Os seguidores mais atentos deste blogue deverão
recordar-se que, num dos posts passados, ficou a promessa de trazer aqui uns
apontamentos sobre a história de Palme. Adverte-se desde já que por este blogue
não milita nenhum historiador, arqueólogo ou qualquer outro cientista social
afim pelo que, se alguém mais entendido detectar alguma imprecisão ou equívoco,
deverá pronunciar-se para bem do rigor histórico (os comentários serão bem-vindos assim como mensagens para o email: freguepalme@hotmail.com). O trabalho que se segue
resulta de uma breve investigação e na compilação de informação dispersa por
vários documentos, com o objectivo de explicar quão tão antiga é a presença
humana na nossa terra e de desvendar alguns dos momentos e dos episódios mais
significativos do seu passado. Daí o sugestivo (ou nem por isso) título de
“História e acontecimentos marcantes da freguesia de Palme”. Para o texto não
se tornar demasiado longo e fastidioso, optou-se por fraccioná-lo em três
partes: (i) da pré-história à Idade Média; (ii) da Idade Média ao século XIX;
(iii) do século XIX à actualidade. Assim, cada um dos três posts assumirá a
forma de um pequeno fascículo sobre cada um daqueles períodos. Espera-se desta
forma contribuir para um melhor entendimento da presença humana no território e
para a necessidade de preservar o legado que os nossos antepassados nos
deixaram sob a forma do património material e imaterial, que se reflecte na
nossa memória colectiva e naquilo que somos. Nesta primeira viagem, a partir
dos vestígios que chegaram aos nossos dias, recuámos ao período mais distante
que nos é possível determinar e que constitui o ponto de partida para esta
digressão à história de Palme.
Parte I
Da
Pré-história à Idade Média
A ocupação humana no território que corresponde
à actual freguesia de Palme remonta a tempos muito recuados, havendo vários
vestígios que comprovam a presença humana desde a pré-história, nomeadamente na
zona correspondente ao planalto da Figueiró. Até à abertura da EN 103, no
século XIX, o planalto da Figueiró era uma área relativamente remota e de
difícil acesso. Nessa zona foram encontrados vários vestígios pré-históricos, que
são difíceis de determinar, mas que Almeida (1993) situa no contexto do
Megalitismo do Norte de Portugal (nos III e II milénios a.C.). Mas fora desta
zona também foram encontrados artefactos muito antigos. Por exemplo, nas
imediações do Mosteiro de Palme foi encontrado um sílex com cerca de 6000 anos.
Outras peças de pedra trabalhadas em quartzite foram encontradas nos montes de
Fragoso e de Carapeços, assim como vários restos arqueológicos da Idade do
Bronze e do Ferro. Deste modo pode concluir-se que o Homem se fixou no
território correspondente à actual freguesia de Palme e na sua envolvência há
muitos milhares de anos atrás. Os testemunhos deixados pelos nossos antepassados
são, por isso, de inegável valor histórico e patrimonial. Os mais importantes,
alguns dos quais ainda podem ser observados nos locais originais, são constituídos
pelas mámuas e pelos menires (Figura 1). O maior número destes monumentos, que
remontam à Idade do Bronze e do Ferro e que se integram na chamada Civilização
Castreja, foi encontrado, precisamente, no planalto da Figueiró.
As mámuas são monumentos
funerários, têm uma forma circular e
convexa, que resulta do topo ter sido fechado por lages de pedra, as quais eram
depois cobertas por terra. Apresentam uma dimensão muito variável, que pode ir de
alguns metros de diâmetro até várias dezenas de metros. A crença de que as
mámuas tinham escondidas riquezas que foram sepultadas com os mortos, levou à
sistemática violação destes monumentos funerários, pelo que muitas delas foram
destruídas ou vandalizadas ao longo do tempo.
No perímetro de Palme
são conhecidas quatro mámuas, embora existam mais algumas nas imediações, nomeadamente
nos Feitos (Poço do Vintém) e em Fragoso (nas proximidades do Monte de S.
Gonçalo). Uma das mámuas conhecidas está localizada no Souto de Cerquido, perto
da EN103. Trata-se de um monumento funerário pequeno, com câmara violada, com um
“tumulus” e um corredor voltado para Nascente. Nos limites de Palme com Vila
Cova está também implantada junto à EN uma mámua com características idênticas,
sendo conhecida por “mámua do Sobreiro do Rei” (Almeida, 1993). Está localizada
a curta distância da berma da EN103, a escassos metros do entroncamento do
acesso a Vila Cova. Junto ao caminho que liga a referida EN a Bustelo, no lugar
conhecido por Vilar, encontram-se mais duas mámuas (Oliveira, 1982). A primeira
delas surge do lado esquerdo no sentido da EN 103 para Bustelo, numa bouça, a
escassos metros de uma moradia que ali foi construída (Figura 2). É
um monumento largo, de planta circular, com cerca de 20 metros de diâmetro por
1 metro de altura. Tem uma cratera de violação não muito profunda mas muito
abrangente. A segunda delas está distanciada a 950m da primeira, encontrando-se
a cerca de 15m do muro do caminho que vai de Bustelo ao lugar de Sião. É
bastante mais pequena, tendo 8m de diâmetro por 1,5m de altura. Tal como a
anterior, esta mámua apresenta uma cratera de violação, mas menos profunda. A curta
distância destas, mas já na vizinha freguesia de Feitos, localiza-se a mámua do
Poço do Vintém, também ela de pequenas dimensões e com sinais de vandalização:
as pedras do interior foram retiradas e a câmara do túmulo passou a ser
utilizada como depósito de lixo. Nesta área de Vilar/Bustelo/Feitos, Almeida (1993)
refere que existiam mais duas mámuas que entretanto foram totalmente
destruídas. Mais para Nascente, nas imediações do Monte de S. Gonçalo (Fragoso),
existem mais duas mámuas. Uma delas localiza-se no lugar conhecido por
Ferração, na encosta pedregosa do referido monte que está virada a Sul. A outra
corresponde ao local onde está implantado o marco geodésico, que foi colocado
sobre a câmara de uma mámua de pequenas dimensões. Fora desta área, na
extremidade Sul dos terrenos pertencentes ao Mosteiro de Palme (Aldreu) existe
outra mámua (Figura 4). O conhecimento desta mámua não é novo, pois já em 1873
foi colocado sobre o túmulo uma inscrição que diz: “aqui e no monte do Crasto
há indícios e ruínas da decadência dos romanos. Tudo passa.” (Teotónio, 1987).
Esta inscrição permite concluir que, pelo menos na segunda metade do século XIX
já era conhecida a natureza do pequeno montículo que resguardava o monumento,
bem como das ruínas do monte do Crasto. O erro foi o de atribuir estas
construções aos romanos, uma vez que a sua origem é mais recuada. A cerca de
200m a poente desta última está localizada outra mámua de dimensões ainda
maiores. Tem uma configuração cónica, um diâmetro de 55m e uma altura de 8m. De
todas é a única que aparenta não ter sido violada (Maciel, 1997). Por esta
razão, o lugar onde está implantada (consiste numa pequena mancha florestal) é
conhecido por “Mámua”.
Quanto aos menires, o seu
conhecimento e identificação ficou a dever-se aos trabalhos do Dr. Penteado
Neiva, que levou a cabo um conjunto de prospecções arqueológicas no planalto da
Figueiró, na década de 1970. O estudo permitiu identificar a existência de dois
menires, que estavam localizados na divisória de Palme com Feitos, tendo sido
posteriormente ambos deslocados. Os menires correspondem a blocos rochosos, em
regra de forma fálica, que eram erigidos pelos povos do Megalítico em homenagem
ao culto da fertilidade. De acordo com Almeida (1993), estes dois menires em
conjunto com os existentes no vizinho concelho de Esposende (S. Paio Antas,
Forjães e S. Bartolomeu do Mar) formam o mais importante núcleo megalítico
deste tipo de monumentos de todo o Norte de Portugal. Um dos menires é
conhecido por “Marco da Zarelha” (Figura 5). Inicialmente estava localizado na
Bouça do Quinhão, a escassos metros de uma das mámuas situadas no caminho para
Bustelo. Em 1989, com as obras de alargamento deste caminho, o menir foi
removido e foi colocado no largo defronte à sede da Junta dos Feitos, onde foi
implantado numa espécie de vaso de tijolo e betão (atentado maior seria difícil
de perpetrar!). Originalmente, o menir tinha 1,80 metros de altura,
dos quais 0,40 metros
estavam enterrados) e encontrava-se ligeiramente inclinado para Sul. Como é
comum neste tipo de monumentos, o menir tem uma forma fálica, que foi
conseguida pelo adelgaçamento da sua parte superior e pela inclinação dada. Foi
construído em granito grosseiro, o que explicará a maior erosão detectada na
sua parte superior. Nesta há um chanfro rectangular que foi mais tarde
esculpido para dependurar uma cruz de madeira, com a qual o menir era decorado
sempre que no caminho passava uma procissão a caminho de um calvário situado
junto a Bustelo.
O outro menir é conhecido
por “Pedra do Coelho” (Figura 6) e estava também localizado na divisória entre
Palme e Feitos. A descoberta deste menir foi algo fortuita, pois ficou a
dever-se à informação de um morador de Bustelo, aquando dos preparativos da
remoção do Marco da Zarelha. Nessa altura, o previdente habitante informou os
Serviços da Câmara que uma pedra idêntica havia sido enterrada ali próximo, na
sequência das mesmas obras de alargamento do caminho. Com base nesta
informação, os Técnicos do município resgataram o menir enterrado, que foi
levado para o Museu Arqueológico de Barcelos, onde ainda hoje pode ser
observado. A Pedra do Coelho tem características muito idênticas às do outro
menir (dimensão, forma fálica, inclinação, existência de um chanfro),
distinguindo-se por ter sofrido uma menor erosão e por possuir uma cruz
esculpida na parte superior numa tentativa, como refere Almeida (1993) de
“cristianizar a pedra”. O que não é possível determinar é se estes dois menires
faziam parte de um conjunto mais amplo (de um alinhamento ou de um cromeleque),
que foi destruído com o passar do tempo, ou se a sua proximidade era uma mera
coincidência.
No extremo Norte da
freguesia, no limite com Aldreu, à face de um caminho de acesso florestal,
encontra-se um menir de pequenas dimensões (Figura 7). Está inserido num muro
numa curva de ângulo muito fechado, pelo que tem sofrido diversas escoriações
provocadas pela passagem dos tractores, estando por isso em risco. Tem cerca de
1m de altura e 0,35m de largura. Apresenta um truncamento junto ao topo, bem
como aquilo que parecem ser dois fossetes, numa tentativa aparente de decorar
esta peça (Maciel, 1997).
Um outro local onde se
encontram diversos vestígios da Civilização Castreja é o monte do Crasto (Figuras
8 e 9). Este monte que actualmente está integrado na freguesia de Aldreu mas
que, em tempos, pertenceu à antiga freguesia de S. Salvador de Palme, guarda
ainda o topónimo de um povoado castrejo da Idade do Ferro, que esteve
implantado neste cabeço. Embora o tempo e a acção humana se tenham encarregado
de apagar a maior parte dos seus vestígios, algumas prospecções permitiram
detectar vestígios de vários períodos, desde a Idade do Ferro à Idade Média. De
acordo com Carvalho (2008), este castro era constituída por duas muralhas e um
fosso, que estava localizado no exterior da muralha, a Nascente e que,
actualmente, está atulhado. O povoado era dominado por uma pequena acrópole
cuja defesa era assegurada pelas muralhas de pedra. No interior desta muralha são
ainda visíveis o que resta das antigas casas de forma circular e rectangular. É
no espaço delimitado pelas muralhas que se têm encontrado vestígios de várias
épocas, incluindo a tégula, o imbrex e a cerâmica castreja, mas também a olaria
medieva (olas, potes, fundos de alguidares, etc.). A ligação do Mosteiro de
Palme ao monte do Crasto, de acordo com Almeida (1993) surge num documento
medieval onde é descrito que um tal de “Alfe Tamiel” foi doado em testamento ao
referido Mosteiro. Almeida (1993) acredita que este “Alfe Tamiel” é
precisamente o monte do Crasto. Apesar, como se disse, deste monte não estar no
perímetro da actual freguesia de Palme, esteve-o em tempos, nomeadamente quando
a freguesia de S. Salvador de Palme foi extinta e o seu perímetro (onde se
incluía este monte) foi anexado a Stº André de Palme. Ainda hoje, a recente
toponímia adoptada nas ruas da freguesia guarda a memória deste monte, havendo
um caminho baptizado por “Calçada do Cresto” (“Cresto” é uma variação errada de
Crasto que os residentes locais insistem em manter).
Em suma, a histórica
presença humana no território correspondente à actual freguesia de Palme, como
não poderia deixar de ser, não foi um fenómeno isolado e enquadra-se no
contexto da ocupação verificado na região envolvente. Esta mesma conclusão é
defendida por Almeida (1993) quando refere que “os sectores que presidiram à
ocupação do espaço geográfico do planalto Figueiró/Vilar, do alvéolo dos Feitos
e das encostas do Monte de São Gonçalo, são as mesmas que estiveram subjacentes
às zonas limítrofes que se estendem de Vila Chã a S. Bartolomeu, S. Paio e
Forjães. Em toda esta zona, que vai do mar até às encostas dos montes de S.
Gonçalo e de S. Mamede, não faltavam áreas com aptidão agrícola e pastagens,
capazes de garantir o sustento de homens e de animais para uma zona de baixa
densidade populacional”. As características da área correspondente ao planalto
da Figueiró (território isolado, com abundância de água e de solos férteis, nas
proximidades de montes elevados) foram, na verdade, determinantes para a
fixação dos nossos antepassados, pelo que a Figueiró e Bustelo poderão ter sido
os sectores onde se instalaram os primeiros e os mais importantes povoados da
actual freguesia. O próprio topónimo “Bustelo” deriva do baixo latim
“bustellum”, que significa pastagem. O pastoreio de gado miúdo (cabras e
ovelhas), que se fazia normalmente de forma comunitária através do sistema de
vezeiras, deverá ter tido muito importante para a sobrevivência destas
comunidades humanas. Ainda no século XVIII surgiam referências às “Besseiras”
de Bustelo e aos diversos pastos de gado existentes na Figueiró e no Monte de
S. Mamede (Feitos), como descreve o Padre Gomes nas memórias paroquiais de
1758.
Figura 1: Distribuição das mámuas e do menir em Palme
Figura 2: Mámua de Bustelo 1
Figura 3: Mámua de Bustelo 2
Figura 4: Mámua do Mosteiro de Palme
Figura 5: Menir Marco da Zarelha (Junta Freguesia de Feitos)
Figura 6: Menir Pedra do Coelho (Museu Arqueológico de Barcelos)
Figura 7: Menir do Barreiro
Figura 8: Monte do Crasto - cabeço do monte
Figura 9: Monte do Crasto
Bibliografia
Almeida, C (1993) “O aro megalítico do Planalto da Figueiró-Vilar”. In Barcelos Património, Nº1, pp.19-32.
Capela, J., Borralheiro, R (1998) Barcelos nas memórias paroquiais de 1758, CMB, Barcelos.
Maciel, T (1997) O povoamento proto-histórico do Vale do Neiva, Tese de Mestrado, FLUP, Porto.
Carvalho, H (2008) O povoamento romano na fachada ocidental do Conventus Bracarensis, Tese de Doutoramento, UM, Braga.
Teotónio, A. (1987) O Concelho de Barcelos Aquém e Além Cávado, Boletim do Grupo Alcaides de Faria, Barcelos.
Oliveira, V (1982) Megalitismo do Norte de Portugal: o distrito do Porto – os monumentos e a sua problemática no contexto europeu, Tese de Doutoramento, FLUP, Porto.
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