Ao longo dos últimos tempos tenho
evitado trazer para aqui assuntos de natureza política devido à bolorenta
situação em que o país se encontra. Mas a sucessão de acontecimentos dos
últimos tempos, sem paralelo nos últimos 40 anos de regime democrático, não
pode deixar ninguém indiferente. A sensação que o cidadão comum tem é mais ou menos
esta: o país está a saque e, com pouquíssimas exceções, não há ninguém que nos acuda
e que inspire confiança. Portugal transformou-se num regime siciliano, onde
quem manda são as máfias instituídas em redes obscuras, que controlam lugares
de decisão no Estado e no setor privado. Não há pessoas honestas e competentes
que cheguem aos lugares de decisão, seja na política, seja na economia ou na
finança. O que importa é colocar gente sem escrúpulos que utilizam estes cargos
em proveito próprio e para benefício dos grupos que gravitam na sua sombra.
Na
economia assistimos à derrocada de empresas e de grupos empresariais considerados
estratégicos para o país. Como recompensa pelos bons serviços prestados, alguns
destes gestores ainda são agraciados pelo chefe de Estado com o título de
comendador. Vejam a pouca vergonha do que se tem passado na PT. Como foi isto
possível? Na finança onde se impunha gente séria e responsável para tratar do
dinheiro dos outros, encontramos dos maiores crápulas e gatunos de que há
memória. Depois da implosão do BPP e do BPN, no passado mês de agosto
esborralhou-se o BES às mãos de Ricardo Salgado, suspeito de desfalques de
milhares de milhões. Como foi isto possível? No setor da saúde assistimos a
fraudes de várias centenas de milhões de Euros através de esquemas manhosos com
receitas falsas.
Na política temos dos piores exemplos possíveis. Ex-autarcas
presos, outros suspeitos de enriquecimento ilícito e de outros crimes de
colarinho branco, antigos deputados presos, alguns inclusive indiciados de homicídio
no estrangeiro, ex-ministros condenados em processos de corrupção, deputados
que estão de manhã no parlamento a aprovar leis e à tarde em escritórios de
advogados a defender interesses privados, financiamentos partidários obscuros
em troca de contrapartidas também elas pouco claras, governantes que se tornam
gestores de empresas que eles próprios privatizaram ou favoreceram, etc., etc.
Mesmo as mais altas figuras do Estado não escapam a esta nuvem negra de
suspeições. O chefe de Estado com o proveitoso negócio das ações do BPN (de que
a filha também largamente beneficiou) ou com a famigerada história da Casa da
Coelha no Algarve. O primeiro-ministro no caso da Tecnoforma, que manchou a sua
imagem impoluta, em que se soube que: i) ou recebeu subsídios da Assembleia da
República a que não tinha direito; ii) ou não declarou rendimentos de que
usufruiu aquando da sua benemérita passagem pela ONG (Centro
Português para a Cooperação) para a qual trabalhou (?) e que o impedia
de obter o tal subsídio. Em causa estarão uns bons milhares de Euros. Nas
últimas semanas rebentou o escândalo dos vistos gold, que envolve altos quadros
da administração pública, tendo levado à detenção de figuras como o chefe do
SEF e o presidente do IRN, cabecilhas de uma teia de corrupção, de branqueamento
de dinheiro e de fraude fiscal, que motivou a demissão do ministro da
administração interna, pelas ligações perigosas aos alegados meliantes. Ainda
os portugueses, atónitos, não tinham digerido totalmente este caso, quando são
confrontados com a maior de todas as perplexidades: a detenção e a prisão
preventiva do antigo primeiro-ministro José Sócrates por corrupção,
branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Nunca um anterior chefe
de governo tinha sido preso em Portugal. Não vale a pena estar aqui a dissecar
os pormenores sórdidos que, ao que se diz, justificaram a sua detenção: malas
de dinheiro entregues em mão, transferências avultadas a partir de contas de
familiares, offshores na Suíça geridos por um testa de ferro… Histórias
absolutamente rocambolescas, próprias de um gangster, não de alguém que exerceu
altas funções políticas e governativas e que deveria ter um grande sentido de Estado.
Estes casos todos formam uma nuvem negra de suspeições e de desconfiança sobre
as instituições e os seus dirigentes, mas também de revolta. Porque muitos
daqueles que nos têm andado a impor dificuldades e sacrifícios, afinal são os
primeiros a prevaricar, a colocar os seus interesses à frente dos do Estado. E
com exemplos destes vindos de cima, como não há-de o cidadão comum procurar
furtar-se às suas obrigações fiscais, alimentar esquemas de economia paralela,
obter subsídios fraudulentos, etc. Se pensarmos um pouco nisto (não se esforcem
muito que dá vómitos) facilmente percebemos que o país está atolado num pântano
de interesses obscuros de onde dificilmente poderá ser resgatado. Muito pior e
mais perigosa que a falência financeira é a falência moral de um país, o
descrédito e a desconfiança nas instituições, a ausência de esperança, o
esfumar-se do sonho de um país mais justo e solidário que se conquistou com
Abril.
Quem nos poderá resgatar deste
atoleiro? Na iminência da falência financeira fomos socorridos pela mão
generosa dos nossos parceiros europeus e do FMI, que apenas quiseram em troca os
nossos salários, os nossos precários empregos, as reformas dos nossos
pensionistas. Será que a Europa também nos pode dar a mão para impedir a
falência moral? Na verdade, na Europa também temos péssimos exemplos: em
Itália, Berlusconi condenado por fraude fiscal; em França, Sarcozy detido por
tráfico de influências e violação do segredo de justiça; em Espanha Rajoy
envolvido num esquema de financiamento ilegal do seu partido, que ainda há
pouco provocou a queda de uma ministra. O próprio atual presidente da Comissão
Europeia é acusado de ter cozinhado uma lei que permite a grandes
multinacionais negociar secretamente o imposto a pagar com o governo luxemburguês,
levando a que muitos milhões de Euros não fossem pagos nos países de origem
dessas empresas. Embora complacente com as empresas, o Sr. Junker foi
implacável com os povos do sul da Europa. Estes poucos casos mostram-nos que as
poucas-vergonhas não são exclusivas de Portugal e que a Europa também não é um
exemplo a seguir por ninguém.
Resta-nos então a justiça para
nos resgatar do pântano. A sucessão dos últimos casos parece mostrar que a
justiça está atenta e ativa. No entanto, a prática diz-nos que nos casos
excessivamente complexos e mediáticos, a justiça tem dificuldade em seguir o
seu caminho. Principalmente quando estão envolvidas personalidades tão
influentes e quando existe tanto ruído em torno dos casos e, frequentemente,
fugas seletivas de informação. Resta-nos esperar o desfecho destes casos para
então ver se a justiça está realmente a mudar ou se estas investigações são
apenas fogo-de-vistas.
Muitos falam que a detenção de
Sócrates marcará o fim do regime, que daqui em diante não restará pedra sobre
pedra. Não creio. Vai certamente agravar-se a desconfiança e o alheamento dos
cidadãos em relação aos políticos e, em particular, aos partidos do chamado
arco da governação. O povo vai empertigar-se um pouco mais, mas vai continuar a
pagar os desvarios e as trapaças dos seus dirigentes. Talvez os pequenos
partidos populistas, como o do Coelho (o da Madeira) ou o do Marinho Pinto
tenham maior votação nas próximas eleições. O PS, apesar da forma inteligente
como Costa tem lidado com o caso, irá provavelmente sofrer um rombo, pois o
antigo secretário-geral e primeiro-ministro é suspeito de crimes financeiros. Com
isso abre-se uma réstia de esperança de reeleição para um governo que anda
moribundo há vários meses (anos?). É também expectável que os esquemas
engendrados pelos prevaricadores passem a ser mais sofisticados e subtis para
escaparem à lupa da justiça De resto vai continuar tudo na mesma, isto são tudo
bons rapazes! Às vezes dou comigo a pensar que o Otelo até terá razão, isto só
vai lá com nova revolução!
Sem comentários:
Enviar um comentário