Aqui há tempos fiquei a
matutar numa entrevista dada por Miguel Gonçalves, um dos mais reputados empreendedores
da praça portuguesa. Dizia o criativo, com acentuado sotaque nortenho, que o
combate ao desemprego passa pela criação do próprio negócio, do
empreendedorismo, da capacidade das pessoas encontrarem respostas para os seus
problemas, ao invés de estenderem a mão à segurança social ou de andarem a
bater às portas dos empresários em busca de um emprego. E o especialista
exemplificou com o caso dos alunos que abandonam o ensino superior por não
conseguirem pagar as propinas. Miguel Gonçalves referiu não compreender como é
possível os jovens universitários não terem expediente para arranjar 1000€/ano
para pagar as propinas, pois até a vender pipocas num centro comercial se
amealharia essa bagatela!! Estas ideias inovadoras e liberais parecem ter sido
do agrado do Governo, que convidou o criativo para dirigir o programa Impulso
Jovem e terão até inspirado o próprio ministro da economia, que sugeriu que
fosse introduzida, no ensino básico, uma disciplina de empreendedorismo!...
Porém, no melhor pano cai a nódoa e o próprio Miguel Gonçalves não foi o
criativo suficiente para se aguentar à frente do Impulso Jovem, tendo sido afastado.
Agora, coitado, anda por aí a “dar ao punho” (expressão da sua autoria), que é
como quem diz, a fazer pela vida (a dar palestras com muitos anglicismos, a
fazer brainstormings, a mandar uns bitaites
sobre tudo e mais alguma coisa).
Apesar de tudo, fiquei a
pensar que o homem poderia ter mesmo razão. E então porque não criar o próprio
negócio?! Vai daí, o melhor era começar por fazer um estudo de mercado para
identificar oportunidades de negócio rentáveis em Palme. Os cafés foram logo
excluídos, já há cinco e a concorrência é feroz entre eles. O negócio das
drogarias também é arriscado, pois já há duas que monopolizam o mercado local.
Supermercados também temos e vendem desde pizzas a raticidas e ninguém pode
dizer que é roubado quando lá vai. Lojas de eletrodomésticos também estamos
servidos e depois há a concorrência das grandes superfícies. De artigos
elétricos e pichelaria temos grande oferta e técnicos conhecedores do ofício. Foi
já prestes a desistir que me surgiu uma ideia brilhante: porque não abrir uma
lavandaria?! Não é preciso grande investimento inicial nem mão-de-obra
qualificada. E além disso, não há nenhum negócio destes nem em Palme, nem nos
arredores. Era só chegar ali, deixar a roupa suja e levantá-la no dia seguinte,
perfumada e engomada. Sem preocupações nem complicações de detergentes,
rotações, temperaturas, consumos elétricos e estados meteorológicos. Uma mina
não há dúvida! Ainda estava esta ideia na forja quando sai a notícia que deitou
por terra este auspicioso projeto: o Governo decidiu abrir uma lavandaria à
escala nacional, com a designação de vistos dourados (ou visa gold).
Aqui há uns meses, foi com
pompa e circunstância, que o vice primeiro-ministro anunciou a intenção do
Governo atribuir vistos dourados a cidadãos estrangeiros. Não pelo seu
currículo, pelas suas qualificações, pelo seu caráter benemérito ou pelas suas
ações humanitárias, mas apenas pelo seu dinheiro. Ter muito papel é o único
requisito que importa para se conseguir um visto de residência em Portugal.
Para tal basta depositar um milhão de
Euros num banco ou então comprar um imóvel de valor mínimo de meio milhão de
Euros ou ainda investir numa atividade que crie, pelo menos, 10 postos de
emprego. Em contrapartida, o Estado português oferece autorizações de
residência permanentes aos milionários e aos seus familiares e a vassalagem que,
normalmente, é prestada aos estrangeiros ricos. Uma casita de meio milhão ou um
depósito de um milhão de Euros é, portanto, o preço a pagar para quem quiser
vir morar para este país pobre e falido. Um bocado carote, não?!
Os dados divulgados recentemente
dão que pensar. Até meados de Março, o Estado já concedeu 772 vistos dourados, tendo
sido a maior parte deles (612) atribuídos a magnatas chineses, ao que se seguem
os angolanos, russos e brasileiros. Na lista há, inclusivamente, indianos e
paquistaneses! A maior parte destes vistos foram atribuídos pela aquisição de
imóveis luxuosos e por transferências de capital. Só recentemente foram
apresentados dois projetos que visam a criação de emprego. No meio de todos
estes milhões vai entrando também muito dinheiro, de origem duvidosa (e
criminosa) para, desta forma, ser lavado em Portugal. Soube-se que um dos
ricaços chineses que conseguiu o visto é procurado pela Interpol por fraude e
outro está a ser investigado por branqueamento de capitais. Na verdade, nestes
países ainda impera a lei do mais forte. Os delitos de colarinho branco,
perpetrados por quem conhece a lei, passam a maior parte das vezes incólumes
aos olhos da justiça. E assim se granjeiam imensas fortunas de forma ilícita.
Depois é só colocar o dinheiro a circular por paraísos fiscais ou lavando-o em
esquemas como estes que agora o Governo português oferece. E nem é preciso os
magnatas virem para cá viver, pois a lei exige que permaneçam apenas 7 dias no
primeiro ano e 14 dias nos anos seguintes. São os chamados residentes
ausentes...
Bem sei que para muitos
isto não passam de devaneios de esquerda, se os chineses e angolanos ricos não colocassem
aqui o dinheiro, não faltariam por aí outros países para o receber de braços
abertos, que não se importam com a sua proveniência. E assim é uma torrente de
milhões que entra por aqui dentro e que tanta falta faz ao depauperado sistema
financeiro nacional. De onde provêm o dinheiro e como foi obtido? Isso não importa,
é dinheiro e pronto! Portugal funciona agora como os bancos suíços onde são
depositadas grandes fortunas sem complicações e sem questões. Só tem quer ser
muito papel. A este propósito, o jornal francês Le Monde, na sua edição de 26 de Março, questionava se Portugal não
estará a transformar-se num paraíso fiscal? Não há dúvida que sim! É
inaceitável que a pretexto de uns milhões de origem duvidosa, que pouco ou nada
ajudam no combate à pobreza e ao desemprego, se vendam autorizações de
residência permanente em Portugal a um preço de tabela. Mas siga a lavagem,
Portugal agora é uma lavandaria de luxo. Com uma concorrência destas, a 5 à sec que se cuide, é que agora está
aí a Million à sec...
Adenda a 14 de Novembro:
As notícias que vieram a lume nestes últimos dias sobre o envolvimento de altos quadros do Estado (da Administração Pública e de alguns Ministérios) em esquemas fraudulentos, tendo supostamente recebido avultadas quantias pela concessão de vistos de residência a cidadãos estrangeiros, só vem confirmar a pouca vergonha desta história dos vistos dourados. Como se já não bastasse a origem duvidosa do dinheiro, agora sabemos que individualidades como o director do SEF e o diretor do Instituto de Registos que, coitados, devem receber pouco mais que o salário mínimo, andam com as mãos untadas de yuans, rublos, reais, kwanzas, rupias, etc. O que lhes vale é que neste país não há justiça! Que canalhice! Que vergonha!
Sem comentários:
Enviar um comentário