A reforma administrativa é um assunto que tem sido tratado com pinças pelo Governo por ser uma questão muito sensível e impopular, que mexe com a identidade e com a pertença territorial das populações. Por isso, cautelosamente, os governantes têm falado em associação de freguesias e em reorganização do poder local, quando o que está na calha é a extinção de freguesias e de municípios. Não deixa de ser curiosa a mudança de opinião do principal partido que sustenta o Governo: actualmente a posição do PSD é a de reduzir o número de autarquias, quando ainda há um par de anos atrás era a de aprofundar o municipalismo, com a criação de novos concelhos (pelo menos este foi um dos seus argumentos na luta contra a regionalização). Mas estas reviravoltas nos pensamentos dos políticos são frequentes, bastando para tal mudar as cadeiras que ocupam…
A reforma administrativa surge agora como um imperativo meramente financeiro: a de poupar recursos em pagamentos de salários, senhas de representação, etc., nomeadamente dos elementos dos órgãos autárquicos e de racionalizar os investimentos ao nível local. Na Grécia que, como se sabe, está também de chapéu estendido, a reforma administrativa do país foi uma das condições draconianas impostas pela Troika, de que resultou a eliminação de um em cada três municípios existentes. Embora estranhamente a comunicação social não tenha dado grande enfoque ao tema, o Livro Verde da Reforma Administrativa foi apresentado no passado dia 26-09-2011. Não se conhece ainda com rigor quantas freguesias poderão ser atingidas, nem que critérios serão utilizados na purga, falando-se apenas numa “redução substancial do número de freguesias”. Em surdina vai-se referindo que poderão ser riscadas do mapa entre 1000 a 1500 freguesias, o que poderá significar um corte de 37% nas actuais 4050 freguesias existentes só no continente.
Agora o que é difícil de imaginar é como uma medida desta natureza poderá ser implementada num período tão curto de tempo? E de que forma vai ser feita? Por decreto, como se tem feito com o sufocante aumento dos impostos? Vamos por partes. Em primeiro lugar, a Troika não tem qualquer legitimidade para impor uma reforma administrativa, até porque Portugal realizou uma profunda reorganização administrativa do país no séc. XIX, que levou à supressão de mais de 450 concelhos. Por outro lado, verifica-se que na Europa há diversos casos de países mais pequenos que Portugal, que contabilizam muitos mais municípios, como a Bélgica e a Holanda. Por outro lado, não se nota a existência de qualquer correspondência entre a situação orçamental dos países europeus e a sua organização administrativa. Portanto, esta medida surge apenas por condicionalismos financeiros, é a aplicação de mais um garrote para estancar a sangria do país moribundo. Quanto à forma, não parece plausível que se faça uma reforma administrativa do país num período tão curto de tempo. Uma reforma desta natureza, que se quer séria e transparente, deve envolver uma ampla participação das entidades locais (das associações, das autarquias e das populações), que devem ter uma palavra a dizer na escolha do seu futuro. Deve haver um amplo debate cívico, um envolvimento activo das populações e a existência de várias possibilidades sobre a mesa. Porém, o que os prazos tão curtos indiciam é que poderá ter lugar uma reforma feita do pé para a mão, imposta pelos burocratas de Lisboa, com a qual as pessoas não se irão identificar. Mas o carácter altamente impopular destas medidas poderá inflamar os ânimos já de si exaltados da população, nomeadamente nas freguesias mais rurais. Será que eram estes os tumultos que o primeiro-ministro dizia há umas semanas que não vai tolerar?
Quando se fala em reforma administrativa, vem logo à baila o nosso concelho. Com 89 freguesias, Barcelos é o maior município do país, sendo este, aliás, um dos seus slogans de promoção que pode ser visto em várias partes do concelho. Como a discussão em torno deste assunto demonstra, ter um elevado número de freguesias de reduzidas dimensões, como sucede em Barcelos, é também uma fonte de problemas administrativos e financeiros. Senão vejamos, muitos equipamentos terão que ser multiplicados pelas 89 freguesias ou por um valor próximo disso, quando estão em causa distâncias muito curtas entre elas. Ás vezes, num espaço de 2km atravessam-se várias freguesias. A freguesia mais pequena do município (Carreira) tem apenas 36 hectares de superfície; muitas outras, como Alvito S.Martinho, Couto, etc. têm menos de 200 hectares de área. Na verdade, não me repugna a ideia de que haja fusões de freguesias em Barcelos (nem na maior parte dos municípios portugueses), desde que o processo seja debatido e participado pelas populações. O presidente da Câmara de Barcelos veio já publicamente manifestar-se contra a ideia, mas percebe-se a sua posição, está a defender a sua vida política. Contudo, sou totalmente contra uma reforma que seja imposta de cima, cega, que não tenha em consideração a história, a tradição e as vontades das populações. Aliás, como é descrito no outro post sobre este assunto, Barcelos foi um concelho severamente atingido pelas reformas liberais, tendo perdido mais de metade das suas freguesias e da sua área no séc. XIX. Será que a história se vai repetir?
Chegamos agora ao términos desta digressão, com a análise do que poderá suceder à nossa freguesia. Poderá a freguesia de Palme ser extinta? Ou ser englobada noutra? Ou ainda ver anexadas ao seu território administrativo outras freguesias vizinhas? Os factos mostram que Palme é a terceira maior freguesia do concelho (832 hectares) e que, de acordo com o Recenseamento de 2001, tinha uma população (1072 habitantes) idêntica à média municipal (excluindo as freguesias urbanas). À luz do Livro Verde da Reforma Administrativa, o município de Barcelos enquadra-se na tipologia de nível 2, sendo que Palme integra-se na categoria APR (Área Predominantemente Rural), tendo o mínimo de 1000 habitantes referido no 2º Critério destas freguesias. O mesmo não se poderá dizer de algumas freguesias nossas vizinhas que, para a mesma categoria de APR, não contabilizam os tais 1000 habitantes. Quererá isto dizer que estas freguesias são para fundir? No caso de esta interpretação estar correcta, Palme reúne os requisitos mínimos para se manter como freguesia. Depois há a questão histórica. Nos últimos dois séculos, Palme chegou a ter anexa a freguesia de Feitos e viu mesmo ser integrada no seu perímetro a extinta freguesia de S. Salvador de Palme. A própria origem da freguesia é anterior à fundação da nacionalidade, estando associada à instalação do mosteiro beneditino de Palme, que alguns autores colocam no séc. IX. Por isso, não parecem haver razões geográficas nem históricas para que a freguesia possa simplesmente ser extinta ou fundida. Mas, como se foi frisando ao longo do texto, a haver alterações, a população local que possa ao menos ter uma voz activa no seu destino, a de Palme e a das restantes freguesias. Caso contrário, os princípios democráticos instaurados em Abril estarão a ser feridos de morte. Mas o povo tem sempre o poder ao alcance das suas mãos…
A reforma administrativa surge agora como um imperativo meramente financeiro: a de poupar recursos em pagamentos de salários, senhas de representação, etc., nomeadamente dos elementos dos órgãos autárquicos e de racionalizar os investimentos ao nível local. Na Grécia que, como se sabe, está também de chapéu estendido, a reforma administrativa do país foi uma das condições draconianas impostas pela Troika, de que resultou a eliminação de um em cada três municípios existentes. Embora estranhamente a comunicação social não tenha dado grande enfoque ao tema, o Livro Verde da Reforma Administrativa foi apresentado no passado dia 26-09-2011. Não se conhece ainda com rigor quantas freguesias poderão ser atingidas, nem que critérios serão utilizados na purga, falando-se apenas numa “redução substancial do número de freguesias”. Em surdina vai-se referindo que poderão ser riscadas do mapa entre 1000 a 1500 freguesias, o que poderá significar um corte de 37% nas actuais 4050 freguesias existentes só no continente.
Agora o que é difícil de imaginar é como uma medida desta natureza poderá ser implementada num período tão curto de tempo? E de que forma vai ser feita? Por decreto, como se tem feito com o sufocante aumento dos impostos? Vamos por partes. Em primeiro lugar, a Troika não tem qualquer legitimidade para impor uma reforma administrativa, até porque Portugal realizou uma profunda reorganização administrativa do país no séc. XIX, que levou à supressão de mais de 450 concelhos. Por outro lado, verifica-se que na Europa há diversos casos de países mais pequenos que Portugal, que contabilizam muitos mais municípios, como a Bélgica e a Holanda. Por outro lado, não se nota a existência de qualquer correspondência entre a situação orçamental dos países europeus e a sua organização administrativa. Portanto, esta medida surge apenas por condicionalismos financeiros, é a aplicação de mais um garrote para estancar a sangria do país moribundo. Quanto à forma, não parece plausível que se faça uma reforma administrativa do país num período tão curto de tempo. Uma reforma desta natureza, que se quer séria e transparente, deve envolver uma ampla participação das entidades locais (das associações, das autarquias e das populações), que devem ter uma palavra a dizer na escolha do seu futuro. Deve haver um amplo debate cívico, um envolvimento activo das populações e a existência de várias possibilidades sobre a mesa. Porém, o que os prazos tão curtos indiciam é que poderá ter lugar uma reforma feita do pé para a mão, imposta pelos burocratas de Lisboa, com a qual as pessoas não se irão identificar. Mas o carácter altamente impopular destas medidas poderá inflamar os ânimos já de si exaltados da população, nomeadamente nas freguesias mais rurais. Será que eram estes os tumultos que o primeiro-ministro dizia há umas semanas que não vai tolerar?
Quando se fala em reforma administrativa, vem logo à baila o nosso concelho. Com 89 freguesias, Barcelos é o maior município do país, sendo este, aliás, um dos seus slogans de promoção que pode ser visto em várias partes do concelho. Como a discussão em torno deste assunto demonstra, ter um elevado número de freguesias de reduzidas dimensões, como sucede em Barcelos, é também uma fonte de problemas administrativos e financeiros. Senão vejamos, muitos equipamentos terão que ser multiplicados pelas 89 freguesias ou por um valor próximo disso, quando estão em causa distâncias muito curtas entre elas. Ás vezes, num espaço de 2km atravessam-se várias freguesias. A freguesia mais pequena do município (Carreira) tem apenas 36 hectares de superfície; muitas outras, como Alvito S.Martinho, Couto, etc. têm menos de 200 hectares de área. Na verdade, não me repugna a ideia de que haja fusões de freguesias em Barcelos (nem na maior parte dos municípios portugueses), desde que o processo seja debatido e participado pelas populações. O presidente da Câmara de Barcelos veio já publicamente manifestar-se contra a ideia, mas percebe-se a sua posição, está a defender a sua vida política. Contudo, sou totalmente contra uma reforma que seja imposta de cima, cega, que não tenha em consideração a história, a tradição e as vontades das populações. Aliás, como é descrito no outro post sobre este assunto, Barcelos foi um concelho severamente atingido pelas reformas liberais, tendo perdido mais de metade das suas freguesias e da sua área no séc. XIX. Será que a história se vai repetir?
Chegamos agora ao términos desta digressão, com a análise do que poderá suceder à nossa freguesia. Poderá a freguesia de Palme ser extinta? Ou ser englobada noutra? Ou ainda ver anexadas ao seu território administrativo outras freguesias vizinhas? Os factos mostram que Palme é a terceira maior freguesia do concelho (832 hectares) e que, de acordo com o Recenseamento de 2001, tinha uma população (1072 habitantes) idêntica à média municipal (excluindo as freguesias urbanas). À luz do Livro Verde da Reforma Administrativa, o município de Barcelos enquadra-se na tipologia de nível 2, sendo que Palme integra-se na categoria APR (Área Predominantemente Rural), tendo o mínimo de 1000 habitantes referido no 2º Critério destas freguesias. O mesmo não se poderá dizer de algumas freguesias nossas vizinhas que, para a mesma categoria de APR, não contabilizam os tais 1000 habitantes. Quererá isto dizer que estas freguesias são para fundir? No caso de esta interpretação estar correcta, Palme reúne os requisitos mínimos para se manter como freguesia. Depois há a questão histórica. Nos últimos dois séculos, Palme chegou a ter anexa a freguesia de Feitos e viu mesmo ser integrada no seu perímetro a extinta freguesia de S. Salvador de Palme. A própria origem da freguesia é anterior à fundação da nacionalidade, estando associada à instalação do mosteiro beneditino de Palme, que alguns autores colocam no séc. IX. Por isso, não parecem haver razões geográficas nem históricas para que a freguesia possa simplesmente ser extinta ou fundida. Mas, como se foi frisando ao longo do texto, a haver alterações, a população local que possa ao menos ter uma voz activa no seu destino, a de Palme e a das restantes freguesias. Caso contrário, os princípios democráticos instaurados em Abril estarão a ser feridos de morte. Mas o povo tem sempre o poder ao alcance das suas mãos…
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