Avisam-se todos os interessados
que o XIX Governo Constitucional da República Portuguesa aceita candidaturas
espontâneas para desempenhar funções governativas. O anúncio foi publicado no site do IEFP e visa recolher currículos
de pessoas que estejam disponíveis para exercer funções no Governo. O processo
de seleção compreende critérios gerais e outros de caráter eliminatório, sendo
que quem não cumprir estes últimos, escusa de acalentar esperanças de vir a exercer
funções no Executivo. Os critérios gerais são os seguintes:
- idade mínima de 18 anos;
- fluência das línguas alemã e
inglesa e conhecimentos básicos de português;
- habilitações literárias
mínimas: 9º ano de escolaridade, desde que tenha um relevante percurso
profissional, suscetível de ser equiparado a uma licenciatura.
Os critérios eliminatórios são os
seguintes:
- ser militante ou simpatizante
do PSD ou do CDS (no caso de simpatizante terá que fazer uma prova que consiste
em ingerir 3kg de laranja amarga (Citrus
aurantium) sem sofrer uma crise de vesícula);
- ter desempenhado funções que
tenham lesado de forma significativa o Estado (as probabilidades de ingressar
no Governo serão tanto maiores quanto mais ruinosa tiver sido a atuação do
candidato);
- ter passado pela SLN ou pelo
BPN no exercício de funções executivas/administrativas ou que tenha triplicado
o património no BPN com investimentos em regime de inside trading, que não estão ao alcance do cidadão comum;
- sofrer de problemas irreversíveis
de amnésia que levem os candidatos a não se recordarem de reuniões mantidas, de
pessoas contactadas, de documentos assinados, de telefonemas e de emails
enviados/recebidos no exercício das suas anteriores funções;
- revelar elevada capacidade de
endrominar as pessoas. Neste caso, o atestado será passado por um júri de
inquestionável currículo, que é constituído por Dias Loureiro, Duarte Lima e
Vale e Azevedo.
O processo de recolha de
candidaturas destina-se a criar uma base de recrutamento onde o Executivo possa
rapidamente aceder para suprir as vagas geradas pelas sucessivas
reestruturações e remodelações governamentais. Esta necessidade foi sentida com
as dificuldades em preencher o lugar deixado vago pela recente saída do
Secretário de Estado do Tesouro, que levou a Sr.ª. Ministra das Finanças a
acumular mais este fardo. Portanto, se houver palmenses que cumpram as
referidas condições, não hesitem em concorrer, enviando o currículo para: eutambemquero@gov.pt!
O serviço é precário e comporta alguns riscos (como o de ser escarrado e
insultado em público), mas o Governo acena com uma remuneração acima da média e
com a possibilidade de emprego futuro (vulgo tacho) nos despojos que sobrarem do edifício público que,
entretanto, será desmantelado.
Vem isto a propósito do desfecho
da crise política ocorrida no mês passado. A tragicomédia de que se falava no
último post (publicado a meio dessa
inenarrável trapalhada) contou com a participação de um ator improvável, que não
costuma envolver-se em jogadas políticas: o Sr. Presidente da República.
Inesperadamente, recusou a proposta de Governo cozinhada por Passos e Portas e
veio reclamar a participação do PS para formar um Governo de Salvação Nacional,
que conduziria os destinos do país até ao fim do Programa de Assistência (ainda
há quem acredite que seja em 2014!), altura em que se comprometia a convocar
eleições antecipadas. Uau, desta é que ninguém estava à espera!! Há vários
motivos que podem ter pesado na decisão do Sr. Presidente de não querer
reconduzir o Governo recauchutado, numa lógica puro taticismo político:
(i) afetar preocupação com o rumo do país (de
colocar no topo das suas prioridades o “superior interesse nacional” como não
se cansa de dizer) com o objetivo de recuperar a sua depauperada imagem
pública;
(ii) dar uma bofetada de luva
branca aos detratores que o acusam de passividade, de inatividade e de
inutilidade;
(iii) proteger o seu partido
político (PSD) das garras afiadas do CDS e do desgaste das políticas, às quais
queria que o PS se vinculasse também num entendimento governamental;
(iv) entalar politicamente o PS,
forçando o partido a envolver-se na solução governativa e nas políticas de mais
austeridade que aí vêm ou responsabilizando-o pelo fracasso da iniciativa em
caso de não acordo;
(v) tirar o tapete ao Portas e ao
CDS, numa vingança servida a frio pois, como é sabido, o Sr. Presidente abomina
o Portas por este lhe ter feito a vida negra quando era Diretor do
Independente.
A jogada política era de elevado
risco, tendo em conta as posições extremadas dos dois maiores partidos e as
dificuldades de consenso em questões fraturantes, como a reforma do Estado. Por
isso, foi sem surpresas que o país tomou conhecimento do fracasso das
negociações, tendo passado novamente para Belém a resolução do problema. E,
apenas uma semana depois de ter chumbado a proposta que lhe fora apresentada e
sem que tenha havido qualquer alteração, o Sr. Presidente engoliu um enorme
sapo, voltou atrás e acabou por aceitar a solução inicial. Maior tiro no
próprio pé seria difícil de dar! O Governo de Salvação Nacional passou de
prioritário a dispensável; a proposta de Governo que era inaceitável passou a
ser apropriada; as eleições que eram para ser antecipadas, afinal serão no
final da legislatura. Com a pirueta que deu, o Sr. Presidente ficou muito mal
na fotografia, deixando claro que é o principal sustentáculo de um Governo em
que ele próprio não acredita. Mas os partidos também saíram chamuscados da
crise política:
- O PSD perdeu porque foi para o
debate com o PS por imposição do Sr. Presidente. Não manifestou vontade de
dialogar, não cedeu um milímetro nas políticas que pretende implementar, o
próprio primeiro-ministro fez declarações públicas contrárias às instruções do
Sr. Presidente (que a legislatura era para ir até ao fim) e que dificultaram a
obtenção do compromisso.
- Para o PS, o diálogo mantido
com o PSD foi um frete feito ao Sr. Presidente. O partido revelou-se inamovível
nas políticas que defende (contra a austeridade), o Seguro fez uma declaração à
Sócrates no final das rondas negociais, foi coresponsabilizado pelo falhanço
das negociações e não se livrou de algumas críticas internas (como as de
Soares) por o partido se ter envolvido nas negociações.
- Perdeu também o BE, porque as
rondas negociais mantidas com o PS para a construção de uma alternativa de
esquerda foram infrutíferas por incompatibilidades de posições com o PS. Uma
delas foi a questão de Portugal sair da NATO, como se esse fosse o problema mais
premente que o país enfrenta no presente…
- Perdeu o CDS porque, apesar de
fazer parte da coligação, foi secundarizado nas rondas negociais e porque o seu
líder foi o responsável pela crise política gerada. Aliás, um dos motivos que
levou o Sr. Presidente a torcer o nariz à proposta que lhe foi apresentada foi
o aumento de poder que o CDS (e Portas) conseguiriam com a recauchutagem do
Governo.
- O PCP foi, porventura, o que
menos perdeu nesta crise, pois manteve-se fiel e coerente com as propostas que
vem defendendo, recusando qualquer proposta de coligação com o PS e não
admitindo outra possibilidade que não seja a demissão do Governo e a realização
de eleições antecipadas. Ainda assim não se livra de ser visto como um partido de
mera oposição….
Como se não bastasse a crise
política gerada no seio do Governo e a forma inusitada como o Sr. Presidente a procurou
gerir, o arranjinho de Passos e Portas ainda conseguiu gerar mais problemas. Para
além de surgirem mais ministérios, com todas as complicações e custos que isso
acarreta, demonstrando que a criação de super-ministérios foi mais um erro
crasso do Governo (porque simplesmente são ingeríveis), foram convidadas pessoas
de currículo muito questionável para o exercício das funções governativas.
A ex-Secretária de Estado do
Tesouro, apesar de estar enterrada até ao pescoço no escândalo das SWAPS, foi
promovida a Ministra das Finanças, numa espécie de condecoração pelos maus
serviços prestados ao país. Pelo meio ficou a saber-se que mentiu aos deputados
da Comissão de Inquérito (os emails publicados na imprensa comprovam que estava
ao corrente dos contratos). É uma Ministra gravemente ferida de credibilidade,
que não tem o apoio do CDS, com condições muito precárias para desempenhar a
exigente tarefa que tem pela frente.
Depois, temos o caso do novo Secretário
de Estado do Tesouro que, qual Jim Carey, mentiu compulsivamente aos deputados
e ao país, ao negar ter estado envolvido na venda de SWAPS ao anterior Governo,
que se revelaram ruinosas para o Estado, mas um ótimo investimento para o grupo
financeiro que representava. Demitiu-se depois de inúmeras contradições e da
revelação de provas comprometedoras do seu envolvimento nos negócios.
Como se não bastasse, temos ainda o caso do substituto de Portas nos Negócios Estrangeiros (Rui Machete) que para além de ter desempenhado funções de gestão no BPN, ganhou uma pipa de massa numa negociata com ações do banco, tendo conseguido um retorno 2,5 vezes superior ao obtido por outras entidades. Foi um negócio em tudo semelhante ao realizado pelo Sr. Presidente que, em 2003, ganhou 150000€ com ações do BPN e a filha uns míseros 209000€ (mas não digam nada, que ele ofende-se muito com este assunto). É óbvio que a lisura do ministro sai amachucada pela participação neste negócio obscuro, não dispondo de condições políticas e morais para exercer o cargo em que foi empossado.
Portanto, num espaço de um mês
assistimos a um conjunto de episódios em que o Presidente da República, o
Governo e os partidos mais não fizeram que denegrir a imagem dos políticos e
fragilizar o regime democrático do país. Chegamos a um ponto em que já nem há
qualquer pudor na escolha das pessoas que vão exercer funções no próprio
Governo. Pelo contrário, o primeiro-ministro até faz questão de convidar
pessoas que tenham engordado à custa do Estado ou que, pelo menos, tenham esmifrado
as contas do erário público. Então a obsessão por convidar personalidades que
estiveram ligadas ao BPN, o maior escândalo do Portugal contemporâneo, é
inquietante e dá que pensar. Alguém ficaria surpreendido se, num destes dias, o
Oliveira e Costa fosse nomeado para uma discreta Subsecretaria de Estado? É
óbvio que não. Ninguém pode levar a sério estes impostores, nem há instituições
de soberania que mereçam confiança e que zelem pelo interesse dos cidadãos e do
país. É um salve-se quem puder, onde o que importa é proteger os interesses
pessoais e corporativos daqueles que parasitam à volta do Estado. Dá vontade de
citar o grande Aquilino Ribeiro quando, pela voz de António Malhadas,
vociferava:
(O
Malhadinhas, Capítulo X).
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