Em meados do século XIX, Portugal vivia um período
particularmente conturbado. A guerra civil entre absolutistas e liberais
dilaceraram o país e, pouco tempo depois, rebentava a revolta popular conhecida
por Patuleia, movimento liderado pela Maria da Fonte, que se insurgiu contra os
enterramentos fora das igrejas. No meio desta vida social tumultuosa, muitos
sobreviviam à custa do suor e daquilo que a terra dava, outros dedicavam-se à
mendicância, enquanto outros se transformaram em assaltantes de caminhos e em
ladrões profissionais. Um dos mais afamados e temidos salteadores foi sem
dúvida o Zé do Telhado. De seu nome batismal José Teixeira da Silva, o Zé do
Telhado nasceu em 1816 na freguesia de Castelões, concelho de Penafiel.
Descendente de uma família amiga do alheio, com vasta experiência na arte de
roubar e de assaltar, a infância e juventude do Zé do Telhado pareceram querer
desmentir o fraco da família. Depois de ser ameaçado por um tio que se recusou
a oferecer-lhe a mão da filha, o jovem Zé do Telhado vai para Lisboa, para
ganhar a vida e finalmente poder dar o nó com a sua prima. Na capital, assentou
praça no Regimento de Cavalaria, jurou bandeira, e rapidamente chegou ao posto
de sargento. Lutou ao lado do Duque de Saldanha e mais tarde, na revolução de
1846, acompanhou o visconde Sá da Bandeira a Valpaços, onde se destacou pela
bravura demonstrada na batalha, tendo inclusive salvado a vida do visconde. Por
este bravo feito, o Zé do Telhado recebeu a condecoração de Torre e Espada, uma
das mais altas distinções do Estado. De regresso à sua terra natal, com mulher
e um rebanho de cinco filhos para alimentar, Zé do Telhado passa por
dificuldades económicas. Pede emprego e ajuda para várias funções, mas não
obstante a sua carreira militar e feitos, todos lhe fecham a porta.
Desesperado, restava-lhe uma opção: dedicar-se ao ofício da família. Vai daí,
junta-se ao gangue do seu irmão, Joaquim do Telhado, e rapidamente passa a
chefe da quadrilha. O primeiro assalto liderado pelo bravo militar acontece em
dezembro de 1849, tinha então 33 anos. Rapidamente foi responsabilizado e
pronunciado pelo crime praticado na freguesia de Macieira. Foge para o Brasil,
mas em 1851 regressa a Portugal, onde se torna célebre por uma série de crimes,
incluindo o famoso assalto a uma residência abastada em Carrapatelo, onde um
dos criados da casa é abatido com golpes de machado e com um tiro na garganta.
Com um crime de sangue, as autoridades reforçam a vigilância ao bandoleira e ao
seu bando, mas ele escapa-lhes sempre por entre as mãos. Pelo meio pratica mais
assaltos, escolhendo sempre casas abastadas e com haveres dados como certos:
ouro, joias e dinheiro. No final dos saques, toma nota dos bens subtraídos e
reparte-os por todos de forma equitativa. Inclusive doa parte do produto dos
roubos aos mais pobres. Foi uma espécie de “Robim dos bosques” à portuguesa.
Escapa por diversas vezes, incluindo à traição perpetrada pelo José Pequeno, do
qual recebeu um tiro pelas costas. Zé do Telhado procura vingar-se do traidor
e, no dia seguinte, envolve-se num duelo à faca com o José Pequeno, acabando
por o matar e de lhe cortar a língua com uma tesoura. No entanto, o salteador
tinha a cabeça a prémio e foi vítima de nova traição na cidade do Porto, onde
as autoridades finalmente lhe deitaram a mão. Foi encarcerado na Cadeia da
Relação da cidade. A quantia avultada que detinha quando entrou na
penitenciária (600 mil Reis) esfumou-se em dádivas e esmolas pela multidão de
presos miseráveis que cumpriam pena. É nesta cadeia que conhece Camilo Castelo
Branco, que estava preso por adultério. O grande escritor romântico tinha-se
envolvido com Ana Plácido, uma mulher casada com o Conselheiro Pinheiro Alves
que moveu logo um processo contra o casal adúltero. Camilo e Zé do Telhado
tornam-se amigos na prisão e, mais tarde, o escritor no livro “Memórias do
Cárcere” conta vários episódios da vida do bandoleiro, que o ajudam a tornar
célebre. É também na cadeia que Camilo escreve “Amor de Perdição, o mais
célebre dos seus livros.
Pobre e arruinado, Zé do Telhado nem dinheiro tem para pagar
o advogado no seu julgamento que decorre em Marco de Canaveses. Por interferência
de Camilo, o advogado Marcelino de Matos defende o salteador gratuitamente e
consegue-o salvar da forca. No final, o seu cliente é apenas responsabilizado
por uma morte sem premeditação e consegue demonstrar que muitos dos assaltos de
que era tido por autor, não passavam de calúnias. A sentença poupa-o da pena
capital, mas condena-o a degredo perpétuo com trabalhos públicos. Zé do Telhado
é então desterrado para Angola, onde, ao serviço das forças coloniais, acabou
por se envolver em várias lutas contra nativos revoltosos. Em Angola ficou
conhecido por Quimuezo devido às longas barbas que usava. Ainda veio a ter
prole de uma africana mas, acometido pela doença e em extrema miséria, o mais
famoso bandoleiro português morre em 1875.
Com o seu raio de ação centrado na região Norte do país, o
Zé do Telhado deixou o seu rasto um pouco por todo o lado. Diz-se que o Penedo
do Ladrão, nos Feitos, foi um dos seus poisos, de onde se lançava assaltos aos
viajantes que seguiam no caminho que ligava Barcelos a Viana, atual EN103. E
parece que o temerário ladrão tentou também a sua sorte em Palme. Alguns idosos
da freguesia ainda hoje falam esta história. Os pais dos seus avós contavam que
o gangue do Zé do Telhado se acercou das Casas Novas, residência rica, de que
hoje só restam as ruínas e os umbrais do portão de entrada, no lugar de
Paranhos, mesmo à face da rua com o mesmo nome. Segue-se que nessa noite, os
ratoneiros cercaram a casa e em voz alta pediram para que abrissem a porta e
que entregassem todo o ouro e dinheiro e que não fariam mal a ninguém (o que
era habitual acontecer se ninguém causasse resistência aos gatunos). Os
proprietários, sabendo da horda que tinham fora da porta, puseram-se a berrar,
aqui del rei que nos vão matar. O alarido a meio da noite acordou a populaça e
muitos com archotes de palha a arder dirigiram-se para as proximidades do
local. O bando é que não queriam companhia por perto e vai daí um dos mais
bravos desfechou um tiro com o bacamarte na direção das tochas a
arder. Diz-se que o zagalote furou o chapéu de um dos socorristas e a tropa
fandanga, atarantada, largou os archotes de palha e tresmalhou-se por onde
pôde. No meio da confusão, a dona de casa colocou o dinheiro e o ouro que
tinham dentro de um saco de pano, e fez descer o precioso embrulho por uma
janela, agarrado a um fio. E assim quando os saqueadores entraram em casa, nada
encontraram.
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