP) para o norte França em janeiro de 1917. Ali se juntariam às forças aliadas que combatiam os alemães. No total foram enviados mais de 55 mil homens para o norte de França. Na frente europeia, cerca de 6700 soldados foram feitos prisioneiros pelos alemães e 2160 morreram em combate. O dia mais trágico foi sem dúvida o 9 de abril de 1918 quando o CEP, que estava prestes a ser rendido por uma força inglesa, sofreu uma forte ofensiva alemã, que rompeu com as linhas de defesa portuguesas, causando cerca de 6500 prisioneiros e a morte a cerca de 400 militares. No cômputo final, contando com população civil, militares portugueses, tropas recrutadas nas ex-colónias e carregadores, Portugal teve cerca de 70000 baixas. Foi este o número apresentado pelo Governo português na Conferência de Paz.

Uma das brigadas do CEP que se destacou pela sua coragem e bravura no conflito foi a Brigada do Minho. Dela faziam parte soldados do concelho de Barcelos e também alguns de Palme, que foram defender a pátria para o norte de França, mas também para as ex-colónias. No total, Barcelos enviou para combater em França 548 homens, dos quais seis eram de Palme. Além destes, houve também um soldado de Palme que foi mobilizado para Moçambique. Do total destes sete combatentes, dois deles morreram em combate em La Lys e um foi vitimado por doença.

O soldado palmense mobilizado para Moçambique foi:
- António José de Sá. Nascido em 1895, embarcou para Moçambique a 30 de agosto de 1918 e regressou a 19 de agosto de 1919. Foi condecorado com a Medalha Comemorativa das Campanhas do Exército Português e com a Medalha Comemorativa Inter-Aliada da Vitória.

Os soldados de Palme que integraram o CEP destacado para o norte de França foram:
- Adelino Joaquim de Sá. Nascido em 1893, embarcou de Lisboa para França em abril de 1917. Foi um dos militares que tombaram na batalha de La Lys travada no dia 9 de abril de 1918.

- João Joaquim Faria de Sá. Nascido em 1895, embarcou de Lisboa para França em abril de 1917. Foi promovido a segundo cabo em novembro de 1917. Durante a batalha de La Lys foi ferido e morreu poucos dias depois a 17 de abril de 1918. Foi sepultado em França. Foi louvado pela coragem e determinação que demonstrou durante a batalha de La Lys para repelir o inimigo.

- José Maria Martins de Sá. Nascido em 1893, embarcou para França em abril de 1917. Foi ferido num combate em setembro de 1917, que o obrigou a estar sob cuidados médicos. Regressou a Portugal pouco antes da assinatura do Armistício, a 28 de outubro de 1918.

Soldado do CEP José Maria Martins Sá

Ficha do CEP do soldado José Maria Martins Sá

- Manuel de Faria. Nascido em 1892, embarcou para França em abril de 1917. A partir de julho desse ano, passou a exercer as funções de ferrador no exército. Faleceu no dia 27 de outubro de 1918 vitimado pela trágica bronco-pneumonia. O seu corpo encontra-se sepultado em França.

- Manuel José de Sá. Nascido em 1892, embarcou de Lisboa para França em abril de 1917. Desapareceu no combate de La Lys, tendo sido feito prisioneiro pelos alemães no campo de Munster II, na região de Rennbahn. Neste campo, os prisioneiros eram sujeitos a trabalhos a favor do esforço de guerra alemão (nas minas, fundições) e a um regime alimentar muito insuficiente. Depois do final da guerra, foi libertado e regressou a Portugal em janeiro de 1919.

-José Manuel de Sousa. Foi o palmense mais agraciado e distinguido durante a guerra. Nascido em 1860 em Palme, voluntariou-se para ser capelão do CEP em 1916, quando tinha já 56 anos de idade, o que lhe valeu a alcunha de “capelão velhinho”. À data era sacerdote em Gemeses, Esposende. Equiparado a alferes, o cónego Sousa embarcou para França em maio de 1917, tendo prestado serviço religioso no CEP a partir de então. Foi distinguido pelos relevantes serviços prestados aos feridos em combate, nomeadamente durante a batalha de La Lys. Não teve ensejo em acorrer à frente de combate para socorrer os feridos e prestar-lhe os primeiros socorros e até para sepultar os mortos. Foi um dos poucos capelães que ficou no norte de França após o desastre da batalha de La Lys e, já depois do fim da guerra, em 1919, foi nomeado para a Comissão Portuguesa de Sepulturas de Guerra, com o objetivo de identificar os soldados portugueses que estavam espalhados por muitos cemitérios e valas comuns em França. Um dos soldados exumados pelo cónego Sousa foi precisamente o soldado desconhecido que está no Mosteiro da Batalha. Regressou a Portugal em finais de 1921. Foi distinguido com várias medalhas e louvores, como a Cruz de Guerra de 2ª Classe e a Medalha Comemorativa da Campanha em França e os seus feitos tiveram eco na imprensa nacional, nomeadamente no Diário de Notícias de 18 de julho de 1918.

O alferes capelão do CEP José Manuel de Sousa


Ficha do alferes capelão do CEP José Manuel de Sousa


Portugal surgiu na Conferência de Paz de 1919 ao lado dos vencedores a reclamar o seu quinhão indemnizatório pela participação na Guerra. A vitória custou muito derramamento de sangue e sofrimento. Algum desse sangue foi de jovens de Palme que foram empurrados para uma guerra dura, distante, travada por motivos que desconheciam. Decorridos 100 anos sobre o fim deste pesadelo, fica aqui feita esta singela homenagem a todos os combatentes que foram empurrados para a Grande Guerra.




Bibliografia:
- Arquivo Militar do Exército.
- Neiva, P. (2016). Barcelos na 1ª Grande Guerra, honrando a memória dos seus combatentes. Câmara Municipal de Barcelos.
- Carvalho, M. (2015). A Guerra que Portugal quis esquecer. Porto Editora.
- Pestana, I. (2008).Das trincheiras, com saudade : a vida quotidiana dos militares portugueses durante a Primeira Guerra Mundial, Esfera dos Livros.