segunda-feira, 15 de julho de 2019

Condições de vida na década de 1940

Depois da penosa participação de Portugal na I Guerra Mundial, que se traduziu em numerosas baixas e num esforço financeiro insuportável, Portugal declarou a sua neutralidade quando rebentou a Segunda Guerra Mundial em 1939. A política conduzida por Salazar era a de pactuar agilmente com os dois blocos em conflito, sem se comprometer tacitamente com nenhum deles. Dessa forma, Salazar conseguiu que o país não fosse um alvo direto de nenhum dos blocos beligerantes e, ao mesmo tempo, poupou os militares e as suas famílias ao sangrento conflito. Mas não conseguiu evitar que o país sofresse as duras consequências económicas e sociais da guerra. 

A escassez de alimentos e de um vasto conjunto de produtos e de bens que o país não possuía esteve na origem de anos de penúria, de fome e de miséria generalizada, o que foi agravado pelos maus anos agrícolas (seca) vividos nessa altura. A economia e a inflação galopante também não ajudaram. No período de 1939-1945, os preços em Portugal subiram cerca de 142%, ao passo que os salários desceram cerca de 40%. Para fazer face à carência de alimentos e às dificuldades em abastecer as principais cidades do país, Salazar decretou o racionamento dos bens alimentares. Assim, a partir de 1942, os agricultores ficaram obrigados a declarar os cereais que tinham em sua posse. A cada lavrador era fixada a quantidade de cereais com a qual podia ficar para a alimentação do seu agregado, enquanto que o sobrante era requisitado a favor do Estado a um determinado preço de tabela. Esta medida pretendia evitar que os agricultores açambarcassem cereais que faziam falta ao abastecimento das cidades e das regiões onde eles eram insuficientes. A fim de controlar a produção e comercialização dos géneros alimentares, o Governo criou as Comissões Reguladoras do Comércio Local, existindo normalmente uma por concelho, que era chefiada pelo respetivo presidente de Câmara. Nestas Comissões, que assumiram frequentemente a designação de “Grémio” existiam ficheiros organizados por freguesia, de onde constavam todos os núcleos familiares, desdobrados a partir do casamento. De cada núcleo constava o chefe de família (homem) e a lista das pessoas que estavam ao seu encargo: esposa, filhos e netos. Sempre que havia um nascimento no agregado, o chefe de família tinha que informar a Comissão para ter direito a receber mais algumas migalhas. Por outro lado, através das fichas de óbitos eram abatidos os mortos, com o consequente corte na ração.

Era com base nesta ficha familiar que a Comissão Reguladora do Comércio Local passava as senhas com que cada família iria comprar os produtos racionados, obrigatoriamente vendidos nas mercearias, a preços tabelados. Estes produtos eram essencialmente açúcar, arroz, bacalhau (o fiel amigo), massa, azeite, óleo, farinha e sabão. A carne não fazia parte do regime alimentar da altura e só as famílias mais abastadas é que se davam a este luxo. As quantidades a atribuir a cada agregado familiar eram extremamente baixas e dependiam da época do ano e da existência de stocks. Por exemplo, era comum a Comissão racionar para cada agregado/mês: meio kg de arroz, meio kg de açúcar, meio litro de azeite e 0,8 kg de bacalhau; e por cada semana: meio kg de batatas e 300 g de pão por dia. Como é fácil de imaginar, tais quantidades eram manifestamente insuficientes para a alimentação dos agregados. Nos meios rurais, a população procurava que, pelo menos, a broa de milho nunca faltasse no forno. Os agricultores obviamente preferiam ficar com tudo o que colhiam, não apenas para assegurar uma alimentação mais folgada ao seu agregado, como para criar reservas alimentares, para valer a outros familiares ou amigos, ou simplesmente para vender os cereais no mercado negro a um preço mais elevado que o pago pela Comissão. No mercado negro, os preços dos bens alimentares chegavam a ser 500% superiores aos preços de tabela. Porém, como era obrigatório declarar a quantidade de cereais colhidos, os agricultores recorriam a toda a sorte de esquemas e subterfúgios para esconderem os cereais dos olhos dos regedores e dos chamados homens bons que faziam parte das Comissões.

Barcelos foi um dos concelhos que teve Comissão Reguladora do Comércio Local que era responsável pelo racionamento de bens alimentares para a população do concelho e pela emissão das respetivas senhas para o levantamento nas mercearias. Os mais idosos, por vezes, ainda falam no Grémio e nos tempos de penúria por que passaram. As estradas tal como as conhecemos hoje não passavam de caminhos de terra batida e as pessoas deslocavam-se a pé para a cidade. Para os que residiam em Palme, eram caminhadas de cerca de 2 horas para cada lado, por atalhos e caminhos, com alguns perigos. Em Palme, eram três as mercearias onde se podiam trocar as senhas por alimentos: Adães, atual Quintas e Aida. Para além das senhas que se podiam trocar por dadas quantidades de alimentos, nessa altura vendia-se tudo avulso nuns cartuchos de papelão: 100 g de cevada, uma quarta de farinha, etc. O dinheiro não dava para mais. É impensável as condições com que as famílias com numerosos filhos viviam na altura. Isso sim eram tempos difíceis e de crise!...Os mais idosos que passaram pelas agruras desse tempo falam das diversas artimanhas que usavam para esconder os cereais dos olhos dos fiscais. Uma das técnicas utilizadas consistia em fazer medas de palha, com molhos por desfolhar no interior. Isso era válido para a palha milha, mas também para a centeia. Quem olhasse para as medas via apenas palha, mas elas estavam prenhas de espigas no interior. Uma outra técnica era esconder o cereal já debulhado em locais insuspeitos: dentro de pipos de vinho que aparentemente estavam vazios, em fundações dissimuladas no chão das lojas, no interior de paredes falsas, dentro de utensílios do dia a dia destinados a uso agrícola. Quando os lavradores eram apanhados desprevenidos ou os olhos perscrutadores dos fiscais descobriam o esconderijo, alguns lavradores arriscavam subornar os fiscais. Convidavam-nos para “jantar”(almoço) ou então presenteavam-nos com uma boa merenda: presunto, chouriço, pão caseiro e canecas de vinho tinto de espuma a borbulhar. Os fiscais, de estômago forrado e inebriados, fechavam os olhos à transgressão e lá iam à sua vida. Isto passou-se em Palme. Os métodos de suborno não são, pois, novos; os motivos é que são diferentes…