quinta-feira, 30 de maio de 2013

História e acontecimentos marcantes da freguesia de Palme (III)

Com este post fecha-se a digressão aos acontecimentos históricos mais marcantes da freguesia de Palme. Neste último capítulo abordam-se os episódios que ocorreram ao longo dos últimos duzentos anos, desde o início do século XIX até aos nossos dias. Contudo, o trabalho de investigação histórica não se dá por concluído (como o comprova o texto seguinte), ficando o compromisso de ir atualizando/retificando a informação à medida que surjam novos elementos. Do mesmo modo deixa-se o repto a todos que estejam na posse de informações não prestadas para que façam chegar as suas contribuições com o objetivo de enriquecer a análise histórica. Espera-se que os três posts publicados tenham sido do agrado de todos e que tenham servido para transmitir quão tão antiga e rica é a história da nossa terra.


Parte III
Do século XIX à atualidade

As invasões francesas foram um dos acontecimentos mais marcantes da história portuguesa do início do século XIX. Em particular, a segunda invasão (1809) teve uma repercussão direta na região Norte do país. Os invasores, comandados pelo general Soult, romperam pela fronteira de Chaves, com a determinação de chegarem ao Porto. Nessa caminhada, os gauleses depararam-se com a resistência oferecida pelo exército e pelas milícias populares, de que resultaram várias batalhas, tendo sido uma das mais sangrentas a que se travou às portas de Braga, cidade que, no entanto, viria a cair nas mãos dos invasores. Daqui, os franceses ocuparam diversas cidades, como Barcelos, e dirigiram-se para o Porto. Ao cabo de semanas de confrontos, o exército português, auxiliado pelas forças inglesas, deitou por terra os intentos do invasor, obrigando-o a bater em retirada por Barcelos e Ponte de Lima e daí para a Galiza. Na debandada, os invasores saquearam e vandalizaram o que puderam e envolveram-se em diversas escaramuças com as milícias populares. Há relatos que os barcelenses constituíram focos de resistência e emboscadas aos franceses, provocando-lhes diversas baixas, como sucedeu em Carvalhal. Na investigação efetuada, não há qualquer indício de que as tropas francesas tenham passado por Palme, nem à data da invasão, nem da sua retirada. Contudo há relatos de confrontos em freguesias próximas (Creixomil) e Teotónio (1987) refere que os gauleses estiveram nos Feitos. Por isso, não será de excluir que os palmenses tenham participado nas milícias populares ou que tenham, de algum outro modo, reagido à presença próxima do inimigo. Este é um assunto que se procurará aquilatar no futuro, para se perceber se houve um envolvimento ativo dos palmenses na resistência e/ou se os franceses estiveram efetivamente na nossa terra.

O ano de 1834 foi marcante na história da freguesia de Palme por dois acontecimentos. As reformas levadas a cabo pelos liberais determinaram a extinção das ordens religiosas em todo o país. Esta medida levou ao encerramento do mosteiro de Palme que à data da extinção contava já com um reduzido número de monges. Por conseguinte, o mosteiro e os terrenos envolventes foram desamortizados dos bens eclesiásticos e foram incorporados nos bens nacionais, tendo sido arrematados pela família Moniz de Moncorvo, mais concretamente pelo Bispo do Porto (D. António Bernardo da Fonseca Moniz). Por outro lado, 1834 corresponde também ao ano em que a freguesia de S. Salvador foi anexada à de Santo André, que passaram a ser conhecidas apenas por Palme. A fusão destas freguesias surge na sequência das reformas levadas a cabo nesta altura, que deram origem a um novo mapa administrativo, onde a nota dominante foi a redução do número de concelhos e de freguesias. A anexação de S. Salvador à freguesia de Santo André terá ficado a dever-se à maior dimensão demográfica e territorial desta última. Com este processo, os lugares de Bustelo, de Trás e do Mosteiro passaram a ficar integrados na freguesia de Santo André de Palme, que viu assim aumentar o seu território. De notar que alguns anos mais tarde, o desenho territorial da freguesia foi novamente alterado com a anexação da freguesia de Feitos à de Palme. Esta fusão durou 60 anos, período durante o qual a freguesia foi designada por Palme e Feitos. As freguesias separaram-se novamente em finais de 1904 conforme o decretado no alvará do Governo Civil de 27/12/1904, publicado no Diário do Governo (nº295) em 30/12/1904. Na segunda metade do século XIX, na sequência do Código Martins Ferrão, esteve iminente uma outra alteração administrativa que, contudo, não saiu do papel. O documento previa que Palme e outras freguesias limítrofes (como Fragoso) passassem a integrar o concelho de Esposende, mas esta proposta não foi avante, pois o referido Código não chegou a entrar em vigor, uma vez que foi alvo de forte contestação popular.

Em meados do século XIX, Palme deu título a um baronato: o Barão de Palme. Trata-se do mais baixo dos títulos da nobreza (inferior ao de Conde ou de Duque, por exemplo), com o qual foi agraciado José Maria da Fonseca de Moniz, irmão do bispo do Porto que comprara o mosteiro. O primeiro barão de Palme destacou-se pela determinação dos seus ideais e pela bravura com que os defendeu. Participou na Guerra Peninsular, combatendo as tropas Napoleónicas; esteve exilado em Inglaterra por ser contrário à governação absolutista de D. Miguel; da Inglaterra passou para a ilha Terceira, único ponto do país que não se subjugou ao domínio de D. Miguel; foi um dos bravos que desembarcou no Mindelo em 1832; lutou durante as guerras civis sempre ao lado dos liberais, tendo ficado ferido na batalha da Ponte Ferreira e na acção das linhas de Lisboa; participou nas lutas de Maria da Fonte; em 1846 e em 1851-52 foi Deputado na Assembleia, tendo também participado no movimento da Regeneração. Por esta intensa carreira político-militar, José Fonseca de Moniz viria a ser agraciado com o título de barão de Palme em 2 de Junho de 1851. O seu corpo jaz na capela do mosteiro, num mausoléu de mármore que tem a seguinte inscrição: ”Aqui jaz José Maria Fonseca de Moniz barão de Palme brigadeiro do exército nasceu a 20 de Dezembro de 1794 e faleceu em Lisboa a 20 de Dezembro de 1862. Em testemunho de saudade fraterna” (Teotónio, 1987). Os barões de Palme que se seguiram foram D. Gertrudes Ermelinda Moniz e José Cardoso Moniz que eram respectivamente filha e neto do primeiro barão.

Um dos acontecimentos históricos mais marcantes da freguesia de Palme no dealbar do século XX (1903) foi a passagem do rei D. Carlos pela nossa terra. As maiores manobras militares do tempo da monarquia ocorreram no reinado de D. Carlos. As ações militares foram realizadas sob o comando do Ministro da Guerra da altura, o General Luís Augusto Pimentel Pinto. O palco das operações foram os montes das freguesias de Feitos, Palme e Fragoso. Os exercícios militares aconteceram nos dias 15-18 de Setembro de 1903 e foram  presididos in loco pelo rei D. Carlos e pelo infante D. Afonso. Consta-se que as manobras atraíram um grande número de populares e de curiosos. Um deles, que viria a ficar conhecido por Zé Maneta, terá encontrado uma peça de artilharia que, ao manuseá-la, lhe explodiu nas mãos. Na sua viagem para assistir às manobras, o rei D. Carlos mandou levantar uma tenda junto à actual EN103, à sombra de um sobreiro, que viria a ficar conhecido por “Sobreiro do Rei” que ainda não há muitos anos podia ser admirado por quem por ali passasse. Segundo os relatos da época, este acontecimento atraiu muitos populares que acorreram ao local com o intuito de lobrigar o Rei, o que não foi tarefa fácil, pois de acordo com testemunhos da época, a tropa, montada a cavalo, formava um círculo de segurança em torno dos elementos da comitiva. Idêntico espanto e assombro deve ter causado aos populares o automóvel em que D. Carlos viajava, pois muitos deles (senão mesmo a totalidade) jamais teria visto tal veículo motorizado que, muito provavelmente, foi o primeiro a percorrer os caminhos da nossa terra.

Ainda no início do século XX, um outro aspecto digno de relato relaciona-se com a venda da valiosa biblioteca do mosteiro de Palme. A coleção de livros que os monges deixaram atrás de si despertou o interesse de um alfarrabista de Lisboa (Manoel dos Santos), que se meteu ao caminho para tentar fazer negócio com o herdeiro do antigo bispo do Porto, para quem a posse do mosteiro transitara. Depois de pernoitar na cidade de Viana do Castelo, o alfarrabista deslocou-se de comboio até Barroselas, onde alugou um carro de tracção animal que o trouxe até Palme. O pitoresco desta história reside na recusa do caseiro do mosteiro em servir carne ao esfaimado alfarrabista, uma vez que era sexta-feira e era necessário guardar a abstinência. Valeu-lhe a intervenção de dois padres que entretanto surgiram e, depois da visita à livraria com o Fidalgo, lá condescenderam que o faminto almoçasse uma pratada de ovos com chouriço, devidamente regada com vinho verde. O negócio com o Fidalgo viria a consumar-se algum tempo depois. A ampla e valiosa colecção de livros do mosteiro viria a ser vendida a partir do dia 5 de abril de 1915 em Lisboa. O alfarrabista vendeu 1153 lotes da biblioteca, os quais renderam 2465$77, sendo conhecida uma relação das pessoas que compraram os livros (Dias, 2011). Os títulos do livro do mosteiro de Palme constam de um inventário de 1834 (Dias, 2011).

Como é sabido, o princípio do século XX ficou marcado pela I Guerra Mundial, conflito no qual Portugal participou contra os Impérios do Eixo. O Corpo Expedicionário Português enviado para combater na Flandres contou com vários homens naturais de Palme. Três deles tombaram em combate em França: um segundo cabo (João Joaquim de Sá Faria) e dois soldados (Adelino de Sá e Manuel Faria). O flagelo da guerra viria a chamar mais portugueses nas décadas de 1960/70 (Guerra Colonial), conflito em que caiu em combate mais um Palmense.

O ano de 1939 ficou na memória de todos por causa de um fenómeno de origem natural que se abateu sobre Palme e sobre as freguesias vizinhas. Nesse ano, uma forte intempérie provocou uma enxurrada de invulgar capacidade destrutiva, que atingiu Palme, mas também Feitos, Aldreu e Fragoso. A borrasca atingiu mais severamente os lugares situadas na encosta do monte. A força das águas destruiu tudo à sua passagem, incluindo algumas azenhas que estavam instaladas ao longo dos ribeiros. Uma delas foi arrastada até à ponte da Aldeia, obstruindo a passagem da água que, por esse motivo galgou o tabuleiro da ponte. O caudal da água foi tanto que chegou às janelas de algumas habitações localizadas perto do ribeiro da Aldeia. Os terrenos junto ao ribeiro também foram atingidos, tendo ficado atulhados de areia e de pedregulhos que foram arrastados monte abaixo. Apesar dos contornos violentos do fenómeno, não houve vítimas a lamentar.
O início do século XX foi também marcado por uma questão administrativo-eclesiástica que viria a deixar sequelas para as décadas seguintes, pois tanto a freguesia de Palme como a de Aldreu reclamavam a posse do mosteiro. O ponto principal da discórdia relacionava-se com o traçado da divisória entre as duas freguesias: Aldreu reclamava que o limite administrativo passava bastante mais a Sul do que era considerado até então, pelo que o mosteiro estava integralmente localizado na freguesia; Palme contestava que o limite obedecia a um traçado antigo e que não podia ser alterado, o que implicava que o mosteiro continuasse em Palme, facto que estava até na origem da própria designação do mosteiro. Do ponto de vista religioso, a contenda serenou com a sentença do Tribunal Eclesiástico de Braga de 14-01-1929, que determinou que, eclesiasticamente, o mosteiro pertence à freguesia de Palme. Escudado nesta decisão, o pároco de Palme continuou a deslocar-se ao mosteiro para celebrar uma das missas dominicais, num gesto de afronta que, obviamente, não era do agrado da população de Aldreu. O Padre Francisco Ribeiro, de Palme, foi um dos que mais se insurgiu contra a integração territorial do mosteiro em Aldreu, posição que por diversas lhe pôs em perigo a integridade física aquando das suas incursões à freguesia vizinha. Acicatados pelos clérigos, os populares deram mostras do seu desagrado e a convivência entre as duas freguesias foi difícil durante anos por causa desta questão. As placas identificadoras das freguesias eram o alvo preferencial do desagrado dos populares, sendo frequentemente vandalizadas e repelidas para os locais considerados como limite correto pelos populares de cada freguesia. Só nos últimos anos esta questão parece ter serenado, com a resignação dos de Palme, embora o traçado da divisória ainda não seja um assunto consensual. A própria localização das placas identificadoras das freguesias na EM 305 é disso um bom exemplo, pois sugere que há ali alguns metros de terreno que são disputados por ambas as freguesias.

Bibliografia
- Dias, G. (2011) "As bibliotecas nos mosteiros da antiga congregação beneditina portuguesa". In Revista CEM, Cultura Espaço e Memória, Nº2.
Teotónio, A. (1987) O Concelho de Barcelos Aquém e Além Cávado, Boletim do Grupo Alcaides de Faria, Barcelos.
Revista “O Tripeiro” Ano IX, Nº1, pp.17-23.




Fonte: O Tripeiro, 1953.
José Maria da Fonseca Moniz - o primeiro barão de Palme


Fonte: O Tripeiro, 1953.
D. António Bernardo (Bispo do Porto) - o primeiro proprietário do mosteiro de Palme


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