O programa de festas de 2013 da
Srª dos Remédios sofreu uma alteração de última hora. A representação do
Auto de Floripes e dos Doze Pares de França, comédia muito apreciada e que
estava prevista, foi substituída
pela atuação do duo PP&PPC. A alteração, informa a Comissão de Festas, foi
tomada com o objetivo de atrair mais romeiros e curiosos à festa, uma vez que
os cabeças de cartaz deste ano não são muito sonantes. E
porque o dueto está na mó de cima, ao contrário do grupo do Auto de Floripes,
que anda pelas ruas da amargura, com poucas atuações e com deserções dos seus
elementos. Um ponto de ordem à mesa: a encenação do Auto de Floripes pelas
gentes da nossa terra ganha aos pontos aos dois bonifrates que aí vêm atuar.
Mas já se sabe como é, valoriza-se sempre mais o que vem de fora, ainda que a
qualidade seja manifestamente mais dúbia. Um dos episódios mais marcantes ocorreu há dois anos, quando a Comissão de Festas convidou ranchos de fora para virem atuar à festa, deixando de fora o rancho local. O gesto foi entendido como uma desfeita, tendo merecido reprovação generalizada pelas gentes da nossa terra. Este ano, a Comissão convidou o rancho, que vai ter honras de abrir as festividades, mas a alteração feita ao programa à última da hora dá que pensar.
A decisão é, no
mínimo insólita e poderá envolver contornos políticos. Se não houver almofada
orçamental para lhes pagar o elevado caché, os elementos da comissão que se
amanhem, depois que não venham com peditórios retificativos. Diz-se por aí que
as rondas feitas pela freguesia foram parcas e os cortejos ficaram muito aquém
das receitas esperadas. Ainda se podem ver por aí uns atrelados de faxina que
estão à espera de comprador. Já diz o ditado que não de deve dar um passo maior
que a perna, mas neste caso a comissão não quer dar um passo grande, mas sim
vários Passos.
O duo em causa é muito popular,
mas só nas últimas semanas se prestou a espetáculos públicos de stand up, embora muitos achem que seja
mais no estilo de tragicomédia. Os dois atores em causa são, nada mais nada menos,
do que Paulo Portas e Pedro Passos Coelho. Esses mesmos, o (ex, atual?)
ministro dos negócios estrangeiros (ao que parece vai assumir novas pastas) e o
próprio primeiro-ministro. Não acredita? Mas olhe que é mesmo verdade. Com a
crise instalada e com as tesouradas que sofreram nos vencimentos, andam a fazer
pela vida, como outros artistas itinerantes e, aos fins de semana, vai ser
vê-los a animar festas e romarias, ao lado do Emanuel, do Marante e do José
Malhoa. Sempre ao mais alto nível e com grande capacidade de improviso. O
número que representaram ao longo da última semana, na verdade, só está ao
alcance dos melhores prestidigitadores.
A crise política dos últimos dias
não tem paralelo na história democrática do país, foi a maior palhaçada de que
há memória e só não dá para rir, porque todos nós sofremos com as trapaças, as
traições, as vaidades e as ambições pessoais destes dois pirangas. O Paulo
Portas é a desfaçatez encarnada em pessoa, é o camaleão com mais células
cromáticas na pele, é o mais ressabiado e dissimulado político que anda na
praça portuguesa. Na oposição, é o maior defensor dos reformados, dos
pensionistas minguados, dos agricultores (ou dos lavradores como gosta de
proferir num registo saudosista), dos pobres e dos oprimidos. No governo, zás,
aprova cortes nos pensionistas e nos apoios sociais, obriga os pequenos
agricultores a coletarem-se para que possam auferir uns míseros subsídios, taxa
os feirantes, a quem dá palmadinhas nas costas nas campanhas eleitorais, aceita
a subida incomportável das rendas dos idosos, que são a sua fonte de
preocupações, etc. Mas fazer o contrário do que se promete nas campanhas
eleitorais está no ADN dos políticos. Isso aconteceu com Durão, com Sócrates e
com o atual primeiro-ministro. Agora, com Paulo Portas estas reviravoltas têm
requintes mais subtis. É uma criatura que se move por meras ambições pessoais e
partidárias, coloca sempre o seu ego à frente dos demais e do país, é
convencido e presunçoso, pois acha que tudo o que faz, faz bem. Então agora, na
pasta que tutela (ou tutelava), muitas vezes à revelia do Álvaro, é um
autêntico vendedor de banha de cobra, que anda por esse mundo fora a vender as
oportunidades de investimento e os recursos existentes em Portugal. Mas na
primeira oportunidade, não enjeita criar uma enorme crise política, que leva
esses mesmos investidores a baterem as asas para bem longe do país. Ao que
parece nem os próprios correligionários do partido respeita, toma as decisões
sem dar cavaco a ninguém e foi ver os pobres centristas, espavoridos como
baratas tontas, coitados, a ver o poder a fugir por entre os dedos, sem saber o
que dizer, nem o que fazer. Agora como não é homem de palavra, nem tem cara
lavada, o que era irrevogável, passou a sê-lo, e como o primeiro-ministro, temeroso,
lhe acenou com novas e mais importantes funções, Paulo Portas deixou o dito
pelo não dito e aceitou manter-se no poleiro, agora numa vara mais alta.
Imagina-se já a justificação que vai dar: foi pelo interesse nacional e pelas
pressões de vários quadrantes que sofreu para voltar atrás na sua decisão. Tem
sete vidas como os gatos, é uma raposa matreira e não olha a meios
para atingir os fins a que se propõe.
O outro ator é um Coelho indefeso
que se deixou atacar pela raposa. O Pedro Passos Coelho é um produto das
“jotinhas”, o estereótipo daqueles que sempre cresceram à sombra do partido e
das amizades políticas, que foram fontes de empregos, de conhecimentos e de
promoções. Ideologicamente obcecado, defende mais a finança estrangeira que tem
a pata sobre o cachaço do país, do que os portugueses que o elegeram, na
sequência de um programa que foi totalmente abalroado. É um líder fraco, de
quem não se conhece uma visão estratégica para o futuro do país. E está a ficar
órfão. Primeiro e muito contra a sua vontade, viu sair Miguel Relvas, o mentor
do programa que o levou à conquista do poder. E mais recentemente perdeu o seu
grande aliado ideológico no governo, o Vítor Gaspar. Este foi mais um
mercenário que por aqui passou a soldo dos grupos de interesses estrangeiros e
a sua saída ficou a dever-se, como o próprio reconheceu na inédita carta que
escreveu, ao fracasso das suas políticas. Ora sem mãe nem pai que o protegesse, a raposa viu o coelho muito vulnerável, e vai daí, afiou o dente e decidiu atacar.
O golpe que lhe desferiu não foi fatal, mas foi suficiente para o mutilar e
para sair vencedor da contenda.
O resto da história é o folhetim
conhecido. A escolha da (muito questionável) nova ministra das finanças não
agradou ao Portas que, amuado por supostamente não ter sido ouvido, decidiu
partir a loiça, apresentando a demissão. O primeiro-ministro afetou estupefação
com a decisão de Portas, o Cavaco sentiu-se novamente ofendido por não ter sido
informado, o Seguro aterrorizado com a possibilidade do poder lhe cair assim
nas mãos, os partidos da esquerda, eufóricos com o cenário de eleições à vista,
os partidos do poder atónitos sem saber o que dizer, os comentadores fervorosos
com tanto debate e artigo de opinião, os jornalistas excitados com a catadupa
de informação que era posta circular a cada momento, as entidades
internacionais incrédulas com a demência dos políticos portugueses e o povo
entretido com a paródia presenteada pelos seus representantes,
aos quais não foi concedida a possibilidade de escolherem o desfecho.
Nos poucos dias que durou este
folhetim deu-se cabo da credibilidade externa do país, fez-se tábua rasa dos draconianos sacrifícios impostos aos portugueses, provocou-se uma subida dos
custos de financiamento do país e lançou-se o caos nas praças financeiras.
Agora que a borrasca está a amainar, querem-nos fazer crer que tudo está bem,
aliás que o governo até está mais forte. Balelas! É por isso que esta história
é de ir às lágrimas. O que houve foi um arranjinho entre os dois líderes dos
partidos do governo, onde as condições impostas por Paulo Portas foram
prontamente aceites pelo Passos Coelho para aguentar o barco até onde der. O
governo continua com legitimidade para governar, mas perdeu a credibilidade para
o fazer. Resistiu aos ataques externos da oposição, das centrais sindicais e do
tribunal constitucional, mas não aguentou as deslealdades internas e entrou em
implosão. E o Cavaco, lá continua barricado em Belém, sem aparecer ao país,
agora entretido com audiências a partidos e parceiros sociais para dizer que
ainda está vivo, que tem poderes. Sem que ainda tenha tomado qualquer decisão,
já foi novamente desautorizado por diversas entidades internacionais, que já
vieram a público regozijar-se com a solução encontrada pelos farsolas para a
resolução da crise. Mas é provável que daqui a uns dias venha a público dizer
que foi devido à sua ação nos bastidores que a crise foi ultrapassada, para
assim somar alguns pontos à sua depauperada imagem pública…
Tudo isto é triste, tudo isto é
fado! Enquanto continuarmos a ser governados por uma classe política, despojada
de sentido de Estado e de valores morais e éticos, não sairemos da cepa torta e
o futuro de todos nós e do país continuará a ser sombrio. Eles governam-se a
eles, mas não governam para o país. O povo português é sereno e pacífico (é o
melhor do mundo como alguém já disse), por isso vamos esboçando sorrisos a
estas garotices políticas. Resta saber até quando?!
PS: Há por aí quem defenda a teoria da conspiração, ou seja,
que esta triste paródia foi uma inventona, que estava tudo combinado, que foi
uma encenação para mostrar quão valiosa é a estabilidade política e para
legitimar os futuros cortes que estão na calha!! Será que a infâmia, a indecência
e o desrespeito pelas pessoas poderá ir tão longe?! Não sei, mas eu não ponho a
mão no fogo por estes senhores…
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