Em Palme, durante o mês que
agora termina, decorreu um curso de aplicação de produtos fitofarmacêuticos
(PFF) dirigido à população local que trabalha na agricultura ou que, pelo
menos, aplica este tipo de produtos. A realização desta formação é obrigatória
por lei para quem quiser comprar e aplicar este tipo de produtos. Uma vez que
em Palme há muita gente que aplica os PFF, a iniciativa da Junta é de louvar,
pois permitiu aos interessados no curso poupar tempo e dinheiro com deslocações
para outros locais. A obrigatoriedade deste curso têm suscitado acesa discussão
relativamente aos objetivos e à utilidade da formação. E é precisamente sobre
este tema que eu hoje trago aqui algumas reflexões.
A obrigatoriedade deste curso
decorre da aplicação de uma lei aprovada pela Assembleia da República (Lei
n.º26/2013 de 11 de abril) que, por sua vez, transpõe para Portugal uma
Diretiva da União Europeia (Diretiva n.º2009/128/CE). Portanto, a aplicação
desta lei em Portugal, assim como nos restantes países europeus, decorre de uma
lei europeia. O objetivo desta lei é a de que a aplicação e manuseamento destes
produtos se faça em segurança e tenha o menor impacto no ambiente e na saúde
das pessoas. Os PFF são, genericamente, produtos químicos que se destinam a
prevenir e a tratar pragas e doenças das plantas, tendo muitos deles a função de eliminar insetos, fungos ou ervas daninhas. As suas substâncias ativas podem
permanecer no ambiente por períodos de tempo prolongados e contaminar os
alimentos, risco que aumenta se as doses do produto forem excedidas ou os
intervalos de segurança não forem respeitados. Muitos estudos mostram que a
agricultura intensiva, que recorre abundantemente à utilização de produtos
químicos, é responsável por inúmeros impactos ambientais, nomeadamente pela
poluição dos solos e da água e pela perda de biodiversidade. O aumento da
prevalência de doenças oncológicas, como o cancro, é também associada à
contaminação dos alimentos por produtos químicos, sejam eles fitofarmacêuticos
ou de outra origem. Por isso faz todo o sentido que os agricultores que
produzem tanto para consumo próprio, como para comercialização, estejam
conscientes do que estão fazer e estejam minimamente habilitados para aplicar
estes produtos.
Uma boa parte da discussão prende-se
com a desinformação e com a contrainformação que existe sobre o assunto.
Governantes e jornalistas têm a sua quota-parte de responsabilidade ao
veicularem informações contraditórias, nomeadamente em relação aos prazos para
a realização do curso, às faixas etárias a que se destinam e à sua
obrigatoriedade ou não para uso profissional. No que respeita aos prazos, a Lei
n.º26/2013 determina que, a partir de 26 de novembro de 2015, apenas as pessoas
que façam prova que já concluíram um curso de aplicação de PFF possam adquirir
e aplicar estes produtos nas suas culturas. Relativamente às faixas etárias, a
lei prevê duas situações distintas: para os que, em 11 de abril de 2013, tinham 65 ou mais anos de idade basta fazer uma prova de conhecimentos para
terem o certificado que lhes permite adquirir e aplicar os PFF. Os de idade inferior ficam
abrangidos pela formação de 35 horas. Aqui a lei é discriminatória e beneficia
claramente os mais idosos, pois para além do menor tempo, o custo da creditação
através de uma prova é substancialmente menor. Como até à data de 26 de
novembro de 2015 se estimava que largos milhares de pequenos agricultores não
tivessem frequentado o curso, o Governo publicou um Decreto-lei (DL n.º254/2015 de 30 de dezembro), que
estabelece um regime especial e transitório. De acordo com este decreto, os agricultores podem continuar a comprar e
aplicar PFF até ao final de maio de 2016 desde que, entretanto, se inscrevam
num curso de aplicação de PFF e concluam o primeiro módulo dessa formação.
Por último, a referida lei
destina-se à utilização profissional de PFF, pelo que o uso não profissional não
é abrangido pela necessidade da formação. A utilização dos produtos não
profissionais é regulada pelo Decreto-Lei n.º101/2009, de 11 de maio. Existe
uma lista de de produtos de uso não profissional que pode ser consultada em: www.dgv.min-agricultura.pt/portal/page/portal/DGV/genericos?generico=3666233&cboui=3666233,
mas deve-se ressalvar que estes produtos, além de mais difíceis de encontrar,
são substancialmente mais caros. Mas a grande dúvida que se coloca aqui é: o
que é um uso “não profissional”? Alguém que cultive 100 m2 de batatas para
autoconsumo poderá ser considerado um “agricultor não profissional”? O referido
Decreto-Lei nº 101/2009 considera como sendo não profissional a aplicação
doméstica de produtos fitofarmacêuticos em plantas de interior, jardins e
hortas em áreas não superiores a 500 m2 cuja produção se destina
exclusivamente ao consumo do agregado familiar e jardins familiares. Podem ser
adquiridos e aplicados para estes fins, produtos fitofarmacêuticos que
contenham a menção 'uso não profissional', não sendo necessária habilitação com
qualquer ação de formação. Ou seja, por uso não profissional entende-se uma
utilização doméstica, exclusivamente em regime de autoconsumo e que abranja
áreas de pequena dimensão (até 500 m2). Fora deste âmbito, considera-se uma
utilização “profissional”.
Muita da contestação à volta
deste curso decorre do tempo perdido, dos custos e das dúvidas que as sucessivas leis têm gerado.
Muitos dos agricultores são pessoas idosas, que não têm transportes e para quem
os cerca de 150€ que custa a formação fazem diferença. Uma outra fonte de
discórdia é os mais velhos terem mais facilidade no acesso ao certificado e ao
cartão, quando os restantes passam três semanas ou um mês em formação e gastam
seis vezes mais. Outros ainda porque consideram um manifesto exagero a
formação, tendo em conta a pequena escala das culturas. Há quem refira que isto
é o mais recente filão de ouro das empresas de formação profissional, à custa
da exploração dos mais pobres: os pequenos agricultores. E depois há os que
argumentam que a experiência é um posto, que toda a vida aplicarem estes
produtos sem que daí resultasse morte de alguém, nem acidente ambiental.
Embora alguns destes
argumentos façam sentido e mostrem que a lei tem incoerências, este último
ponto de vista não faz sentido. Não é por se cometer um erro repetidas vezes
sem causar danos visíveis que isso se transforma numa boa prática. A
aprendizagem é sempre útil e necessária, nunca somos os donos absolutos da
verdade. Por isso, acho que no final de contas, esta formação será útil para as
pessoas, quanto mais não seja para as alertar e sensibilizar para os riscos que
a má utilização e aplicação destes produtos podem causar. Em Palme não faltam
por aí maus exemplos. Pessoas a aplicar os produtos como se estivessem na
praia, de calções e havaianas, embalagens vazias amontoadas pelos caminhos ou a
flutuar nos ribeiros, utilizações incorretas que dão cabo das pragas e das
culturas. Pode ser que com estas formações as coisas melhorem um pouco. Para
bem de todos nós e do nosso futuro!
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